Anta Gorda é palco de resgate de quatro argentinos escravizados na lenha

Fiscalização no município de Anta Gorda (RS), a 185 quilômetros de Porto Alegre, encontrou trabalhadores em condições degradantes extraindo, cortando e carregando lenha de eucalipto vendida a ervateiras e laticínios da região
Por Leonardo Sakamoto
 29/08/2024

QUATRO TRABALHADORES argentinos foram resgatados de condicões análogas às de escravo, nesta sexta (23), no município de Anta Gorda (RS), a 185 quilômetros de Porto Alegre. Eles trabalhavam na extração, corte e carregamento de lenha de eucalipto a ser usada por ervateiras e laticínios da região.

A operação foi realizada pela Superintendência do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul, pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Rodoviária Federal.

“Esses trabalhadores migrantes são tratados de forma descartável. Quando não mais necessários, simplesmente são mandados embora e, muitas vezes, voltam para o seu país sem dinheiro algum. Dessa forma, alguns têm que fazer bicos até conseguirem juntar o suficiente para comprar uma passagem”, afirmou à coluna a auditora fiscal do trabalho Lucilene Pacini, coordenadora da operação.

De acordo com ela, nessa região, esse tipo de situação, com extração de madeira envolvendo migrantes argentinos, é comum. Empregadores vão buscá-los do outro lado da fronteira, depois os colocam em situações degradantes.

O trabalhador há mais tempo na propriedade estava no serviço desde o mês de maio. Ele teve a passagem para o Brasil descontada da remuneração, o que é proibido por lei. O empregador deve garantir o custeio da vinda e do retorno caso a contratação ocorra fora do local do serviço.

Estavam em situação de completa informalidade, sem autorização para trabalho, nem carteira assinada. A fiscalização caracterizou condições degradantes de trabalho, um dos elementos que, de acordo com o artigo 149 do Código Penal, configuram a escravidão contemporânea no país (ver abaixo).

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

“Um dos trabalhadores estava em um anexo improvisado de um galpão, sem porta, piso bem rústico, muitas frestas, sem banheiro e com goteiras que deixavam passar a chuva. A equipe de fiscalização quase congelou no local, imagine dormir por lá”, afirmou a procuradora do Ministério Público do Trabalho Franciele D’Ambros, que participou da operação.

Outros três estavam alojados em uma casa abandonada. Não havia água, o que obrigava os trabalhadores a fazerem suas necessidades fisiológicas no mato e pedirem água para beber.

Também não havia fornecimento de equipamentos de proteção individual, nem treinamento para operar a motosserra.

No total, as verbas rescisórias pagas aos quatro resgatados somaram R$ 23,6 mil. A fiscalização providenciou a emissão de CPF e de carteira de trabalho a todos. O empregador também teve que arcar com hospedagem no hotel e as passagens de volta à Argentina.

As autoridades ainda não revelaram o nome do produtor envolvido porque ainda está em negociação um acordo de indenização por danos morais para os trabalhadores. O empregador não foi preso em flagrante porque ele não estava no local no momento da operação.

Trabalho escravo hoje no Brasil

Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea e condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 63 mil trabalhadores foram resgatados. Participam desses grupos, além da Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Defensoria Publica da União.

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT.

Leia também

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM

Local onde estavam alojados trabalhadores argentinos resgatados da escravidão no RS (Foto: Reprodução MTE/MPT)