Cortina verde e educação ambiental: as soluções para o calor extremo nas escolas

Para além da urgente instalação de aparelhos de ar-condicionado, que tem alta demanda de energia, educadores e especialistas propõem medidas estruturais de médio e longo prazo para enfrentar as altas temperaturas dentro das salas de aula. Áreas verdes, ventilação natural e educação ambiental são algumas saídas
Por Igor Ojeda | Edição Diego Junqueira
 19/03/2025

AS TARDES de calor insuportável transformaram o Centro Educacional Agrourbano Ipê, escola de ensino médio e fundamental no Distrito Federal. Em busca de soluções sustentáveis para amenizar as altas temperaturas, alunos e professores se envolveram na instalação de “cortinas verdes” contra o sol. A iniciativa não apenas trouxe conforto para as aulas, como reforçou a importância da educação ambiental.

“Além de ficar bonito, funcionou. Tanto que hoje estamos começando outra cortina verde para amenizar o calor na biblioteca”, conta a diretora Sheila Pereira da Silva Mello.

Os recordes de calor no Brasil e no mundo têm levantado questionamentos sobre como as escolas estão preparadas para enfrentar essa realidade. O ano passado registrou as temperaturas mais altas da história, condição que compromete o trabalho dos professores e a aprendizagem dos alunos. Mas a maioria das instituições de ensino brasileiras carece de infraestrutura para garantir o conforto térmico.

Para mitigar esse problema, especialistas e educadores defendem soluções que vão além da instalação de aparelhos de ar-condicionado. Alternativas como a implementação de áreas verdes, menos alunos por sala de aula, arquitetura que priorize a circulação natural de ar, fornecimento de água potável e o uso de cortinas verdes podem contribuir para um ambiente escolar mais agradável e sustentável.

A climatização artificial das escolas, embora eficaz, também tem impactos ambientais relevantes. Estudos do National Renewable Energy Laboratory e do Observatório Regional de Energias Renováveis da Cepal apontam que o uso massivo de ares-condicionados é responsável por 4% a 8% das emissões globais de gases de efeito estufa. Assim, investir em soluções naturais e de longo prazo é fundamental para equilibrar conforto e sustentabilidade. E a educação ambiental é central nesse processo, segundo os educadores ouvidos pela Repórter Brasil.

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No centro educacional Ipê, a ideia das cortinas verdes surgiu em 2018, a partir de uma demanda dos estudantes do sexto ano do fundamental, que buscavam atenuar o calor na escola, cuja rede elétrica não suporta a instalação de ares-condicionados e ventiladores. Depois de pesquisas e discussões, eles decidiram plantar tumbérgias-azuis, uma espécie de trepadeira, em alambrados de três metros de altura próximos às janelas de duas salas de aula. 

O resultado superou as expectativas. Com um ano, já era possível perceber a diferença, e, dois anos depois, quando as plantas cobriram totalmente os suportes, a temperatura no interior das salas ficou, em média, 5ºC menor. As medições eram realizadas durante as aulas de matemática.

Cortina verde instalada no centro educacional Ipê, no baixo Riacho Fundo II. Alunos mediram queda de 5°C no interior das salas. Medições eram feitas em aula (Foto: Arquivo pessoal)
Cortina verde instalada no centro educacional Ipê, no baixo Riacho Fundo II. Alunos mediram queda de 5°C no interior das salas. Medições eram feitas em aula (Foto: Arquivo pessoal)

A diretora observa que a educação ambiental tem desenvolvido uma consciência sustentável entre os estudantes. “É possível perceber isso pela maneira como eles cuidam da escola, como se organizam para dar continuidade aos projetos, como pensam no sentido de que, se não fizermos alguma coisa, o futuro não vai ser legal.”

A localização da escola em uma unidade de conservação é uma das motivações para incorporar projetos ecológicos no cotidiano escolar, segundo Sheila. Há 15 anos a escola entrou para o Programa Escolas Sustentáveis do governo federal. Desde então, várias iniciativas saíram do papel. 

“Deu tão certo que, a cada ano, a escola inicia um projeto ambiental diferente, com a participação de toda a comunidade escolar”, diz a diretora.

Um deles foi a implementação de uma agrofloresta, sistema que combina vegetação florestal e culturas agrícolas, conciliando conservação e produção com base em princípios agroecológicos. O adubo usado é feito a partir dos restos de alimentos da merenda escolar, processados em uma composteira e um minhocário. “Plantamos árvores e semeamos culturas como mandioca, banana, limão e laranja”, explica a diretora. A iniciativa se estendeu para o entorno, apoiando familiares dos alunos e outros pequenos agricultores a implementarem agroflorestas em suas propriedades.

