Em debate na capital mais queimada do país, candidatos silenciam sobre clima

Porto Velho, devastada pelas queimadas e pela seca, enfrentou mais de dois meses sob uma densa camada de fumaça e com o rio Madeira em seu nível mais baixo em 60 anos. Apesar da gravidade da crise, os candidatos à prefeitura ignoraram a pauta ambiental
Por Repórter Brasil
 04/10/2024

DE PORTO VELHO (RO) – A população de uma das maiores cidades da Amazônia enfrenta uma das piores crises ambientais de sua história devido à combinação da seca extrema e das queimadas, levando Porto Velho, em Rondônia, ao posto de capital mais devastada pelo fogo no Brasil. 

Por mais de dois meses, os moradores ficaram atordoados com a fumaça espessa provocada por incêndios florestais. O rio Madeira, que banha a cidade, atingiu a cota de 0,96 metros, o menor nível observado desde o início da série histórica há 60 anos.

Nem assim a pauta ambiental despertou a atenção dos cinco candidatos que participaram do debate promovido pela Rede Amazônica, afiliada da Globo, na noite de quinta-feira (3). Dos sete candidatos, seis foram convidados, mas a ex-deputada federal Mariana Carvalho (União Brasil), apontada como favorita, faltou ao encontro. Ela lidera as intenções de voto com 56% e pode vencer ainda no primeiro turno.

Carvalho pertence a uma coligação formada por 13 partidos e tem o apoio do governador Marcos Rocha, seu correligionário, além do prefeito Hildon Chaves (PSDB). Na semana passada, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) participou de um comício em apoio a sua candidatura. 

Ausente, Carvalho foi alvo de todos os candidatos, que fizeram perguntas para o púlpito vazio com o nome dela. Além da candidata, os temas ambientais também ficaram fora do debate. “A elite política sabe que, se falar de meio ambiente, perde voto”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Federal de Rondônia (Unir) João Paulo Viana.

A afirmação do professor é baseada em uma pesquisa qualitativa do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que conduziu grupos focais nas três principais cidades dos nove estados da Amazônia Legal brasileira. 

Segundo Viana, mesmo conscientes dos danos causados pelas queimadas, muitos eleitores priorizam a economia em vez da preservação ambiental. 

“Hoje em dia as pessoas têm mais consciência em relação à pauta ambiental e sabem os males que as queimadas trazem para a saúde, mas se precisam escolher entre a preservação ambiental e o bem estar econômico, a economia está em primeiro lugar”, explica. 

O professor, que também é pesquisador do LEGAL, classifica a visão de desenvolvimento em Rondônia como arcaica, pois remonta à época da ditadura militar, quando o governo incentivava a colonização baseada no desmatamento para a produção agropecuária. “Nós (rondonienses) estamos presos a essa visão do passado”, afirma.

Esse pensamento, que foi detectado nos grupos focais, mostra um casamento com a ideologia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que incentivou e deu sinal verde para que a economia passasse por cima do meio ambiente durante seu governo, segundo Viana. 

Nas eleições de 2022, Bolsonaro conquistou 70,66% dos votos válidos no segundo turno da disputa presidencial no estado, enquanto Lula não conseguiu vencer em nenhum município. Apoiado pelo ex-presidente, o governador e ex-coronel da Polícia Militar Marcos Rocha foi reeleito com 52,47% dos votos, enquanto todos os oito deputados federais e o senador eleito, Jaime Bagatolli (PL), pertencem à base bolsonarista.

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Planos vazios

Se não falaram sobre o tema no debate realizado ontem, os candidatos foram questionados pela Repórter Brasil na entrada da Rede Amazônica, afiliada da TV Globo. 

Em segundo lugar, com 11%, segundo a última pesquisa Quaest, o ex-deputado federal Léo (Podemos) quer recriar a brigada municipal de combate a incêndio e investir em educação ambiental. Também quer criar uma guarda municipal, com uma patrulha rural para coibir as queimadas. 

A juíza aposentada Euma Tourinho (MDB), em terceiro com 10%, também quer recriar a brigada municipal de incêndios e investir em programas de educação ambiental. 

Célio Lopes (PDT) tem o apoio do presidente Lula (PT), mas evita dizer o nome do petista, dada a rejeição à esquerda em Porto Velho. Se eleito, disse que irá distribuir máscaras para a população no período das queimadas. Lopes tem 6% das intenções de voto e atrás dele, com 1%, está o advogado Samuel Costa (Rede), que defende o governo petista com mais ênfase.  

