O BANCO DAYCOVAL administra um fundo de investimentos que negocia ativos oriundos da Agropecuária Rio Arataú, empresa de criação de gado do grupo Queiroz Galvão. O fundo tem valor inicial de R$ 78 milhões. A companhia de atividade pecuária está na Lista Suja do trabalho escravo após o resgate de cinco trabalhadores na Fazenda Arataú, localizada em Novo Repartimento (PA), em 2021. Segundo o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), o grupo trabalhava sem registro na construção de cercas e vivia em um barraco de lona no meio de uma área de mata, sem acesso à água potável e instalações sanitárias.
Essa é a segunda vez que a Agropecuária Arataú entra na Lista Suja. Em 2007, na mesma propriedade onde houve o flagrante de 2021, 11 trabalhadores foram resgatados em situação análoga à de escravo.
Desde setembro de 2023 a empresa do grupo Queiroz Galvão está ligada ao fundo de investimentos administrado pelo banco Daycoval, de acordo com documentos obtidos pela Repórter Brasil.
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Sasson Dayan e sua família, os donos da instituição, estão entre os 69 brasileiros que fazem parte da lista de bilionários da Forbes divulgada em 2024. No segundo trimestre de 2024, o banco alcançou lucro líquido recorrente de R$ 392,4 milhões.
Em sua “Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática” o banco Daycoval afirma que não financia atividades que utilizam mão de obra análoga à de escravo. Questionada sobre o caso, a instituição bancária não respondeu. Este espaço segue aberto para esclarecimentos futuros.
“O banco lucra em cima das atividades da empresa, que são atividades ilícitas”, destaca Maria Eduarda Senna Mury, diretora de pesquisa jurídica e litigância da Harvest, instituição que desenvolve pesquisas e projetos focados em soluções globais para a emergência climática.
A Agropecuária Rio Arataú figura como cedente no Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Recuperados Questões Globais Não Padronizado (FIDC-ND). O cedente é quem cede os direitos creditórios a um fundo de investimento.
Entenda como funciona
Nessa modalidade de fundo de renda fixa, a instituição bancária assume os créditos que uma empresa tem a receber, como duplicatas, cheques e outros. É como se o banco antecipasse para a empresa o pagamento desses valores e transformasse esse montante a receber em “ativos” a serem comprados e vendidos no mercado financeiro. Então, o banco vende cotas desse fundo para investidores.
“O fundo atua comprando títulos de crédito por menos do que eles valem. Então, o lucro desse investimento vem da diferença entre o que o fundo pagou e o que ele vai receber no futuro”, explica Mury.
Nesse caso, o banco Daycoval é o administrador do fundo e a instituição Jive Investments é a gestora da carteira dos valores mobiliários. Questionada, a Jive argumentou que o FIDC-ND da Agropecuária Rio Arataú “possui apenas os recebíveis da venda de uma fazenda vendida pela família QG (Queiroz Galvão), não possuindo qualquer vinculação com a operação da empresa, operação das terras, que resultem ou possam resultar em vínculo de trabalho” e que “esses recebíveis foram dados em pagamento de uma dívida da holding da família”.
Um funcionário que atuava na Agropecuária Rio Arataú informou à Repórter Brasil que a fazenda onde ocorreu o resgate dos trabalhadores foi vendida em 2022. A reportagem, entretanto, não conseguiu confirmar se os créditos do fundo são advindos dessa mesma propriedade. Questionada sobre essa questão, a Jive não se posicionou.
Questionado, o grupo Queiroz Galvão informou que não iria se manifestar. A Repórter Brasil também tentou contato com a administração da Agropecuária Rio Arataú, por meio de seus advogados, mas não obteve qualquer retorno. Este espaço segue aberto para futuras manifestações.
Água de poça e barraco de lona
“Tinha uma poça de água que a gente usava para beber, cozinhar e tomar banho. Era muito ruim. A água muito suja”, relatou João*, um dos trabalhadores resgatados, em entrevista à Repórter Brasil. Ele foi chamado para o trabalho por um “gato” – quem alicia a mão de obra para o trabalho nas fazendas – e já estava na propriedade há um mês no momento do resgate. “A gente pensou que era um alojamento na fazenda, mas era na mata mesmo, na selva. Não tinha como voltar. Era longe, uns 30 quilômetros da sede”.
O resgate aconteceu durante ação conjunta da Superintendência Regional do Trabalho no Pará, vinculada ao MTE, e do Ministério Público do Trabalho, em dezembro de 2021.
Segundo o relatório da fiscalização, os trabalhadores extraíam e lapidavam madeiras para a confecção e reparos da cerca da fazenda Arataú. Um barraco improvisado com lona e caibros de madeira era a moradia dos cinco resgatados. A água que o grupo usava para beber e cozinhar vinha de uma grota, era turva e tinha um cheiro ruim.
Os trabalhadores não tinham instalações sanitárias ou local adequado para cozinhar, comer e dormir. Não recebiam equipamentos de proteção individual ou de primeiros socorros e estavam submetidos a “condições que aviltam a dignidade”, de acordo com relatório. Segundo as autoridades, um dos trabalhadores chegou a ficar três meses nessas condições até ser resgatado.
A Agropecuária Rio Arataú recebeu dez autos de infração e foi multada em R$ 238 mil por danos morais coletivos e individuais. A empresa assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) se comprometendo a cumprir a legislação trabalhista. Em abril de 2024, a empresa voltou a integrar a Lista Suja, por essa autuação.
Regulamentação e transparência de fundos de investimento
Fundos de investimentos como esse, do banco Daycoval, passam à margem das normatizações sócio-ambientais, alertam especialistas.
“Somente os estabelecimentos de financiamento público são proibidos formalmente de continuar apoiando empresas flagradas com trabalho escravo. Para os outros estabelecimentos financeiros, eu não sei de uma legislação que proíba. É aconselhado não fazer. Só isso”, avalia o frei Xavier Plassat, da coordenação Nacional da CPT (Comissão Pastoral da Terra) contra o trabalho escravo.
A regulamentação dos fundos, para Mury, é o caminho para o maior controle das relações entre instituições financeiras e empresas que violam os direitos humanos. O primeiro passo, ela explica, está na transparência dos fundos. “Eles não são transparentes sobre o que compõe essas carteiras”.
*Nome fictício para preservar a identidade do trabalhador
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