‘Minhas forças estão acabando’: a dura rotina na colheita do café colombiano

Com informalidade que chega a 80%, segundo a OIT, setor cafeeiro da Colômbia não garante aposentadoria aos trabalhadores ou assistência em caso de acidentes
Por Poliana Dallabrida* | Fotos Fernando Martinho | Edição Bruna Borges
 30/06/2025

DE ANTIOQUIA E HUÍLA (COLÔMBIA) – O colhedor de café Ricardo Solano Carillo, de 40 anos, revela nunca ter tido um contrato formal de trabalho ou contribuído com o sistema previdenciário de seu país. Ele trabalhava na colheita em janeiro deste ano, quando a Repórter Brasil esteve na região, e admitiu: “Minhas forças estão acabando”. Ao refletir sobre os colegas idosos ainda em atividade – uma cena comum nos cafezais colombianos –, desabafou: “Peço muito a Deus para me levar antes disso”.

“É uma informalidade absoluta”, destaca Robinzon Piñeros Lizarazo, professor de ciências sociais da Universidade SurColombiana, no estado de Huíla, e pesquisador das relações de trabalho no campo na Colômbia, país frequentemente citado entre os produtores dos melhores cafés do mundo. “Essa informalidade é determinada pela relação de contrato que fazem. É um contrato verbal”. 

Especialistas afirmam que são raros os contratos formais de trabalho para os recolectores, como são chamados os trabalhadores da colheita do café colombiano. Sem registro, também não há garantia de acesso a direitos como aposentadoria, proteção em caso de doenças e acidentes, licença maternidade e paternidade. Segundo um estudo de 2022 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a informalidade na colheita de café da Colômbia pode superar os 80%.

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A Repórter Brasil ouviu pesquisadores e entrevistou dezenas de trabalhadores e cafeicultores durante a colheita do famoso grão de café colombiano. Os detalhes desta investigação podem ser lidos no relatório: Melhor do mundo? Alojamentos precários, longas jornadas e informalidade na colheita de café da Colômbia (disponível em português, inglês e espanhol). 

Além dos trabalhadores informais, não raro também atuam na colheita os proprietários de pequenos cafezais. É o caso de Lucas Quintero Vargas, de 62 anos, dono dos seis hectares da Finca La Siberia, localizada em Palermo, no estado de Huíla. Na safra, ele colhe o grão e contrata informalmente 15 trabalhadores temporários para a colheita. 

Pela sua idade, Vargas já poderia pensar na aposentadoria. Questionado sobre o quanto ganharia, ele ri, envergonhado. “Eu nunca contribuí com nada disso. Nunca paguei aposentadoria, seguro”, afirma. “É tudo muito caro”. Se Vargas, que é um pequeno produtor, não conseguiu contribuir para a própria aposentadoria, trabalhadores informais que não possuem terra para cultivar possuem dificuldades ainda maiores.

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Grão selecionado em terreno íngreme

Na colheita manual brasileira convencional, todos os grãos de café que crescem nos galhos são arrancados de uma vez. Eles caem sob uma lona no chão e depois são recolhidos e ensacados. Na Colômbia, para colher apenas os grãos maduros, os trabalhadores precisam colher grão por grão. Isso garante a qualidade do sabor da bebida.

O trabalho para colher o famoso grão colombiano é árduo. As plantações ficam em morros empinados, onde a mecanização é impossível. Os trabalhadores precisam se agarrar nas árvores para não cair montanha abaixo. Alguns locais são tão íngremes que a queda pode ser fatal. 

Os trabalhadores também são responsáveis por carregar os sacos cheios de café que pesam, em média, 60 kg até o ponto de conferência e pesagem. 

“O trabalhador que vai colher nessas áreas sabe que vai trabalhar em um terreno inclinado, em sulcos onde se pode deslizar”, explica Lizarazo. “Então, pode haver acidentes como quedas, se machucam os pés, os braços. Além disso, ao estar em zonas mais altas, a chuva é maior. E então vem problemas pulmonares, gripes e demais [doenças]”.

Longas jornadas

Além da informalidade e da falta de acesso ao sistema de proteção social da Colômbia, os trabalhadores que atuam na colheita trabalham em longas jornadas. 

“São jornadas longas. Os trabalhadores me dizem: ‘eu me mato nesses dois meses, e com isso economizo e volto [para o lugar de origem]”, complementa Lizarazo. “Isso tudo é consequência do salário por produção”.

Assim como em outras fazendas de café no país, certificadas ou não, as jornadas de trabalho podem ultrapassar as 8 horas diárias e 48 horas semanais – limite máximo permitido na Colômbia quando este relatório é publicado. A partir de julho de 2025, a jornada semanal máxima no país será de 42 horas semanais

Em geral, os trabalhadores começam a colher o grão às 6h30 e param às 16h, quando o sol começa a baixar, mas eles ficam nos cafezais até que seus sacos de café sejam pesados e seus ganhos contabilizados, relataram os trabalhadores. “Em teoria, deveria ser aplicado [o limite máximo de jornada], mas na realidade isso não acontece”, explica Fabio González, diretor do Ministério do Trabalho no estado de Antioquia. 

Essa dinâmica de longas jornadas também pode ocorrer com cafeicultores que atuam na colheita. Vargas, dono da Finca La Sibéria, afirma chegar a trabalhar até 19 horas por dia no período mais intenso de colheita, com pausas apenas para rápidas refeições. “Há dias em que eu me levanto às 4h, 4h30 da manhã e trabalho até às 22h, 23h da noite”, explica. 

Os trabalhadores ouvidos pela reportagem afirmaram que recebem seus pagamentos de acordo com a quantidade de grão colhido. As longas jornadas ocorrem para tentar aumentar os rendimentos durante a safra. Na Colômbia, o salário mínimo nacional é de 1,4 milhões de pesos (R$ 1,8 mil), mas ganhos acima desse valor não são garantidos aos recolectores de café. Pode ser grande a variação dos rendimentos dos trabalhadores do campo, pois eles podem colher menos café se há, por exemplo, dias seguidos de chuva ou se adoecem.

*A investigação da Repórter Brasil foi acompanhada por integrantes da Voces por El Trabajo, organização que realiza pesquisas sobre condições de trabalho em diversos setores da economia colombiana, e apoiada pela Coffee Watch.

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Trabalhadores carregando café colhido na fazenda La Arboleda, Colômbia. Cada saca do grão pesa, em média, 60 kg (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
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