Salas quentes e onda de calor fazem aluna de Manaus voltar a usar bombinha de ar

Em dias quentes, Abigail Costa precisa puxar o ar com mais frequência para conseguir respirar; professor de escola estadual relata ‘dois ou três casos de desmaios por mês’ em razão das altas temperaturas na época mais quente do ano
Por Igor Ojeda | Edição Diego Junqueira
 19/02/2025

As altas temperaturas dentro da sala de aula fizeram Abigail Costa, de 18 anos, voltar a usar a bombinha, como é chamado o pequeno aparelho indicado para o tratamento da asma. “O calor aumenta a frequência com que as pessoas com essa doença têm de puxar o ar para respirar”, explica a aluna do terceiro ano do ensino médio na Escola Estadual Desembargador André Vidal de Araújo, na Cidade Nova, em Manaus (AM).

Manaus é a capital do Brasil com a maior proporção de escolas localizadas em ilhas de calor, áreas com temperaturas 3,57ºC acima da média municipal. Oito em cada dez escolas na cidade estão nessa situação, segundo estudo do Instituto Alana.

A aluna de 18 anos relata que já chegou a passar mal na escola, principalmente nos meses do verão amazônico, no meio do ano, quando não chove e as temperaturas ficam mais altas. “A sala era muito cheia. Estava muito quente, e os bebedouros não podiam ser usados nesses dias. A pressão caiu, senti uma tontura, tive de sair. Fui para a sala dos professores, onde o ar-condicionado presta. Fiquei um tempo lá até conseguir voltar para minha sala”, relata.

Quadra poliesportiva sem cobertura em escola estadual de Manaus (Foto: Bruno Kelly/Repórter Brasil)
Vista aérea das quadras esportivas da Escola Estadual Dom Milton Correa Pereira, localizada no bairro Cidade Nova, em Manaus. Falta de cobertura prejudica aulas de educação física (Foto: Bruno Kelly/Repórter Brasil)

Manaus é uma das capitais do país onde mais da metade das salas são climatizadas, segundo o Censo Escolar 2022. Mas, segundo Abigail, os aparelhos não dão conta de refrigerar o ambiente em dias muito quentes. 

Em 2024, sua turma tinha 62 alunos, que eram obrigados a “ficar colados uns nos outros”. Outros alunos também se sentiram mal ao longo do ano. Em alguns casos, os familiares precisaram buscá-los.

“Mesmo com o ar ligado, ele não presta. Não gela, cospe água. Por causa do calor, temos de ir para a sala de vídeo, que é mais gelada. Muitas das vezes, os aparelhos quebram. Em alguns casos, os dois ao mesmo tempo. Demora uma semana ou duas para trocarem”, explica. 

Para ela, o desconforto térmico afeta o rendimento escolar. “A gente já tem essa dificuldade de aprender por conta da lotação da sala, com o calor fica ainda mais difícil. Não conseguimos prestar atenção no que o professor fala, as altas temperaturas nos deixam muito inquietos.” 

Nos últimos dois anos, a capital do Amazonas enfrentou uma das secas mais graves já registradas, consequência do fenômeno El Niño e do aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. O nível do rio Negro em Manaus chegou em sua mínima histórica em 10 de outubro de 2024, segundo o Cemaden. Os manauaras viveram 132 dias de calor extremo no ano passado, segundo dados do Cemaden publicados pelo G1.

Recuo do rio na comunidade de Campo Novo,em Tefé, no Amazonas. Região Norte foi a mais afetada pelo calor extremo em 2024 (Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert/PR)
Recuo do rio na comunidade de Campo Novo,em Tefé, no Amazonas. Região Norte foi a mais afetada pelo calor extremo em 2024 (Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert/PR)

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Quadras descobertas, falta de manutenção

A falta de estrutura é um dos problemas mais apontados por alunos e professores. Boa parte das escolas não tem quadras cobertas, por exemplo. “Os alunos fazem educação física no sol. Quando voltam, com o corpo muito mais quente, aí não tem ar-condicionado que dê jeito”, diz Ivan Viana do Nascimento, diretor de Direitos Humanos da Asprom Sindical (Sindicato de Professores e Pedagogos de Manaus).

“Esta é uma realidade da escola onde trabalho. Não temos dignidade no que diz respeito à prática de esporte”, diz ele, professor na Escola Estadual Dom Milton Corrêa Pereira, também na Cidade Nova. 