“Lamentavelmente nós ficamos reféns da banda podre do agronegócio. Um pequeno grupo de empresários da soja tenta a todo instante não ter nenhum tipo de responsabilidade social”, afirmou. O candidato quer comercializar créditos de carbono das florestas públicas de Porto Velho e investir o dinheiro em educação ambiental e brigadistas permanentes. 

Vista aérea de desmatamento com fogo na rodovia BR-319, no Amazonas, em 2021 (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Vista aérea de desmatamento com fogo na rodovia BR-319 (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Entre todos os planos de governo, o do candidato da Rede é o mais consistente em relação às questões ambientais, propondo caminhos para enfrentar o agravamento das condições climáticas. Contudo, assim como todos os outros candidatos entrevistados, ele é favorável ao asfaltamento da BR 319, que parte de Porto Velho e vai até Manaus.

A obra é controversa devido aos seus potenciais impactos ambientais, e é apontada como um dos principais motores do desmatamento na região. Seu traçado afeta a região entre os rios Purus e Madeira, um dos blocos de floresta mais preservados do país, e ameaça 69 terras indígenas, além de impactar 41 unidades de conservação, segundo levantamento do Observatório da BR-319.

Com o baixo volume dos rios, o transporte fluvial é comprometido, e a pressão para o asfaltamento da rodovia se intensifica, com políticos de diversos matizes, incluindo o presidente Lula, sendo favoráveis à obra. 

Com 1%, o conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do estado e pecuarista Benedito Alves (Solidariedade) citou a bíblia quando questionado sobre seus planos para o meio ambiente: “Quando eu falo em desenvolvimento econômico sustentável, a concepção está lá em Gênesis na Bíblia: ‘Deus colocou o homem no jardim para lavrar e para guardar’”.

Ricardo Frota (Novo), também com 1% das intenções de voto, não participou do debate, mas esteve na porta da Rede Amazônica. Para ele, é preciso criar um plano de contingência e um gabinete de crise para combater os efeitos das queimadas, que, segundo ele, ocorrem em outros estados e afetam a cidade.

O que não é verdade, pois Rondônia registrou 7.282 focos de incêndios entre janeiro e 5 de setembro deste ano, de acordo com o “Programa Queimadas”, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Essa quantidade é a maior dos últimos 14 anos. Se a comparação for em relação ao mesmo período de 2023, o aumento é de 169%, quando foram registrados 2.704 focos.

A fumaça atrapalhou pousos e decolagens, sendo que mais de 40 voos sofreram alterações em um mês, sendo a maior parte em Porto Velho, no maior aeroporto de Rondônia.

A reportagem enviou as questões para a assessoria de Carvalho, que não retornou até a publicação desta reportagem. 

A população se acha dona de fazenda

“Passamos mais de dois meses debaixo da fumaça. Tudo queimando e os políticos tentando desviar do assunto e dizendo que o fogo não era aqui, mas era”, afirma a ambientalista Ivaneide Cardozo, a Neidinha Suruí, que é candidata a vereadora pela Rede. 

Aos 65 anos, Neidinha tem uma trajetória de mais de 40 anos de militância ambiental. Foi casada com o líder indígena Almir Suruí (PDT), que também é candidato a prefeito de Cacoal, no centro-leste de Rondônia. Ambos têm o apoio massivo da filha, a ativista internacionalmente reconhecida Txai Suruí, estrela da campanha de ambos nas redes sociais. 

A decisão por disputar o poder, segundo Neidinha, se deve às frustrações acumuladas nas décadas de militância. “A gente luta, luta, luta e os políticos eleitos votam leis que retrocedem e flexibilizam a legislação ambiental”, explica. “Ou muda a bancada política do Brasil para não ser só do agro ou vamos ver a floresta amazônica desaparecer”, continua. 

Neidinha diz que sempre sofreu discrimação por defender o meio ambiente em um estado voltado para o agronegócio, mas agora que decidiu colocar o nome em uma disputa política, o preconceito aumentou.

“É muito assustador ver o quanto o preconceito e o racismo se mostram presentes nas eleições. A população se acha dono de fazenda e de plantio de soja”, afirma. 

Ela afirma que é preciso ter formação política para entender que os interesses de um latifundiário não são os mesmos de grande parte dos eleitores. “A realidade em Rondônia é de pessoas muito pobres votando em quem tem muito dinheiro e quer ficar cada vez mais rico”, acredita. 

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