Garimpeiro e madeireiro disputam poder na cidade mais bolsonarista da Amazônia

Uma das cidades mais desmatadas do país nos últimos quatro anos, Novo Progresso (PA) tem na eleição para prefeito dois candidatos de extrema direita, que defendem a redução de unidades de conservação e o garimpo em terras indígenas
Por Daniel Camargos | Edição Diego Junqueira
 12/09/2024

NA CIDADE MAIS BOLSONARISTA DA AMAZÔNIA, a paraense Novo Progresso, a disputa pela prefeitura tem dois políticos ligados a atividades que destroem a floresta: o garimpo e a exploração de madeira.

Com 33 mil habitantes e área comparável à Suíça, o município do sudoeste do Pará é uma das cidades mais desmatadas do país e se tornou um enclave da extrema direita. O atual prefeito Gelson Dill (MDB), cuja trajetória está ligada à exploração madeireira, tenta a reeleição contra o ex-prefeito Juscelino Alves (Podemos), um piloto de avião que tem os garimpeiros como clientes. 

Além de ignorarem a destruição da floresta em seus planos de governo, as duas candidaturas defendem o legado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e disputam para ver quem é a mais bolsonarista.

Gelson Dill já recebeu mais de R$ 4 milhões em multas ambientais aplicadas pelo IBAMA e ICMBio, por desmatamento ilegal, inclusive dentro de áreas protegidas. Ao longo do atual mandato (2019 a 2024), a cidade ocupa a 11ª posição entre as mais devastadas do país, segundo levantamento da Repórter Brasil com base em dados do MapBiomas.

Juscelino, por sua vez, governou Novo Progresso entre 1997 e 2004 e tem como vice Ubiraci Soares, conhecido como Macarrão. Prefeito entre 2017 e 2020, Macarrão já foi indiciado pela Polícia Federal por garimpo ilegal, lavagem de dinheiro e usurpação de bem público da União.  “Um dos grandes fornecedores de dinheiro para a organização criminosa”, aponta o inquérito policial a respeito da participação dele em um esquema envolvendo exploração de ouro em balsas de garimpo no Amazonas, conforme revelou a Repórter Brasil.  Macarrão acumula também R$1,6 milhão por infrações ambientais.

Novo Progresso tornou-se símbolo dos ataques à floresta amazônica e à democracia. Em 2019, o município foi palco do Dia do Fogo, um evento em que fazendeiros e empresários, organizados via WhatsApp, queimaram extensas áreas de floresta. 

Após a derrota de Bolsonaro em 2022, seus apoiadores bloquearam a BR-163 e enfrentaram a Polícia Rodoviária Federal, em um levante que antecipou a violência vista na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Em um vídeo que capturou o momento, um manifestante grita: “Fugiram! Arregaram! Viva a população! Aqui é Novo Progresso”.

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Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o discurso antiambiental do ex-presidente foi abraçado por grande parte dos moradores da cidade, onde 83% da população votou no ex-capitão do Exército no segundo turno das eleições de 2022, tornando o município o mais bolsonarista da Amazônia. 

A Repórter Brasil esteve em Novo Progresso semanas depois do Dia do Fogo e retornou em 2021 e 2023. Nesse período, a BR-163, que atravessa a cidade, foi transformada de uma estrada quase intransitável, cheia de buracos e lama, em um tapete de asfalto, facilitando o transporte de soja do Mato Grosso até o porto nas margens do rio Tapajós. A pavimentação é um dos motivos da adoração de Bolsonaro pela população.

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A disputa pelo legado bolsonarista

O atual prefeito Gelson Dill organizou em torno de sua candidatura uma aliança com nove legendas, incluindo o MDB e o PL de Bolsonaro, representado por sua candidata a vice, Rosana Gonzaga. Além do ex-presidente, o prefeito se apoia também no governador do Pará, seu correligionário Helder Barbalho (MDB), que estreitou relações com o presidente Lula (PT). O irmão do governador, Jáder Filho (MDB), é, inclusive, o ministro das Cidades do governo petista. E a capital do estado, Belém, sediará a COP 30 (conferência do clima da ONU) em 2025, fruto da sintonia entre os governos estadual e federal. 

Prefeito Gelson Dill (MDB) tenta a reeleição para a prefeitura de Novo Progresso (PA) (Crédito: Reprodução/Instagram)
Prefeito Gelson Dill (MDB) tenta a reeleição para a prefeitura de Novo Progresso (PA) (Crédito: Reprodução/Instagram)

Essa aliança paradoxal entre Barbalho e Bolsonaro é facilitada pela ambiguidade do governador paraense, que se equilibra entre projetos criticados por ambientalistas e um discurso por uma economia verde.

Leia também: Entre desmatadores e ambientalistas: o palanque verde de Helder Barbalho

Em seu gabinete, Dill tem autógrafos de Bolsonaro e Barbalho nas bandeiras do Pará e do Brasil emolduradas em um quadro, como mostrou reportagem da Sumaúma. Mas na corrida pela reeleição, Dill esconde o vermelho da bandeira do MDB e ressalta o verde e o amarelo, ao estilo bolsonarista.

