Contra decisão de ministro sobre JBS, fiscais do Trabalho deixam cargos

Renúncia coletiva é protesto contra medida do ministro Luiz Marinho de puxar para si próprio decisão final sobre a entrada da JBS Aves na Lista Suja do trabalho escravo
Por Carlos Juliano Barros
 25/09/2025

AO MENOS nove auditores fiscais do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) deixaram cargos de coordenação regional de combate ao trabalho escravo em todo o país, nesta quinta-feira (25). O anúncio foi feito durante reunião da Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo), espaço que reúne autoridades públicas e entidades da sociedade civil.  

A renúncia coletiva é um protesto contra a medida do titular da pasta, Luiz Marinho, de puxar para si próprio a decisão final sobre a entrada da JBS Aves, empresa da maior processadora de proteína animal do mundo, na chamada Lista Suja do trabalho escravo. O cadastro oficial do governo federal torna públicos os dados de empregadores responsabilizados por auditores fiscais do MTE por essa prática.

A falta de um coordenador regional não inviabiliza, mas prejudica e atrasa o planejamento de operações de resgate de trabalhadores e a articulação com outros órgãos públicos envolvidos nessas ações, como PF (Polícia Federal) e MPT (Ministério Público do Trabalho). Existem 22 regionais no Brasil.

Em nota, a assessoria de imprensa do MTE afirmou que ainda não recebeu os pedidos oficiais de entrega dos cargos. O posicionamento diz que o ministro “exerceu sua prerrogativa legal”. Segundo o texto, “a JBS alega que não foram considerados os recursos apresentados e aponta inconsistências no auto de infração”. Diante disso, o ministro “encaminhou o processo à Consultoria Jurídica do Ministério, responsável por avaliar juridicamente as alegações”. 

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Medida de Marinho foi alvo de críticas por risco de ‘politização’ de decisão técnica

No dia 18 de setembro, o ministro Luiz Marinho “avocou” (chamou) para si próprio a competência de decidir sobre uma autuação à JBS Aves por condições análogas às de escravo em granjas fornecedoras da empresa — a fiscalização ocorreu em abril deste ano, no Rio Grande do Sul

Pessoas físicas e jurídicas autuadas pelos servidores da pasta podem se defender em duas instâncias administrativas, antes de terem seus nomes incluídos na Lista Suja. A decisão do ministro, no entanto, barra a entrada da companhia no cadastro até que Marinho emita um parecer final. A medida foi alvo de críticas de autoridades e entidades dedicadas ao combate ao trabalho escravo.

“Estamos diante de um precedente extremamente perigoso: empresas com grande porte econômico podem ter seus casos de trabalho escravo retirados da esfera técnica e transferidos para negociação política. Isso institucionaliza a impunidade seletiva e corrói toda a credibilidade do sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil”, afirmou em entrevista à Repórter Brasil na semana passada Luciano Aragão, procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho). O MPT é um órgão independente, sem subordinação ao governo federal.

Na reunião nesta quinta-feira (25) da Conatrae, Luciano Aragão afirmou que pretende judicializar a questão. 

Desde novembro de 2003, quando a Lista Suja foi criada, uma “avocação” por um ministro do Trabalho nunca havia acontecido. O período inclui os dois primeiros governos de Lula e as duas gestões de Dilma Rousseff, além das presidências de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

O artigo 648 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) permite que o titular do Ministério do Trabalho tenha a palavra final sobre o assunto, mas isso bate de frente com tratados internacionais que o Brasil já ratificou, segundo Luciano Aragão.

“A avocação pelo ministro do Trabalho do processo administrativo contra a JBS por trabalho escravo representa grave violação à Convenção 81 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que garante a independência técnica da fiscalização trabalhista”, afirmou o procurador do MPT.

Em nota, o MTE sustenta que “a avocação é um instrumento previsto em lei, não possui caráter inédito ou exclusivo e tampouco se fundamenta no porte da empresa”. Ainda de acordo com o posicionamento, “trata-se da análise, pela autoridade competente, de atos administrativos sob sua responsabilidade, com a prerrogativa legal de revê-los”.

JBS foi autuada por trabalho escravo na produção de frangos no RS

A JBS Aves foi responsabilizada por submeter dez pessoas a condições análogas à escravidão, no Rio Grande do Sul, em abril deste ano. Segundo os auditores fiscais do Ministério do Trabalho, os resgatados atuavam na coleta de frangos em granjas fornecedoras da empresa e tinham jornadas de até 16 horas diárias.

A operação também identificou trabalho forçado e condições degradantes, elementos caracterizadores do crime, segundo o artigo 149 do Código Penal. Os auditores fiscais apontaram que as despesas de transporte e alimentação do grupo, desde seus municípios de origem até o local de trabalho, eram ilegalmente abatidas da remuneração, o que configuraria servidão por dívida.

Originalmente, os trabalhadores foram contratados por uma terceirizada, a MRJ Prestadora de Serviços. No entanto, a Inspeção do Trabalho classificou a unidade da JBS Aves de Passo Fundo (RS) como a principal responsável pelas infrações. Segundo os auditores fiscais, a JBS Aves seria a responsável por estabelecer locais e horários da apanha do frango nas granjas fornecedoras.

Trabalhador da MRJ em granja: caso em empresa terceirizada levou JBS Aves a ser autuada por trabalho escravo (Foto: MTE)
Trabalhador da MRJ em granja: caso em empresa terceirizada levou JBS Aves a ser autuada por trabalho escravo (Foto: MTE)

Questionada especificamente sobre a possibilidade de avocação por parte do ministro Luiz Marinho, a JBS não se manifestou. A nota emitida pela assessoria de imprensa afirmou que a Seara (marca do grupo empresarial) “suspendeu imediatamente o prestador de serviços em Passo Fundo, encerrou o contrato e bloqueou esta empresa assim que tomou conhecimento das denúncias”. O posicionamento informa ainda que “a companhia tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”.

“Todos os fornecedores estão submetidos aos nossos Código de Conduta de Parceiros e à nossa Política Global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia”, acrescentou a nota.

Nota da redação: o texto foi atualizado às 16h55 para acrescentar o posicionamento oficial do Ministério do Trabalho e Emprego

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