queimadas

Vice-governador de Mato Grosso deve R$ 240 mil ao estado por queimada de 2010

Um dos políticos mais ricos do Brasil, Otaviano Pivetta contesta há 14 anos uma multa por queimada em uma propriedade em Lucas do Rio Verde (MT); Vice-governador diz que fogo foi provocado por "terceiros"; Mato Grosso lidera focos de incêndio no país
Por Paula Bianchi | Edição Carlos Juliano Barros
 20/09/2024

EM AUDIÊNCIA no Supremo Tribunal Federal (STF) para tratar do combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia, realizada nesta quinta-feira (19), o governador de Mato Grosso – Mauro Mendes (União Brasil) – defendeu medidas mais duras para coibir as queimadas e o desmatamento ilegal. 

“O cara põe fogo, paga multa de R$ 800 e não vai preso; é preciso mudar a lei”, afirmou Mendes. O Mato Grosso é o estado com mais focos de fogo registrados em setembro. Foram 15.770 até o dia 19, segundo o BDQueimadas.

Mendes, no entanto, desconsiderou que o próprio vice-governador Otaviano Pivetta (Republicanos), um dos maiores produtores rurais do país e top 10 dos políticos mais ricos do Brasil, tenta há 14 anos anular na Justiça uma multa por queimada ilegal em uma propriedade rural em Lucas do Rio Verde, no norte do estado.

Em outubro de 2010, a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) determinou o pagamento de R$ 46,6 mil por “uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente”, em uma área equivalente a 65 campos de futebol. Atualmente, o valor da multa já ultrapassa R$ 240 mil.   

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À Repórter Brasil, a assessoria de imprensa de Pivetta enviou nota afirmando que o vice-governador “está recorrendo do processo, junto ao Superior Tribunal de Justiça, pois o incêndio na área em questão foi um acidente provocado por terceiros”. 

Segundo a nota, Pivetta não era proprietário da área quando ocorreu a queimada. “Por isso não se pode atribuir nenhuma conduta à [sic] ele (tanto ambiental quanto fiscal).” 

O texto diz ainda que o imóvel rural era explorado pela Vanguarda do Brasil, uma das maiores produtoras agrícolas do país. Porém, na data do incidente, a empresa tinha como um de seus donos o próprio Pivetta, fundador da companhia incorporada em 2011 ao grupo Vanguarda Agro.

Atual vice-governador, Otaviano Pivetta (Republicanos) é um dos maiores produtores rurais do país e top 10 dos políticos mais ricos do Brasil (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)
Atual vice-governador, Otaviano Pivetta (Republicanos) é um dos maiores produtores rurais do país e top 10 dos políticos mais ricos do Brasil (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)

Em setembro de 2023, a Justiça de Mato Grosso julgou o pedido de anulação da multa improcedente. Em sua decisão, a juíza Adair Julieta da Silva afirmou que “o simples fato da área ter sido arrendada não exclui a responsabilidade do seu proprietário, visto que diante da responsabilidade objetiva, tanto o proprietário quanto o arrendatário são solidariamente responsáveis”. 

Atual vice-governador do estado, Pivetta já foi deputado estadual e prefeito de Lucas do Rio Verde, município onde ocorreu a queimada.

Os bens declarados por Pivetta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na eleição de 2022 somam quase R$ 379 milhões. A cifra o coloca em 6º lugar entre os políticos mais ricos do país, segundo levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

A ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, diz que é comum que grandes desmatadores entrem na Justiça para evitar o pagamento de multas. 

“A média paga é de R$ 11 mil. Aquela pessoa que teve uma multa baixinha, tirou uma árvore sem autorização, por exemplo, paga”, explica Araújo. “Mas os grandes desmatadores, fazendeiros, empresas com multas mais altas, preferem gastar dinheiro com bancas caríssimas de advogados para não pagar, confiando também no longo tempo que esses processos vão levar para serem avaliados”, complementa.

É o caso da infração envolvendo Pivetta, que em outubro completa 14 anos. Após ter o pedido de cancelamento da multa indeferido em primeiro e segundo graus, o vice-governador informou que aguarda julgamento de recurso apresentado ao STJ.

“Na prática, os autuados não se assustam com as multas, porque eles sabem que podem ficar recorrendo”, afirma Araújo. Na avaliação da ex-presidente do Ibama, o que realmente preocupa os produtores é a possibilidade de “embargo” (proibição do uso) das áreas desmatadas.

Nesta quarta (18), na esteira da emergência ambiental relacionada às queimadas das últimas semanas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma normativa recomendando que juízes e membros do Ministério Público dêem especial atenção à tramitação de inquéritos e ações envolvendo a punição de infrações ambientais.

*Colaborou Isabel Harari

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