Educação ambiental nos mangues de Vitória (ES)

A escola municipal de educação infantil Jacyntha Ferreira de Souza, em Vitória (ES), promove há muito anos educação ambiental para seus alunos. Situada no bairro de Goiabeiras, a unidade fica próxima ao manguezal do rio Santa Maria, cuja preservação é foco de um dos projetos desenvolvidos pela professora Fabíola Fraga.

Em 2012, Fabíola e seus alunos visitaram o local e se depararam com muito lixo e esgoto. Então, decidiram fazer algo a respeito. “Eram crianças de cinco anos, mas já com uma criticidade muito aflorada. Eu escrevi uma parte das ideias, com base no que eles falavam. Alguns quiseram escrever eles próprios, embora ainda estivessem aprendendo, e outros fizeram desenhos.” 

Elas afixaram placas com mensagens de conscientização na beira do rio e elaboraram uma carta de seis metros de comprimento, apresentada na Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável). Mas, ao fim do mesmo ano, ainda havia lixo no manguezal. 

Os estudantes quiseram enviar a carta à presidente da República na época, mas a professora propôs acionar os vereadores de Vitória. “Expliquei o que os vereadores faziam e as crianças responderam: ‘Então vamos fazer uma lei!” Após Fabíola peregrinar atrás dos políticos, em dezembro de 2013 foi aprovada na Câmara uma lei que instituía o Dia Municipal do Manguezal. Todo 26 de julho, são realizados eventos e ações pedagógicas sobre o tema. 

Professora de Vitória conduziu alunos a processo de reflexão sobre manguezal no entorno da escola, mobilizando comunidade por sua proteção (Foto: Arquivo pessoal)
Professora de Vitória conduziu alunos a processo de reflexão sobre manguezal no entorno da escola, mobilizando comunidade por sua proteção (Foto: Arquivo pessoal)

Para a professora, ao incluir a realidade do território na educação, as crianças começam a ampliar seus horizontes. “O manguezal se interliga com os rios e os mares. Em Vitória, é um ecossistema que compõe a Mata Atlântica. Se você trabalha com o manguezal, trabalha todos os ecossistemas. Isso é educação ambiental”, reflete a professora. “E quando você envolve uma comunidade escolar, está plantando uma semente. Muitos anos depois, voltei com outras crianças lá e encontrei a orla revitalizada.”

Para ela, a educação ambiental proporciona uma visão de longo prazo a partir do olhar da criança, que vai evoluindo, o que permite tratar do problema do calor em sala de aula para além do ar-condicionado. “Será que a gente resolve somente climatizando? A criança que está atuando no manguezal, que entende que aquele caranguejinho não pode ser capturado, vai entender que um cachorrinho passando na rua e morrendo de sede por causa desse calor insuportável não é algo que se possa ignorar, que é preciso que sejam feitas políticas, mas com olhar abrangente”, defende. 

Projetos de lei propõem soluções para além da climatização

A incorporação da educação ambiental no currículo nacional é um dos pontos defendidos pelo PL (Projeto de Lei) 1.022/2024 que tramita na Câmara dos Deputados e propõe a criação de um programa de enfrentamento à crise e emergência climática nas unidades de ensino públicas de todos os níveis. 

Protocolado em março de 2024 pela deputada federal Luciene Cavalcante (Psol-SP), o projeto defende ainda a readequação arquitetônica dos prédios, a cobertura de quadras poliesportivas, a arborização das áreas escolares, o abastecimento universal de água potável e o limite de 25 alunos por sala, entre outros pontos.

“Se as escolas fossem adaptadas com outra infraestrutura, talvez não se precisasse tanto de ar-condicionado, que, até de forma contraditória, demanda certo uso de energia. Precisamos trabalhar na urgência, mas a refrigeração não pode ser algo tido como ideal”, argumenta Cavalcante.

A parlamentar defende uma educação que ensine outro tipo de relação com o meio ambiente, para mudar a maneira “como consumimos e vivemos no nosso planeta.” Ela diz que seu mandato vem cobrando do MEC (Ministério da Educação) a criação de um plano emergencial de enfrentamento à crise climática nas escolas. 

Questionada, a pasta respondeu que tem trabalhado na implementação de políticas e ações “para lidar com as variações climáticas e o consequente aumento das temperaturas médias”, incluindo apoio técnico e financeiro “para reorganização curricular em contextos de emergência climática”. Veja a nota na íntegra aqui.

