Presidente da Comissão de Energia recebeu doação de usineiro e quer isentar etanol

Deputado federal Diego Andrade (PSD-MG) recebeu R$ 200 mil em doações eleitorais do dono da Delta Sucroenergia, fabricante de etanol, e é autor de projeto de lei que prevê isenções de impostos federais a combustíveis
Por Daniel Camargos e Diego Junqueira | Edição Igor Ojeda
 20/03/2025

O DEPUTADO FEDERAL Diego Andrade (PSD-MG), eleito presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara nesta quarta-feira (19), recebeu R$ 200 mil de doação do empresário Robert Carlos Lyra, nas eleições de 2022. Lyra é presidente da Delta Sucroenergia, usina produtora de açúcar e etanol, com três unidades em Minas Gerais.

Dois meses após a doação, o deputado apresentou em novembro de 2022 o Projeto de Lei Complementar (PLP) 137 — o texto beneficia as usinas que produzem etanol ao prever a redução a zero das alíquotas de tributos federais, como a contribuição para os PIS/Pasep, Cofins e Cide.

A proposta aguarda o parecer do relator da Comissão de Minas e Energia, agora presidida por Andrade. 

O projeto prevê tornar permanentes os benefícios fiscais a combustíveis e gás natural, aprovados no último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Combustíveis menos caros ajudam no melhor funcionamento da economia, na redução no custo de transporte, na ampliação de competitividade das exportações brasileiras, sem falar na inflação menor”, escreveu o deputado na justificativa do projeto. 

A Repórter Brasil procurou o parlamentar e o questionou se há conflito de interesses em relação ao projeto apresentado e à sua atuação como presidente da Comissão de Minas e Energia. Até a publicação deste texto, ele não tinha se manifestado. 

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As alíquotas federais sobre etanol e gasolina foram retomadas parcialmente em março de 2023, o que gerou embates no plenário da Câmara entre deputados governistas e opositores.

Os R$ 200 mil doados por Lyra ao deputado correspondem à maior doação individual recebida por ele na última eleição e representam quase 10% do montante total gasto na campanha. 

O empresário de origem alagoana repassou R$ 1,8 milhão para dez candidatos e se tornou o 22º maior doador de campanha do país. O candidato derrotado para a Presidência, Jair Bolsonaro (PL), foi o maior contemplado, com R$ 300 mil. 

Além do ex-presidente e do deputado Diego Andrade, os outros oito beneficiados com os recursos do usineiro foram candidatos a deputado federal e estadual em Minas Gerais por diferentes partidos, como PP, PL, PT, PSDB, Avante e Podemos. 

O empresário Robert Carlos Lyra foi procurado, por meio da Delta Sucroenergia, mas não retornou até a publicação da reportagem. O texto será atualizado se um posicionamento for enviado.

Clã mineiro do setor de transportes

O novo presidente da Comissão de Minas e Energia entrou para a política devido ao capital familiar. Diego Andrade é sobrinho do ex-vice-governador e ex-senador de Minas Gerais Clésio Andrade. Com forte atuação no setor de transportes, Clésio presidiu a CNT (Confederação Nacional dos Transportes) por 26 anos. 

Outro tio de Diego, Oscar Andrade, foi deputado federal por Rondônia. Já o avô, Oscar Soares de Andrade, foi prefeito de Juatuba (MG).

Aos 49 anos, Diego Andrade é um político experiente no Congresso: está no quarto mandato como deputado federal. É do PSD, partido comandado em Minas Gerais pelo senador Rodrigo Pacheco e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. 

A afinidade entre Andrade e Silveira, inclusive, foi fundamental para que o partido o indicasse à Presidência da Comissão de Minas e Energia. Tradicionalmente, essa instância é comandada por parlamentares de Minas Gerais e do Pará, principais estados mineradores do Brasil.  

O MDB é o partido que mais vezes esteve à frente da comissão. Contudo, o bastão foi passado para o PSD, que já estava na Presidência com o deputado paraense Júnior Ferrari. 

A Repórter Brasil apurou que o PL tentou conquistar o colegiado e queria que seu comando fosse assumido por Joaquim Passarinho, deputado do Pará com forte atuação junto aos garimpeiros da bacia do rio Tapajós e do sul do estado. 

