A POLÍCIA FEDERAL (PF) apura se o dinheiro arrecadado com o garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, financiou a campanha de vários candidatos nas eleições 2024.
Dentre eles, está Rener de Santana Miranda (PRD), o Dr. Rener, que disputa a prefeitura de Redenção e é apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele nega irregularidades e afirma não ter recebido doações de Pedro Lima dos Santos, servidor municipal de Redenção que está preso e é tido pela PF como o cabeça do esquema. A íntegra da nota enviada por sua assessoria pode ser lida abaixo.
A investigação se baseia em documentos encontrados em uma operação de busca e apreensão ocorrida em 10 de setembro em uma empresa de Pedro Lima. A Repórter Brasil teve acesso com exclusividade ao relatório da operação.
“Foram encontrados documentos que citam partidos eleitorais e prováveis políticos da região (fato a se investigar) em possíveis ‘folhas de pagamento’”, diz um trecho do documento.
Uma das hipóteses da investigação é a de que políticos eram beneficiados com recursos ilícitos para impulsionar suas campanhas. Além do servidor municipal, o esquema de garimpo ilegal de ouro também seria formado por policiais civis e militares. Suspeita-se ainda do uso de criptomoedas para lavar dinheiro do esquema.
As anotações apreendidas fazem menção a possíveis repasses a políticos de diferentes partidos, como PL, Podemos, PSD, Solidariedade, União Brasil e MDB. Os nomes aparecem em várias listas escritas à mão, acompanhados de quantias em dinheiro.
Um dos documentos, intitulado “gastos de campanha”, aponta valores destinados a diferentes municípios, incluindo Redenção. A Repórter Brasil apurou que a anotação “Redenção – 300.000 – Rener”, a de valor mais elevado, seria uma referência a Dr. Rener.
Na lista, também aparecem os nomes de candidatos à prefeitura de outras cidades da região, como Ourilândia do Norte, Santa Maria das Barreiras, Rio Maria, Tucumã e Pau D’Arco, em valores que variam de R$ 30 mil a R$ 100 mil. Em 9 dos 13 nomes citados, também é possível ler a sigla “PG”, usualmente utilizada para substituir a palavra “pago”, segundo o relatório da PF. No caso de Rener, a sigla não aparece.
Além de documentos, computadores e um cartão de memória, a PF também apreendeu dois carros adesivados com propaganda eleitoral do Dr. Rener no pátio da empresa CTM Construtora e Terraplanagem, de Pedro Lima, ex-vereador de Redenção apontado como líder da quadrilha.
Dentista de formação, Dr. Rener foi eleito vereador da cidade em 2016 e suplente de deputado estadual em 2022. A equipe do candidato informou à Repórter Brasil que “não recebeu ajuda financeira do Sr. Pedro Lima dos Santos”. Leia a nota completa:
“A Coligação Renova Redenção informa que não consta registro de recebimento de ajuda financeira do Sr. Pedro Lima dos Santos. É comum esta coligação receber declaração de apoio de pessoas de diversos seguimentos da sociedade. Em relação à suposta anotação, se existente, não significa que há vinculação com a coligação ou candidato. Reafirmamos que a coligação não recebeu ajuda financeira do Sr. Pedro Lima dos Santos”.
Da prestação de contas do candidato informada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) constam, até o momento, dois repasses: R$ 500 mil da direção nacional do PL, partido da candidata a vice-prefeita, Renata Rocha, e R$ 30 mil doados por uma médica anestesista
Do CPF de Pedro Lima dos Santos, por sua vez, não constava nenhuma doação oficial até a publicação da reportagem. Seu advogado não se manifestou até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado, caso um posicionamento seja enviado.
Na operação de busca na empresa de Pedro Lima, a Polícia Federal apreendeu ainda “documentos que demonstram conexão com mineradoras, cooperativas de garimpeiros e revendedoras de minério”, e também “comprovantes de transferências de valores fora do comum via PIX ou TED que despertaram a curiosidade do investigador quanto à possibilidade de condutas ilícitas”, diz o relatório.
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Apoio de Bolsonaro
Segundo a última pesquisa de intenção de voto divulgada, Dr. Rener é o candidato favorito para comandar a cidade de 85 mil habitantes, com 47% da preferência. Em segundo está o vereador Gabriel Salomão (MDB), com 34%. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Amazzo Data e contratada pela empresa D S Silva Comunicação, responsável pelo site Parazão Tem de Tudo, que publicou os resultados em 26 de setembro.
