Cantor Leonardo sai da Lista Suja do trabalho escravo após acordo com MPT

Segundo o acordo, Leonardo pagará R$ 500 mil em indenização por danos morais coletivos e se compromete a contratar todos os seus trabalhadores de forma direta e com vínculo formal, entre outras medidas; compromisso firmado com o MPT não teve a participação do Ministério do Trabalho e Emprego ou da Advocacia-Geral da União
Por Igor Ojeda
 28/07/2025

O CANTOR SERTANEJO LEONARDO teve seu nome excluído da Lista Suja do trabalho escravo neste mês de julho após firmar um acordo com o MPT (Ministério Público do Trabalho) em Goiás. O compromisso foi assinado pelo músico e pelo procurador Tiago Cabral, da Procuradoria do Trabalho de Luziânia (GO).  

Em 1º de julho, o acordo foi homologado pela Vara do Trabalho de São Luís de Montes Belos (GO), que, alguns dias depois, solicitou a retirada por meio de ofício enviado ao MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). 

Leonardo, cujo nome de registro é Emival Eterno da Costa, havia sido incluído no cadastro em 7 de outubro de 2024, ao ser responsabilizado por submeter seis pessoas a condições análogas às de escravos, incluindo um adolescente de 17 anos. A fiscalização aconteceu em novembro de 2023 nas fazendas Talismã e Lakanka, no município de Jussara, interior de Goiás. 

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Os trabalhadores dormiam em uma casa abandonada, onde não havia água potável, banheiro e camas – o espaço para deitar era improvisado com tábuas de madeira e galões de agrotóxicos. O local também tinha sido tomado por insetos e morcegos, e exalava um “odor forte e fétido”, segundo o relatório de fiscalização.

Os empregados acordavam antes das 6h da manhã e às 7h já estavam arrancando pedras, raízes e tocos de árvores sem qualquer equipamento de proteção. As refeições eram feitas sob uma árvore e a água era armazenada em quatro garrafas térmicas. 

Leonardo pagará R$ 500 mil por danos morais coletivos

Segundo os termos do acordo com o MPT, incluídos no pedido de homologação judicial, ao qual a Repórter Brasil teve acesso, Leonardo pagará R$ 500 mil em indenização por danos morais coletivos e se compromete a não repetir condutas que configurem o crime de submissão de pessoas a condições análogas à escravidão.

O cantor sertanejo deve, ainda, contratar todos os seus trabalhadores de forma direta e com vínculo formal; implementar e manter programa interno de integridade trabalhista; promover capacitação de seus gestores sobre direitos trabalhistas; apresentar, no prazo de 120 dias, relatório técnico de auditoria independente sobre as condições de trabalho, saúde e segurança de seus trabalhadores; e cumprir norma trabalhistas relacionadas a segurança e saúde no trabalho rural.

Criada em 2003, a Lista Suja, mantida pelo MTE e atualizada semestralmente, torna públicos os dados de pessoas físicas e jurídicas responsabilizadas administrativamente pelo crime de submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo, após operações de resgate conduzidas pelo governo federal. Antes da eventual responsabilização, o empregador exerce o direito de defesa em duas instâncias e, caso seja incluído na lista, permanece nela por dois anos.

Imagem do banheiro encontrado dentro da propriedade do cantor sertanejo Leonardo. Empregados não conseguiam utilizá-lo, pois estava sem água e tomado por fezes de morcegos (Foto: Reprodução/MTE)
Empregados da propriedade do cantor sertanejo Leonardo não conseguiam utilizar o banheiro, pois estava sem água e tomado por fezes de morcegos (Foto: Reprodução/MTE)

Em julho de 2024, uma portaria interministerial determinou que pessoas ou empresas incluídas na Lista Suja podem ser retiradas do cadastro e passar a constar no CEAC (Cadastro de Empregadores em Ajuste de Conduta), uma espécie de lista de observação. 

Para isso, é preciso que firmem TACs (termos de ajustamento de conduta) ou acordos judiciais com a União comprometendo-se a cumprir uma série de obrigações e a pagar compensações aos trabalhadores. Atualizada em setembro de 2024, a portaria 18/2024 é assinada pelo MTE, pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e pelo Ministério da Igualdade Racial. 

O empregador deve solicitar o TAC ou acordo judicial ao MTE ou à AGU (Advocacia-Geral da União). O compromisso firmado entre Leonardo e MPT não contou com a participação desses dois entes, e o nome do cantor não foi incluído na lista de observação.

Procurados, tanto o MPT quanto o procurador do Trabalho Tiago Cabral responderam que não se pronunciariam sobre o caso, uma vez que ele está sob segredo de Justiça. A Repórter Brasil também entrou em contato com a assessora e com o advogado de Leonardo, mas não obteve retorno.

MPT argumenta que cumprimento de TAC torna ilegítima a manutenção na Lista Suja

No pedido de homologação judicial, feito em junho deste ano, o MPT afirma ter arquivado o inquérito civil aberto na ocasião do resgate após atestar “o cumprimento integral” do TAC firmado logo depois entre o órgão, a Defensoria Pública da União e Leonardo. Ele teria pago verbas rescisórias, promovido a formalização e retorno de funcionários a seus locais de origem e realizado melhorias em conformidade com normas que regulam condições de trabalho. 

