Calor extremo nas escolas: cérebro diminui raciocínio para buscar conforto

Calor extremo afeta alunos e professores e compromete desempenho escolar; estudo mostra perdas na aprendizagem de até 50% maiores quando a temperatura passa os 38°C
Por Igor Ojeda
 12/02/2025

Em situações de calor extremo, o cérebro tira energia do que considera supérfluo, como a concentração e o raciocínio, e o foco passa a ser aliviar o desconforto. Em uma sala de aula, isso significa que o ensino e a aprendizagem ficam comprometidos. 

É o que explica a neurocientista Lívia Ciacci à Repórter Brasil, a respeito dos impactos do calor extremo nas escolas brasileiras, ainda pouco preparadas para lidar com as mudanças climáticas.     

“O corpo vai eliminar mais água para equilibrar a temperatura. Vai ter uma circulação mais superficial, os vasos dilatam, a respiração pode acelerar. É como se a gente entrasse em um estado de alerta, em que o bem-estar do corpo é prioridade e tudo o que é secundário perde importância”, diz.

O ano de 2024 foi o mais quente já registrado, segundo dados do programa de monitoramento climático da Europa, o Copernicus: 1,6ºC acima da média do início da era industrial. 

Em uma sala de aula com várias pessoas – portanto, com a temperatura ainda mais alta –, os efeitos fisiológicos são potencializados, e qualquer atividade que exija engajamento do aluno vai ser atrapalhada, explica a cientista.

“Nós nos agitamos procurando um ambiente mais fresco. Nossa atenção vai ficar tomada por coisas como: ‘queria uma água gelada, precisava jogar uma água aqui na cabeça’. A gente começa a desviar o foco para tentar resolver esse desconforto”, afirma.

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Com a crise climática, medidas de enfrentamento ao desconforto térmico na educação são ainda mais urgentes. 

No Rio Grande do Sul, por exemplo, a Justiça adiou o início do ano letivo na rede estadual a pedido do sindicato de professores. Nos últimos dias, os termômetros chegaram a 43,8ºC, maior temperatura já registrada no estado em 115 anos.

Segundo a Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro, o calor extremo favorece o adoecimento das crianças, que podem sofrer com desidratação, exaustão, cãibras e insolação. 

“O calor elevado também causa ressecamento da pele, desconforto nos olhos, boca e nariz e deixa todos mais irritados”, diz a entidade, ressaltando que as crianças são mais vulneráveis à desidratação porque a porcentagem de água em seu corpo é maior do que nos adultos.

Caso não haja hidratação adequada, os alunos podem sentir sintomas como tonturas, desmaios, cansaço, palpitações, mal-estar e diminuição do volume urinário. 

O calor extremo afeta também o desenvolvimento do corpo e do cérebro das crianças, segundo artigo produzido pelo Centro sobre a Criança em Desenvolvimento da Universidade de Harvard (EUA), publicado em julho de 2024.

“O desempenho escolar diminui à medida que as temperaturas aumentam. Na cidade de Nova York, por exemplo, as perdas de aprendizagem aumentaram em até 50% quando as temperaturas em dias letivos ficavam acima de 38°C, em comparação com dias acima de 32°C”, diz o documento. 

Essa perda pode ser duradoura. Dias letivos de muito calor afetam negativamente as notas em testes realizados até três ou quatro anos depois, acrescenta o artigo.

Em 2023, uma projeção feita por economistas do Banco Mundial identificou que, quando se registram até 37 dias por ano com temperaturas acima de 25ºC, o desvio padrão da nota média dos estudantes na Prova Brasil – principal avaliação da educação básica do país – cai quase 2%.

Professores também são afetados

Professores e professoras também sofrem os efeitos do calor excessivo, tanto na saúde e capacidade cognitiva quanto na gestão de estudantes irritados e desconcentrados, diz Ciacci.

“Além de precisar planejar sua metodologia de acordo com o ambiente em que está, o docente deverá fazer o esforço de se manter na linha do que planejou, também sofrendo os efeitos do desconforto térmico”, ressalta a neurocientista. “Uma hora ou outra ele também vai ficar irritado e vai desistir de alguma tarefa pedagógica.” 

Para Daniel Bitencourt, pesquisador da Fundacentro (Fundação de Segurança e Medicina do Trabalho), instituição vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, quando não adequadamente preparados, ambientes internos podem servir como potencializadores do calor que vem do ambiente externo. “Nesses casos, professores, trabalhadores das escolas e os próprios alunos sentem um estresse térmico maior do que se estivessem do lado de fora”, diz.

Bitencourt coordena um grupo de pesquisa a respeito dos efeitos do calor nos trabalhadores de áreas externas. Mas ele ressalta que os trabalhadores internos também sentem os impactos das altas temperaturas. 

“Não temos um estudo específico para os professores, mas entendo que todos são atingidos”, afirma. Bitencourt lembra que as atividades educacionais ao ar livre, como educação física e aulas práticas de algumas disciplinas, expõem docentes e estudantes, além do calor, à radiação solar, altamente prejudicial à saúde.

“Existe um novo cenário climático, já estabelecido, com temperaturas mais altas, maior frequência de ondas de calor e maior umidade, que implica um estresse térmico ainda mais crítico para os trabalhadores”, afirma. E as previsões apontam para uma piora nas próximas décadas.

Danos às cordas vocais também podem afetar os professores, afirma Heleno Araújo, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação). Em instituições de ensino sem ar-condicionado, o forte ruído dos ventiladores contribui com essas lesões. 

Ele avalia que deveriam existir Comissões Internas de Prevenção de Acidentes dentro das escolas. Conhecidas como CIPAs, essas instâncias têm o objetivo de prevenir acidentes e doenças no trabalho, e atuariam também nos impactos causados pelo calor, propõe.

“Existe um conjunto de ausências dentro do espaço da escola pública: [faltam] salas de leitura, bibliotecas, quadras de esporte, laboratórios e também climatização. Esse é um dos itens da precariedade que os docentes sofrem. O calor e o ruído causados pelos ventiladores, às vezes em salas superlotadas e sem janelas, interferem no processo de ensino-aprendizagem”, afirma.

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