O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) pede que as investigações policiais sobre os dois assassinatos ocorridos no assentamento Olga Benário, em Tremembé (SP), na última sexta-feira (10), considerem a possível participação de empreiteiras e incorporadoras.
Segundo o movimento, os terrenos onde as famílias estão assentadas desde 2005 são alvo de cobiça para projetos imobiliários.
O ataque resultou nas mortes de Valdir do Nascimento de Jesus, o Valdirzão, um dos líderes do assentamento, e de Gleison Barbosa de Carvalho. Outras seis pessoas ficaram feridas.
A princípio, a Polícia Civil de São Paulo apontou a disputa por um lote de terra no assentamento como causa do ataque. A Polícia Federal também investiga o crime, por determinação do presidente Lula (PT).
“Essa é uma região de muitos assentamentos próximos às zonas urbanas e, portanto, motivo de sanha do capital imobiliário local, com objetivo de transformar os assentamentos em áreas de condomínios e de especulação imobiliária”, afirma Gilmar Mauro, dirigente nacional do MST. Ele classificou o atentado como uma ação de “milícia com arsenal armamentista muito forte”, apontando para especulação imobiliária e um possível conluio entre políticos e milícias armadas.
Criado há 20 anos, o assentamento Olga Benário tem cerca de 50 famílias, em lotes que variam entre 5 e 7 hectares. Segundo Gilmar Mauro, cada lote é avaliado entre R$ 5 milhões e 10 milhões devido à localização estratégica no Vale do Paraíba. Um terreno de 7 hectares, por exemplo, corresponde a 70 mil metros quadrados.
O ataque aconteceu por volta das 23h de sexta, quando um grupo de 40 homens armados, divididos em carros e motos, invadiu o assentamento e atirou contra os moradores. Antônio Martins dos Santos Filho – conhecido como Nero do Piseiro – foi preso em flagrante.
Segundo as investigações, ele, seu sobrinho Ítalo Rodrigues da Silva, e outros homens fortemente armados chegaram ao local para “tirar satisfação” devido a uma desavença relacionada à posse de um dos lotes do assentamento.
O lote em disputa foi abandonado há cerca de três anos após a família que o ocupava sofrer ameaças. O terreno deveria ter sido destinado a uma nova família pelo Incra. No entanto, sem a regularização, Nero e Ítalo teriam tentado tomar posse do local. Na noite do ataque, Valdirzão, Gleison e outros moradores montaram uma vigília para proteger o terreno.
Ítalo teve a prisão temporária decretada e está foragido. Antônio tem antecedentes criminais por porte ilegal de arma, lesão corporal, desobediência e ameaça. O advogado de Antônio, Jefferson Douglas Paulino, alega que seu cliente nega ter atirado e que foi ao local para apaziguar a situação.
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Pressão para venda
O Olga Benário segue as diretrizes do MST, em que as famílias têm a Concessão do Direito Real de Uso (CDRU) dos terrenos, podendo usar os lotes, mas não vendê-los.
“Há uma pressão muito grande para que haja uma titulação do assentamento”, explica Mauro. Na visão do MST, a titulação dos lotes, ou seja, a entrega do Título de Domínio a cada agricultor, enfraquece a reforma agrária e coloca a terra no mercado imobiliário.
Mauro explica que os assentados do Olga Benário sempre resistiram a aderirem à titulação, muito em parte, devido a liderança exercida por Valdirzão. ”Ele era um agrofloresteiro que espalhava sementes para recuperação da mata atlântica”, descreve Mauro sobre o companheiro assassinado.
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a estratégia governamental foi distribuir títulos de propriedade para quem já estava assentado. Foram cerca de 370 mil títulos nos quatro anos de governo, um recorde se comparado às outras gestões.
No período de Michel Temer (2016-2019), quando a legislação foi alterada para flexibilizar a titulação, foram 235 mil títulos, ante 137 mil nos governos Dilma Rousseff (2011-2016) e 105 mil nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010).
Antes de ingressar no MST, em 1993, Valdirzão trabalhava como frentista. Sua primeira participação foi no acampamento montado na Fazenda Jangada, em Getulina (SP). Chegou ao Vale do Paraíba no ano seguinte e, em 2006, foi assentado em Tremembé. Segundo o MST, além de defensor e praticante da agroecologia, o militante combatia a venda de lotes.
A segunda vítima foi Gleison Barbosa, conhecido como Guegue, filho de uma assentada no Olga Benário. Guegue morava na capital, mas, desde a última visita à mãe, planejava permanecer no assentamento.
Dois irmãos de Guegue também foram baleados no ataque. Um deles está na UTI e passou por uma cirurgia na noite de domingo (12), para retirada de estilhaços de projétil alojado em sua cabeça. Seu estado de saúde é considerado grave. Outro irmão também segue internado após ser atingido na bacia.
Durante o velório, a ministra dos Direitos Humanos Macaé Evaristo afirmou que as famílias do assentamento serão inseridas no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos,
Segundo Gilmar Mauro, a prioridade para ocupar o lote é de uma família que esteja acampada, ou seja, vivendo em condição precária aguardando a destinação de um terreno em um assentamento. Mas isso depende de uma decisão do Incra.
Procurado pela reportagem, o Incra afirmou que tem atuado intensamente na supervisão e regularização de lotes em assentamentos federais, incluindo o Olga Benário. Segundo a autarquia, desde 2023 foram realizadas vistorias identificando e notificando ocupações irregulares, com procedimentos administrativos e judiciais para reintegração de posse. Apenas em 2024 teriam sido realizados dois mutirões de regularização no local.
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