CONDENADO POR MANDAR EXECUTAR quatro servidores públicos do Ministério do Trabalho e Emprego naquilo que ficou conhecido como a chacina de Unaí, o fazendeiro Norberto Mânica foi preso, nesta quarta (15), em Nova Petrópolis, região da Serra Gaúcha. O outro mandante, seu irmão, o ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica, já cumpre pena pelo crime desde setembro de 2023.
Segundo a Polícia Civil local, ele estava escondido no interior do município. Ao ser abordado, tentou negar quem era, mas não ofereceu resistência à prisão. Ele era o último dos condenados pelo crime que estava foragido.
Os auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira realizavam uma fiscalização rural de rotina em fazendas de feijão da região Noroeste de Minas Gerais quando foram atacados em 28 de janeiro de 2004.
O motorista Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, não resistiu e faleceu. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel parou o carro da equipe e homens fortemente armados desceram e cometeram um massacre. Os auditores fiscais morreram na hora.
Os irmãos Antério e Norberto Mânica, que estavam entre os maiores produtores de feijão do país, foram apontados como os mandantes pela Polícia Federal seis meses depois.
“Foram 21 anos de luta incansável para que os responsáveis por esse crime hediondo finalmente cumprissem suas penas. Nossos colegas caíram no cumprimento do dever, recusando-se a ceder à pressão do poder econômico, enquanto lutavam por um país mais justo”, afirmou à coluna Bob Machado, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda foram condenados, em agosto de 2013, e cumprem pena nos regimes semiaberto, aberto e fechado, respectivamente.
Acusado de contratar os matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como Chico Pinheiro) morreu em 2013 sem ser julgado e Humberto Ribeiro dos Santos, que ajudou a sumir com as provas do crime, teve a pena prescrita.
Norberto, em uma reviravolta no caso em 2018, registrou em cartório um documento confessando a encomenda da morte de “apenas” um auditor fiscal do trabalho. Segundo ele, os executores é que teriam matado os outros três que estavam na operação. Quis isentar, com essa declaração, seu irmão do crime e pleitear a redução de pena, justificando-se que teria ordenado a morte de uma e não quatro pessoas. A estratégia não funcionou para livrar Antério.
Entre os que orquestraram a chacina, os empresários cerealistas Hugo Alves Pimenta foi condenado a 46 anos, 3 meses e 27 dias de prisão e José Alberto de Castro a 58 anos, dez meses e 15 dias. Norberto Mânica recebeu 65 anos, sete meses e 15 dias e seu irmão, Antério, 64 anos.
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Justiça levou 19 anos para determinar prisão de mandantes
Foi apenas em setembro de 2023, mais de 19 anos após o crime, que a Justiça finalmente determinou a prisão imediata dos últimos condenados pelo caso para o cumprimento da sentença.
Antério se entregou, em 16 de setembro daquele ano. Após ser preso, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região acolheu recurso do Ministério Público Federal e reformulou a sentença, que passou para 99 anos 11 meses e 4 dias. José Alberto de Castro foi preso no dia 14 de setembro.
Em fevereiro do ano passado, a Polícia Federal prendeu Hugo Alves Pimenta, que estava foragido, no Mato Grosso do Sul. Norberto era o único que seguia foragido. Até agora.
O inquérito apontou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas multas impostas à família de fazendeiros, sendo que o auditor fiscal do trabalho Nelson José da Silva era o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações por sistematicamente descumprirem as leis.
Para entender a força política dos Mânica, mesmo após ser vinculado à chacina, Antério foi eleito prefeito de Unaí, em 2004, com 72,37% dos votos válidos. E reeleito em 2008. Em novembro de 2008, chegou a ser um dos condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Aguardando o processo em liberdade, ele pediu votos à reeleição de Jair Bolsonaro (PL), em 2022, através de um vídeo que circulou pelas redes sociais.
“Esse crime, perpetrado contra servidores públicos no exercício de suas funções, é um lembrete da importância de protegermos aqueles que se dedicam à fiscalização das leis e à garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. A execução tardia da pena de Norberto Mânica reafirma a importância da justiça para preservar a memória das vítimas e fortalecer o papel da auditoria fiscal do trabalho”, diz Bob Machado.
A impunidade dos mandantes do caso era apontada por auditores fiscais do trabalho como incentivo para ameaças contra a categoria.
Em junho do ano passado, por exemplo, um homem se tornou alvo de uma operação da Polícia Federal ao disparar áudios com ameaças contra a fiscalização do trabalho que atuava na região cafeeira de Minas Gerais, mesmo Estado de Unaí.
“Se juntar todo mundo, os trabalhadores, 30 pessoas pegando café, na hora em que a fiscalização chegar lá, quebra o carro deles, mete o pau neles e desce o cacete neles. Aí, vai parar com essa pouca vergonha aí”, diz um dos áudios.
Carlos Calazans, chefe da Superintendência Regional do Trabalho, afirmou à coluna na época que a PF estava investigando se ele estava agindo a mando de alguém, se estava articulado com outras pessoas e se é “gato”, como são chamados os contratadores de mão de obra a serviço de fazendeiros.
Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
A história desse caso se confunde com a trajetória recente do combate à escravidão contemporânea no país, apesar de os quatro funcionários do então Ministério do Trabalho e Emprego não estarem fiscalizando esse tipo de exploração no momento de sua execução.
Tanto que o 28 de janeiro tornou-se, desde 2009, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
Em 2004, a votação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional que prevê o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou a programas de habitação urbanos, ocorreu sob forte comoção pública gerada pela execução. Isso pressionou a decisão dos deputados, que aprovaram o texto.
Mas quando o sangue dos quatro esfriou, ruralistas sentiram-se confortáveis para protelar a aprovação da PEC, cujo trâmite até a segunda aprovação na Câmara levou oito anos. Em 2014, a Emenda Constitucional 81 foi aprovada no Senado Federal e promulgada pelo Congresso Nacional, mas – desde então – aguarda regulamentação.
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