A COMISSÃO DE SERVIÇOS E INFRAESTRUTURA do Senado adiou nesta terça-feira (26) a discussão sobre o marco legal das eólicas offshore, que irá definir regras para a operação de torres eólicas no mar brasileiro.
O PL (projeto de lei) já foi aprovado na Câmara, onde foram embutidos artigos que obrigam o país a aumentar o consumo da energia produzida por termelétricas e a exploração de carvão e gás natural, indo na contramão dos acordos assumidos pelo Brasil para acelerar a transição energética.
A apresentação do relatório do senador Weverton Rocha (PDT/MA) estava na pauta do dia da comissão, mas foi retirada da pauta a pedido do parlamentar, que solicitou mais sete dias para divulgar o texto.
Fontes ouvidas pela Repórter Brasil afirmam que o senador planeja manter o texto aprovado na Câmara, que traz “contradições perigosas” que favorecem a ampliação do uso de combustíveis fósseis e trazem impactos negativos às comunidades pesqueiras e à biodiversidade. Weverton Rocha foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Além de questões relacionadas às offshore em si, o texto prevê a prorrogação para 2050 dos contratos do governo federal com termelétricas a carvão, atualmente previstos para vencer em 2028. Também obriga a contratação de usinas termelétricas a gás natural inflexível (ligadas 24 horas por dia) por mais tempo ao longo do ano, e não apenas quando há risco de insegurança elétrica no país.
Segundo Cássio Carvalho, assessor do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), os acréscimos ao PL, conhecidos como “jabutis”, irão aumentar as emissões de gases de efeito estufa, já que o carvão e o gás são combustíveis fósseis altamente poluentes, indo na contramão das ações globais de descarbonização e enfrentamento da crise climática.
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A expansão de termelétricas a gás natural também pode aumentar a conta de luz e a pobreza energética, segundo projeções da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, coalizão que reúne organizações que defendem os direitos dos consumidores de energia. Caso esses “jabutis” sejam aprovados, os consumidores podem ser obrigados a pagar um valor adicional de até R$ 658 bilhões, ou aproximadamente R$ 25 bilhões por ano. Isso representaria um aumento de 11% na conta de luz, de acordo com cálculos da entidade.
“À medida que a conta de energia elétrica fica mais cara, o consumo, sobretudo das pessoas de baixa renda, será comprometido, e elas vão ter que escolher se pagam a conta de luz ou compram alimentos, itens de higiene pessoal ou até lazer”, afirma Carvalho.
A Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica) se disse contra os acréscimos ao texto e propôs a “retirada de textos estranhos ao tema da geração offshore” do projeto de lei. Apesar disso, a organização diz entender que o marco legal é importante para o desenvolvimento da cadeia produtiva das eólicas em alto-mar e que é uma sinalização para os investidores de que o país quer avançar no desenvolvimento desta fonte.
Impacto às comunidades não mensurado
A ausência de consulta prévia às comunidades tradicionais da pesca artesanal para a elaboração da proposta tem sido uma das principais críticas ao PL.
Segundo Letícia Camargo, secretária executiva do GT Mar (Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha), da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, as comunidades tradicionais da pesca artesanal não foram convidadas a participar de nenhuma audiência pública em que o projeto foi debatido.
“Tivemos o 13° Grito da Pesca coordenado pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais em Brasília semana passada, com 500 pessoas. [Os senadores] esperaram todas as comunidades pesqueiras irem embora para pautar o PL”, critica.
A Repórter Brasil mostrou recentemente que a instalação de usinas eólicas em alto-mar obriga uma restrição da área de pesca que poderá ser de até 500 metros em torno das torres, como adotado para as plataformas de petróleo. Além de impactar a vida marinha, isso traz preocupações sobre a manutenção dos modos de vida tradicionais de comunidades pesqueiras, um dos grupos mais afetados pelas offshore.
Em nota conjunta, o Observatório do Clima e a Coalizão Energia Limpa afirmam que um dos maiores desafios enfrentados pelas comunidades costeiras é a falta de consulta livre, prévia e informada, nos termos da Convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário e que garante às comunidades tradicionais a participação nos processos de planejamento e tomada de decisão sobre os empreendimentos que são implantados nos seus territórios, o que inclui a instalação das usinas eólicas offshore.
“A instalação de parques eólicos no mar pode alterar os ecossistemas marinhos, impactando a biodiversidade e reduzindo a disponibilidade de recursos pesqueiros. Ademais, a restrição ao acesso a áreas de pesca artesanal, devido à presença das turbinas e das zonas de segurança ao seu redor, pode comprometer a subsistência e a economia local”, afirmam as organizações.
Planejamento marítimo
Para minimizar os impactos às comunidades tradicionais e ao meio ambiente, o Brasil se comprometeu a realizar até 2030 o seu Planejamento Espacial Marinho. O PEM deve mapear os usos econômicos, sociais e ecológicos do mar, a fim de evitar conflitos de setores, criar bases jurídicas para investimentos marítimos e implementar uma abordagem baseada no ecossistema para a gestão dos oceanos.
No caso das eólicas offshore, por exemplo, é esse plano que vai definir quais áreas poderão ser exploradas e qual será a distância mínima entre o litoral e os parques – um dos principais pontos de preocupação citado pelas comunidades ouvidas pela Repórter Brasil.
A Abeeólica considera o PEM importante como instrumento norteador, entretanto diz que, enquanto o planejamento não estiver pronto, podem ser seguidas diretrizes definidas pelo Ministério de Minas e Energia e pelo o Ministério de Meio Ambiente.
“O Brasil pode assumir a liderança na transição energética, mas a hesitação em aprovar o marco regulatório pode dar espaço para outros países que já estão avançando no desenvolvimento das eólicas offshore, acarretando numa possível perda de investimento estrangeiro no país”. Confira o posicionamento completo.
Já para os movimentos sociais e organizações da sociedade civil, o PEM deve ser adotado como um pré-requisito obrigatório para o início das operações.
“Sua adoção deve constar na lei para que a instalação de parques eólicos nos mares do Brasil seja precedida de um instrumento com capacidade para evitar conflitos sobre o uso das áreas marítimas e proteger tanto os ecossistemas marinhos-costeiros quanto às comunidades costeiras que dependem desses ambientes”, defende Soraya Tupinambá, em nota divulgada pelo GT Mar.
Cássio Carvalho defende que este é o momento do governo brasileiro pensar no futuro. “A transição energética não deve ser apenas para a gente substituir as fontes e perpetuar um modelo injusto como é hoje”, diz. “É necessário que a gente pense o futuro e pense para que servirá a transição energética, para que a gente possa aproveitar essa janela de oportunidades e sair, por exemplo, da dependência de exportação de uma commodity, que é o petróleo, e possa reindustrializar o nosso país”.