Segundo o pedido, o MPT vê como ilegítima a “manutenção de sanções administrativas sobre fatos já resolvidos em instrumento celebrado com o Ministério Público do Trabalho”, e argumenta que “o prosseguimento de sanções autônomas em tais hipóteses viola os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da função institucional do MPT”. 

Para o MPT, uma vez que um TAC entre o órgão e o empregador é celebrado e cumprido, o nome do autuado deveria ser excluído da Lista Suja do trabalho escravo (Foto: Divulgação)
Para o MPT, uma vez que um TAC entre o órgão e o empregador é celebrado e cumprido, o nome do autuado deveria ser excluído da Lista Suja do trabalho escravo (Foto: Divulgação)

Ou seja, na visão do Ministério Público do Trabalho, uma vez que um TAC entre o órgão e o empregador é celebrado e cumprido, o nome do autuado deveria ser excluído da Lista Suja do trabalho escravo, de forma que não haja mais sanções. O MPT diz, ainda, haver jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho no mesmo sentido. 

Ainda de acordo com a solicitação de homologação judicial, o MPT faz a ressalva de que a exclusão do nome de Leonardo da Lista Suja não implica o reconhecimento de que o cantor não tenha cometido o crime, mas sim de que “houve regular reparação das consequências jurídicas, sociais e trabalhistas da infração apurada, nos termos pactuados e sob controle ministerial e judicial”. 

A Repórter Brasil procurou o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de sua assessoria de imprensa, para comentar o acordo, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Portaria interministerial de 2024 gerou embate entre MPT e MTE

A exclusão do nome de Leonardo da Lista Suja acontece em meio a um embate entre MPT e MTE em razão da portaria interministerial que criou o Cadastro de Empregadores em Ajuste de Conduta. O Ministério Público do Trabalho é contrário à medida.

MTE e MPT são parceiros no combate ao trabalho escravo há mais de 30 anos, sendo base do grupo especial de fiscalização móvel – responsável pela verificação de denúncias e resgates de pessoas.

Reportagem da Repórter Brasil do último 14 de julho mostrou que, em junho deste ano, o MPT entrou com uma ação civil pública pedindo a anulação de um acordo firmado entre o MTE e a Agropecuária Rio Arataú, do grupo Queiroz Galvão, que suspendeu a empresa da Lista Suja e a incluiu na lista de observação. Ela havia entrado no primeiro cadastro em abril de 2024 por causa da submissão de cinco trabalhadores a condições análogas à escravidão na Fazenda Arataú, em Novo Repartimento (PA), em dezembro de 2021.

Segundo a ação, acessada pela reportagem, o TAC assinado entre empresa e MTE, em maio, é inconstitucional, ilegal e viola e direitos coletivos da sociedade. Questionada, a pasta afirmou que “foi oportunizado ao Ministério Público do Trabalho se manifestar desde o início das tratativas” com a Agropecuária Rio Arataú.

Cinco trabalhadores foram resgatados, em 2021, na Fazenda Arataú em Novo Repartimento (PA). A água consumida pelos empregados era captada em uma grota nos arredores do alojamento e apresentava coloração turva, odor fétido e material suspenso (Foto: Reprodução/Ministério do Trabalho e Emprego)
Cinco trabalhadores foram resgatados, em 2021, na Fazenda Arataú em Novo Repartimento (PA). A água consumida pelos empregados era captada em uma grota nos arredores do alojamento e apresentava coloração
turva, odor fétido e material suspenso (Foto: Reprodução/Ministério do Trabalho e Emprego)

Ainda de acordo com a matéria de 14 de julho, o governo Lula defende que a portaria interministerial responde a objetivos discutidos e alinhados anteriormente à sua publicação com outras organizações, como o de dar acesso à sociedade aos dados existentes sobre o trabalho análogo ao de escravo e “estimular uma consistente assunção de compromissos” e uma “mudança efetiva de conduta do empregador responsabilizado pelo ilícito”.

O MPT argumenta que o TAC firmado com o MTE se sobrepôs ao outro acordo, mediado com a empresa pelos procuradores do trabalho após o flagrante por trabalho escravo. Segundo a ação, a celebração do segundo acordo “além de ilegítima, representa indevida interferência do Poder Executivo na seara de atuação constitucionalmente reservada ao Ministério Público do Trabalho”.  

Para o MTE, o compromisso firmado com a empresa “não interfere em absolutamente nenhum aspecto na validade ou exigibilidade, inclusive perante o Poder Judiciário, de qualquer das cláusulas do TAC anteriormente firmado perante o MPT”. Ou seja, os dois compromissos podem, segundo a pasta, coexistir.

(Texto atualizado na segunda-feira (28) às 11h40 para incluir a resposta do procurador do trabalho Tiago Cabral)

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Incluído na Lista Suja em outubro de 2024, nome do cantor Leonardo foi excluído da relação após acordo com o MPT (Foto: Redes sociais/Reprodução)
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