O partido abriu mão da Comissão de Minas e Energia ao negociar a Presidência da Comissão de Agricultura, que será comandada pelo ruralista Rodolfo Nogueira, do Mato Grosso do Sul, autointitulado “o terror do MST”. 

Em entrevista à Agência Câmara, Diego Andrade disse que uma das suas metas vai ser trabalhar pela conclusão de obras no setor energético e mineral. “A gente tem de começar as coisas e terminar”, disse. Afirmou ainda que vai defender a indústria brasileira, como a siderúrgica, diante da concorrência da China.

Os ocupantes dos demais cargos da Mesa da comissão (1ª, 2ª e 3ª Vice-Presidências) serão eleitos em outra reunião. O colegiado é formado por 48 deputados titulares e igual número de suplentes.

Etanol é negócio antigo da família Lyra

Robert Lyra (à dir.) ao lado do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, durante assinatura da Lei do Combustível do Futuro (Foto: Reprodução/LinkedIn)
Robert Lyra (à dir.) ao lado do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, durante assinatura da Lei do Combustível do Futuro (Foto: Reprodução/LinkedIn)

Robert Carlos Lyra é filho do usineiro e ex-senador Carlos Lyra e sobrinho do ex-deputado João Lyra, ambos já falecidos. O tio foi um dos principais usineiros do Brasil, e chegou a ser apontado como o parlamentar mais rico do país, em 2010, quando declarou patrimônio de R$ 240 milhões. Morreu em 2021, deixando quatro filhos, entre eles, Thereza Collor, ex-esposa do irmão do ex-presidente Fernando Collor de Mello. 

A empresa herdada por “Bob Lyra”, como Robert é conhecido, tem 4 mil empregados e gera outros 8 mil empregos indiretos. Produz por ano 12 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, convertidos em 1 milhão de toneladas de açúcar e 320 mil m3 de etanol anuais, segundo o relatório de sustentabilidade da companhia.

Entre os produtos da Delta Sucroenergia estão o etanol anidro, utilizado como aditivo à gasolina, e o etanol hidratado, destinado ao abastecimento de veículos flex e movidos a etanol.

A Delta opera como sociedade anônima de capital fechado e é uma das principais do setor agroindustrial brasileiro. A história da companhia remonta ao século 19, quando a família Lyra iniciou seus negócios no setor sucroalcooleiro em Alagoas. 

Em Minas Gerais, a Delta iniciou suas operações em 1994 e tem, hoje, três unidades produtivas. O nome atual surgiu em 2012, após uma cisão no Grupo Carlos Lyra, como parte de um planejamento sucessório familiar. Hoje, a empresa integra a holding VR4 Participações S/A.

Fornecedores da Delta foram responsabilizados por trabalho escravo na cana

Uma operação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2021, constatou diversas irregularidades trabalhistas e identificou 45 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em plantações de cana de fornecedores da usina. 

Em algumas frentes de trabalho do corte da cana, os trabalhadores não tinham instalações sanitárias adequadas nem abrigos para se protegerem do sol e da chuva durante as refeições. Também não havia mesas e cadeiras ou água suficiente para eles beberem, segundo o relatório de fiscalização

Em abril de 2022, outra fazenda fornecedora da Delta foi alvo de fiscalização, que resgatou 34 trabalhadores em condições análogas às de escravo.

“A Delta, com a mais evidente ausência de participação e ciência dos eventos narrados, não participou do processo, não havendo sua inclusão ou inscrição em lista suja”, escreveu a empresa em uma nota de rodapé na página 40 de seu relatório de sustentabilidade

Em 2018, a empresa foi alvo de ação civil pública do MPT após uma fiscalização flagrar uma criança de 13 anos e cinco adolescentes de 17 trabalhando em uma fazenda de cana-de-açúcar de uma fornecedora  da empresa no Triângulo Mineiro. Em setembro de 2024, a Delta firmou um acordo com o MPT (Ministério Público do Trabalho) em que se comprometeu a não adquirir cana-de-açúcar de fazendeiros que utilizem trabalho infantil e a fiscalizar periodicamente todos os seus fornecedores.

O acordo previu ainda o pagamento de R$ 200 mil por dano moral coletivo, a serem destinados às vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul, em 2024.

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Deputado federal Diego Andrade é do PSD de Minas Gerais, do senador Rodrigo Pacheco e do ministro de Minas e energia, Alexandre Silveira (Foto: Elio Rizzo/Câmara dos Deputados)