Apesar de não ter o PL ao seu lado, o desafiante Juscelino Alves reivindica ser o bolsonarista puro sangue. “Gelson Dill é como uma melancia: verde por fora e vermelho por dentro”, diz.

O principal aliado de Juscelino é o senador Zequinha Marinho (Podemos), que esteve no lançamento da candidatura e é opositor dos Barbalho. Na última eleição para o governo estadual, Helder foi eleito com folga no primeiro turno (69% contra 28% de Zequinha). 

Contudo, em Novo Progresso a situação foi inversa: Zequinha recebeu 74% dos votos ante 25% de Barbalho. À época, o senador era filiado ao PL, mas em maio do ano passado migrou para o Podemos. Juscelino afirma que o atual prefeito controlou o PL na cidade e colocou pessoas alinhadas a ele no comando para se dizer bolsonarista.

Juscelino não é novato na política. Foi prefeito por dois mandatos, mas há 20 anos está distante do poder. Do Piauí, chegou na região há 40 anos. “Aqui era uma corruptela de garimpo, com uma igrejinha, dois armazéns e uma casa”, recorda. Veio atraído pelo ouro e desde então é piloto de avião, transportando garimpeiros pela região. 

Classifica o combate ao garimpo feito pelos órgãos federais como “perverso”.  Para ele, o governo precisa dar oportunidade para que a população possa retirar o ouro. “Não é pouco ouro. É bastante”, observa. Para o candidato, o trabalho dos garimpeiros que não atuam com grandes máquinas, como retroescavadeiras, deveria ser permitido. 

O ex-prefeito Juscelino Alves (Podemos) reivindica a liderança bolsonarista na cidade, mas não tem o PL do ex-presidente em sua chapa (Crédito: Reprodução/Instagram)
O ex-prefeito Juscelino Alves (Podemos) reivindica a liderança bolsonarista na cidade, mas não tem o PL do ex-presidente em sua chapa (Crédito: Reprodução/Instagram)

Novo Progresso está em uma região com várias Terras Indígenas (TIs) no entorno, como Baú e Menkragnoti, do povo Kayapó, e as TIs Munduruku e Sai Cinza, do povo Munduruku, todas afetadas pela exploração ilegal dos garimpeiros. O uso de mercúrio na separação do ouro contamina os rios, os peixes e provoca doenças graves, como malformações congênitas em crianças. Juscelino diz não concordar com o garimpo ilegal que ocorre em terras indígenas, mas é favorável à criação de uma lei que permita a exploração. 

Leia também: A floresta doente: as crianças Munduruku que não brincam e podem estar contaminadas por mercúrio

No plano de governo, Dill deixa claro que apoia a redução da Flona do Jamanxim em 27% e de outras unidades de conservação. Entre as propostas está pressionar os governos estaduais e federal para conceder florestas públicas para a extração madeireira e legalizar áreas de garimpo.

A redução da Flona é uma das bandeiras de Dill, um paranaense de 52 anos que migrou criança para o Mato Grosso na década de 1970 e avançou em direção ao norte seguindo a BR-163 até chegar a Novo Progresso, no final da década de 1990. Antes de ser eleito vereador, vice-prefeito e prefeito, ele explorou madeira em uma área pública, que hoje faz parte do Parque do Jamanxim, onde foi multado por desmatamento.

A Repórter Brasil tentou entrevistar Gelson Dill diversas vezes.O prefeito chegou a pedir que as perguntas fossem enviadas por WhatsApp, comprometendo-se a respondê-las por áudio, mas não retornou até a publicação desta reportagem.

Dill foi questionado sobre a disputa pelo legado de Bolsonaro, as multas ambientais que recebeu, o garimpo em terras indígenas e também sobre a pressão contra as unidades de conservação na região, invadidas por pecuaristas, como é o caso da Flona do Jamanxim.  

Outdoor em Novo Progresso. A cidade deu a maior votação a Bolsonaro na Amazônia (Crédito: Fernando Martinho/ Repórter Brasil)

A economia ilegal em Novo Progresso

Para Maurício Torres,  professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) que estuda a região nas últimas décadas, parte significativa da sobrevivência de Novo Progresso vem da extração ilegal de madeira em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, da criação de gado em terras  griladas e da prórpia grilagem de terras . “A implementação do estado de direito em Novo Progresso é vista por boa parte de sua gente como uma ameaça terrível”, avalia Torres, acrescentando que a população foi empurrada para ilegalidade pela falta de ação do Estado. “A população não teve acesso à terra e acabou empurrada, por falta de opções, para debaixo da asa de bandido virando escudo social”, afirma. 

A cidade é protagonista do livro “Dono é quem desmata” (2017), escrito por Torres, Juan Doblas e Daniela Alarcon Fernandes, que analisa o processo de grilagem de terras na região. O título do livro é a reprodução de uma frase de um grileiro local.

Além do garimpo, da madeira e da pecuária, os últimos anos registraram o crescimento da monocultura da soja, que intensificou conflitos fundiários, mortes e ameaças a pequenos produtores e populações tradicionais. Para a outra parte da população, contudo, os ganhos são evidentes. A área urbana de Novo Progresso passou por uma “modernização”, com a abertura de boutiques, franquias de marcas famosas, restaurantes e churrascarias, além de muitas ruas de terra terem sido asfaltadas.

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