No início da corrida eleitoral, as pesquisas apontavam Salomão como favorito. Contudo, a campanha do Dr. Rener ganhou força após a divulgação de um vídeo, em 26 de agosto, ao lado do ex-presidente Bolsonaro.
“Eu peço a você que, por ocasião das eleições, vote nele! Rener para prefeitura!”, disse Bolsonaro apontando para o candidato, que passou a se identificar como o “verdadeiro candidato da direita”.
Dos partidos citados no relatório da PF, integram a coligação do candidato o PL, Podemos, PSD e PRD, que tem apoio também do Novo e do Avante.
A assessoria do ex-presidente Bolsonaro foi procurada por mensagem, mas não se manifestou.
Milícia garimpeira e lavras fantasmas
Deflagrada no início de setembro, a Operação Bruciato teve como alvo principal o empresário Pedro Lima dos Santos, um político experiente de Redenção. Ele é supervisor na secretaria de obras da prefeitura e foi eleito vereador entre 2013 e 2017 pelo PSDB. Ele ficou como suplente de vereador em 2016 pelo PSC e em 2020 pelo Democrata (atual União Brasil), chegando a assumir o cargo por alguns meses em 2024.
Segundo a investigação, outra empresa de Pedro Lima, a mineradora Dente di Leone, teria movimentado R$ 847 milhões entre 2021 e 2023 com a comercialização de 3,14 toneladas de ouro. A Dente Di Leone utilizava um garimpo fantasma para “esquentar” [legalizar] o ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Kayapó e, possivelmente, da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
Garimpos fantasmas são lavras garimpeiras legalizadas que informam a produção de grandes quantidades do minério, mas que de fato não extraem ouro. Esses garimpos são usados por esquemas criminosos para ocultar a real origem de metal extraído irregularmente de áreas sem permissão, como as terras indígenas.
As autorizações são concedidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para a extração em pequena escala, chamadas de PLG (Permissão de Lavra Garimpeira).
Pedro Lima tinha em seu nome uma PLG em Cumaru do Norte, localizada em uma área vizinha à TI Kayapó, no limite leste do território. Legalizada, essa lavra informou uma megaprodução nos últimos anos, mas imagens de satélite não mostram sinais de atividade garimpeira.
A operação resultou na prisão de 13 pessoas, incluindo Pedro Lima, acusado de ser o principal articulador do esquema de “esquentamento” de ouro.
A PF também investiga a participação de policiais civis e militares no esquema. O delegado da Polícia Civil de Redenção, Vinícius Sousa Dias, é acusado de ser um dos líderes da organização criminosa e de utilizar seu cargo para amedrontar rivais e facilitar a extração ilegal de ouro. A investigação também apontou o envolvimento de outros policiais, como o terceiro sargento da PM Paulo Henrique Santos Pereira e o escrivão da Polícia Civil Danillo Santos Silva.
Terra Indígena Kayapó é a mais cobiçada pelo garimpo ilegal de ouro
Em 2021, a PF já tinha feito uma megaoperação contra garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó e batizou com outro nome italiano: Terra Desolata, que denota a devastação.
Na ocasião, a PF descobriu conexões de parte do ouro extraído ilegalmente ali com uma refinaria italiana. Com base na investigação, a Repórter Brasil revelou que o destino final do metal eram as big techs, como Apple, Google, Microsoft e Amazon.
Apesar das investigações, os garimpos ilegais continuam crescendo nas áreas indígenas, ano após ano. A TI Kayapó lidera o ranking de área ocupada por garimpo, com 13,7 mil hectares em 2022 (o equivalente a 19 mil campos de futebol), segundo levantamento do MapBiomas. Essa área representa 54% de toda a extensão de garimpos abertos em terras indígenas naquele ano.
Mais de 6.000 indígenas vivem na TI Kayapó, que tem 3,2 milhões de hectares, ou quase 100 vezes o tamanho de Belo Horizonte (MG). O mercúrio usado para separar o ouro polui rios, contamina os peixes e adoece os indígenas. “As caças fogem com as explosões. O rio agora é só lama. A gente não come mais peixe nem caça; só o que compra no mercado, porque a água está contaminada e passa doença”, disse uma liderança indígena.
* Colaborou Isabel Harari
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