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O professor Nascimento afirma já ter feito quatro denúncias sobre a falta de cobertura das quadras ao Ministério Público e à Assembleia Legislativa do Amazonas, mas o problema nunca foi resolvido.

“É uma escola superlotada: cada sala tem entre 38 e 42 alunos”, queixa-se. “Os ares-condicionados trabalham na temperatura mais baixa possível e, no auge do verão, começam a quebrar de tanto usar, por falta de manutenção. A maioria das máquinas é velha e a manutenção é falha.” O resultado, diz Nascimento, é “pelo menos dois ou três casos de desmaios por mês relacionados à pressão baixa”. 

Quando algum aparelho quebra, relata, os professores transferem as aulas para a biblioteca ou para o pátio. “Dificilmente temos uma semana no verão que não tenhamos problemas com ares-condicionados quebrados ou aparelhos que não resfriam adequadamente”, conta o diretor da Asprom Sindical.

No caso de Abigail, ela prefere não se exercitar sob o sol por conta de sua condição respiratória. Assim, não participa das aulas de educação física. “Participei apenas uma vez, forçada pelo professor, porque era uma atividade avaliativa. Se eu fizesse, passaria mal”, diz.

“Não temos dignidade no que diz respeito à prática de esporte”, diz professor Ivan Viana do Nascimento, que já enviou denúncias a respeito da falta de cobertura nas quadras das escolas de Manaus (Foto: Bruno Kelly/Repórter Brasil)
“Não temos dignidade no que diz respeito à prática de esporte”, diz professor Ivan Viana do Nascimento, que já enviou denúncias a respeito da falta de cobertura nas quadras das escolas de Manaus (Foto: Bruno Kelly/Repórter Brasil)

Professora se sente ‘sabotada’

Em novembro do ano passado, a professora do ensino fundamental I Kathlen Farias teve de dar aula por vários dias na biblioteca da Escola Municipal Professor Julio Cesar de Moraes Passos, no mesmo bairro manauara.

“O ar-condicionado na sala onde leciono pifou, e fiquei trabalhando num espaço mínimo, em que as cadeiras ficam realmente grudadas umas nas outras. As salas já são superlotadas, aí temos de ir para uma menor ainda”, relata ela. 

“Me sinto sabotada quando isso acontece. São duas, três semanas que eu não consigo ter eficiência no meu trabalho. É um desgaste muito maior, fica muito mais cansativo pra mim, muito mais cansativo pros alunos”, lamenta. Além disso, por ficarem ainda mais aglomeradas, as crianças adoecem mais facilmente, diz.

Farias pontua que, mesmo quando estão funcionando, os aparelhos de ar-condicionado são antigos e não passam por manutenção. “A gente sofreu muito em 2024 com esse calor que fez. Imagina crianças do primeiro ano, com seis, sete anos, em um ambiente insalubre desses, nos dias mais quentes. Elas ficam agitadas, com dificuldade de se concentrar, ficam mais irritadas. A gente coloca no diário como aula dada, mas realmente a aula não aconteceu, né?”

O refeitório da escola fica em um espaço pequeno e sem ar-condicionado, e os ventiladores não funcionam. “É onde fazemos o horário cívico. Então, à uma hora da tarde, estamos lá cantando o hino nacional e pingando de suor”, relata ela.

Ainda segundo a professora, praticamente não há espaços ao ar livre para as crianças brincarem. “Quando eu vejo que eles precisam fazer alguma movimentação corporal, eu uso um patiozinho que fica atrás da cozinha da escola. É um quadradinho. Em algumas escolas nem esse quadradinho existe”, lamenta.

Questionada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Educação do Amazonas não deu retorno até a publicação desta matéria.

Jà a Secretaria Municipal de Educação de Manaus afirmou que “todas as unidades da rede possuem aparelho de condicionador de ar” nas salas de aula e em outros espaços escolares. 

A secretaria disse que realiza manutenção e limpeza periódicas nos aparelhos de ar. “Em período de calor, que começa no mês de julho e segue até novembro, esse acompanhamento fica ainda mais intenso”, diz a nota. De 2021 a 2024, a prefeitura “revitalizou 361 unidades de ensino – oito escolas construídas do zero, quatro creches novas e outras 20 reformadas –, todas com condicionadores de ar”, continua.

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