A incorporação das mudanças climáticas nos currículos é foco também do PL 2963/2023, da deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), e do PL 4749/2023, da deputada federal Ana Pimentel (PT-MG).

Para Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os professores têm papel fundamental nesse debate e precisam ter acesso à formação continuada sobre o tema. Por outro lado, eles devem “integrar a justiça climática em suas práticas pedagógicas”, incorporando, por exemplo, as práticas e conhecimentos dos povos tradicionais e indígenas, que possuem “relação histórica de respeito e preservação do meio ambiente.” 

“Essas comunidades são vistas como agentes essenciais na educação ambiental e na promoção de uma sociedade mais justa. O Brasil, especialmente, deve muito a esses grupos e deve valorizá-los em suas políticas públicas, inclusive educacionais”, defende. 

Professora Fabíola e seus alunos de cinco anos afixaram placas com mensagens de conscientização na beira do rio (Foto: Arquivo pessoal)
Professora Fabíola e seus alunos de cinco anos afixaram placas com mensagens de conscientização na beira do rio (Foto: Arquivo pessoal)

Ventilação natural e a ‘sauna’ das ‘escolas de lata’

A adequação estrutural das unidades de ensino diante das mudanças climáticas é um dos objetivos do promotor de Justiça Bruno Orsini Simonetti, do Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação), do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo). 

Com apoio do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), o grupo vai avaliar a construção de novas escolas e as condições das unidades já existentes no estado. 

Um dos alvos da iniciativa é substituir as “escolas de lata”. Chamadas oficialmente de “padrão Nakamura” pela Secretaria da Educação de São Paulo (Seduc-SP), essas unidades são construídas com chapas de aço, tornando-se verdadeiras “saunas” nos dias mais quentes. 

Elas foram adotadas em 1998 pelo governo Mário Covas (PSDB) e deveriam ser provisórias, mas em 2023 ainda havia 65 delas no estado, segundo informações da pasta na época. 

Naquele ano, o MP paulista recomendou ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) um plano de substituição, pois essas escolas não são acessíveis a pessoas com deficiência nem possuem espaços como bibliotecas, salas de informática, laboratório de ciências e quadras poliesportivas, além de não garantirem o conforto térmico e acústico.

MP de São Paulo quer substituir as “escolas de lata”, oficialmente chamadas de “padrão Nakamura”, que são unidades construídas com chapas de aço, como a escola estadual Jardim Maria Dirce 3 (acima), em Guarulhos (Foto: Reprodução/Google Maps)
MP de São Paulo quer substituir as “escolas de lata”, oficialmente chamadas de “padrão Nakamura”, que são unidades construídas com chapas de aço, como a escola estadual Jardim Maria Dirce 3 (acima), em Guarulhos (Foto: Reprodução/Google Maps)

Em nota à reportagem, a Seduc-SP afirmou que essas escolas passaram por reforma “para melhorar o conforto ambiental, com ênfase no conforto térmico e acústico”, seguindo orientações do IPT. A pasta disse ainda que tem realizado adequações na rede de ensino para enfrentar o calor extremo, incluindo investimentos de R$ 300 milhões em obras de climatização no ano passado. 

“Todos os prédios da rede foram construídos de acordo com as normas vigentes à época de sua construção, obedecendo a parâmetros de ventilação e conforto térmico. A construção das novas unidades escolares previstas está sendo projetada considerando a inclusão de sistemas de climatização adequados à nova realidade, diz o texto. Leia a nota na íntegra aqui

É preciso agir o quanto antes porque as mudanças climáticas estão afetando o acesso, a permanência e a aprendizagem na educação, defende a especialista em educação Sofia Lerche Vieira, professora da UECE (Universidade Estadual do Ceará).

Ela destaca alguns impactos recentes, como a seca pronunciada na Amazônia em 2024, que afetou crianças que dependem do transporte fluvial, e também as chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul. “As aulas no ensino público foram suspensas não só por causa das enchentes em si, mas também porque as unidades foram usadas como abrigo”, relembra Sofia, autora de artigo sobre o impacto das mudanças climáticas na educação.

Para ela, o Brasil deveria criar uma política nacional de mudanças climáticas e educação que norteie as ações necessárias e garanta recursos para implementá-las. 

“Nós vamos botar ar-condicionado em todas as escolas? Provavelmente não. É preciso pensar em soluções que impliquem em criar um ambiente biologicamente mais sustentável para as escolas, com iniciativas como hortas, plantio de árvores e tratamento de resíduos”, finaliza.

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