A DGD (Diamond Green Diesel), líder norte-americana na produção de diesel feito a partir de fontes renováveis, importa sebo bovino de um fornecedor abastecido por indústrias de abate brasileiras, que compraram de fazendas autuadas por desmatamento ilegal.
A Repórter Brasil acessou, com exclusividade, documentos sobre a rede de fornecedores da DGD, e identificou casos com conexões com frigoríficos que compraram animais de pecuaristas multados por práticas associadas ao desmate ilegal de grandes áreas (mais detalhes abaixo).
Os casos acendem o alerta para os impactos climáticos nocivos dos combustíveis alternativos, a depender da matéria-prima utilizada. Apesar da imagem de combustível “verde” dos biocombustíveis, o uso de insumos da pecuária em sua fabricação pode agravar o desmatamento mesmo se houver controles rigorosos, avalia Tim Searchinger, pesquisador sênior da Universidade de Princeton. “A razão pela qual a terra está sendo desmatada é para atender à crescente demanda por alimentos e biocombustíveis”, alerta.
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O desmatamento é responsável por cerca de 13% das emissões globais de gases do efeito estufa, de acordo com estimativas das Nações Unidas. No Brasil, ele é a atividade que mais contribui para o problema.
Em seu site, a DGD afirma que o combustível produzido em seu parque industrial reduz emissões de gases do efeito estufa em até 80% na comparação com o diesel de origem fóssil, mas não menciona medidas para evitar a compra de sebo oriundo de pastagens associadas ao desmatamento. A empresa não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.
Além de abastecer carros e caminhões, a fábrica da DGD no Texas produz SAF – sigla em inglês para “combustível de aviação sustentável” -, um produto alternativo ao querosene de avião criado justamente para reduzir a pegada climática do setor aéreo. A Avfuel Corporation, uma das principais fornecedoras independentes de combustível de avião nos Estados Unidos, recebeu a primeira entrega de SAF produzido pela DGD em dezembro de 2024.
Da derrubada da floresta à produção do biocombustível
De acordo com documentos alfandegários acessados pela Repórter Brasil, a DGD compra regularmente sebo bovino do grupo Fasa, uma empresa brasileira especializada no processamento de subprodutos da indústria do abate. DGB e Fasa pertencem a um mesmo grupo econômico, já que a companhia brasileira foi comprada em 2022 pela multinacional texana Darling Ingredients, uma das donas da DGD por meio de uma joint venture com a Valero Energy. Igualmente sediada no Texas, a Valero Energy é uma das maiores fabricantes de combustíveis dos Estados Unidos.
O grupo Fasa possui subsidiárias na Amazônia – chamadas Araguaia e Rio Verde – que obtêm sebo de diversos matadouros da região. O histórico de fornecedores, de acordo com documentos oficiais obtidos pela reportagem, inclui o Frialto, frigorífico do Mato Grosso identificado por meio de GTAs (guias de transporte animal) adquirindo gado de um pecuarista preso pela Polícia Federal brasileira em 2023. Ele foi acusado pelo Ministério Público Federal de derrubar uma área de floresta equivalente a cerca de 12 mil campos de futebol americano e é apontado pelo órgão como o maior desmatador amazônico já investigado.

Um mês após a sua prisão, a Repórter Brasil revelou que o Frialto adquiria animais do pecuarista e de membros de sua família. Agora, a reportagem obteve um ofício do governo do Mato Grosso, de outubro de 2023, relacionado à renovação de uma licença de operação do frigorífico, onde uma subsidiária do grupo Fasa é mencionada como o destino de resíduos gerados pelo Frialto. Esta mesma unidade do grupo, segundo documentos alfandegários acessados, encaminhou sebo bovino diversas vezes à DGD entre 2023 e 2024.
À época da prisão, o grupo Frialto informou ter bloqueado relações comerciais com propriedades ligadas ao pecuarista preso. A Repórter Brasil procurou o frigorífico novamente agora para questioná-lo sobre seus negócios com o grupo Fasa e eventuais medidas adotadas para prevenir a aquisição de animais oriundos de áreas desmatadas ilegalmente, mas não obteve resposta às perguntas enviadas.
Também procurados, o grupo Fasa, a Darling Ingredients e a Valero Energy, assim como a DGD, não responderam aos pedidos de esclarecimentos.
Outro caso de desmatamento ilegal associado à rede de negócios da DGD remete ao frigorífico LKJ. Documentos estaduais de trânsito de bovinos acessados pela reportagem mostram que, em julho de 2023, o LKJ adquiriu gado de uma propriedade rural no Cerrado, a Fazenda Apucarana, que teve 381 hectares embargados – ou seja, interditados para a criação de gado – após autoridades ambientais constatarem desmatamento ilegal no local. O Cerrado é outra vegetação nativa brasileira cujo alto ritmo de devastação contribui para a emissão de gases do efeito estufa.
Uma subsidiária do grupo Fasa no estado do Pará recebeu regularmente, entre 2022 e 2023, resíduos fornecidos pelo frigorífico LKJ, conforme revelam documentos corporativos obtidos pela Repórter Brasil sobre o trajeto de caminhões que transportam matérias-primas para a empresa. A subsidiária em questão também forneceu sebo bovino à DGD entre 2023 e 2024, de acordo com documentos alfandegários acessados.
Procurado, o LKJ atribuiu a compra de gado da Fazenda Apucarana a uma falha nos seus procedimentos internos, já que seria uma política do frigorífico não adquirir animais de fazendas com áreas embargadas (veja a resposta completa aqui). A empresa afirmou que, desde então, tanto ela quanto outra fazenda do mesmo fornecedor foram bloqueadas para futuras compras. A empresa não comentou o relacionamento comercial com o grupo Fasa.
O LKJ, assim como outras indústrias de abate, é signatário de um acordo com MPF (Ministério Público Federal do Brasil) prevendo a adoção de uma série de critérios anti-desmatamento em políticas de compra na Amazônia. Em maio deste ano, o MPF divulgou os resultados de uma auditoria focada nos abates da empresa, e eles mostraram que aproximadamente 2,7 mil animais abatidos pelo LKJ em 2022 – o equivalente a 8% da amostra auditada – não atendiam aos critérios do acordo. Foi o pior resultado entre os seis frigoríficos auditados do Tocantins, estado onde está localizado o LKJ.
Em 2023 e 2024, além de adquirir sebo bovino do grupo Fasa, a DGB também realizou importações da matéria-prima vendidas diretamente pela Minerva, a segunda maior indústria de abate de gado do Brasil, conforme mostram registros alfandegários.
No ano passado, um estudo da organização Mighty Earth apontou a empresa como uma das clientes abastecidas pelo desmatador do Pantanal brasileiro com a maior multa aplicada pela Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso, responsabilizado pela Polícia Civil do estado pela destruição de 81,2 mil hectares de vegetação nativa – uma área maior do que a da ilha de Manhattan – através da pulverização aérea de agrotóxicos com componentes químicos também presentes no “agente laranja”. Na época da publicação, que utilizou dados apurados pela Repórter Brasil, a empresa informou ter bloqueado o fazendeiro para negociações futuras.
A unidade da Minerva em Araguaína (TO) é uma das mencionadas em documentos alfandegários exportando sebo bovino à DGD. Um relatório publicado pela Repórter Brasil em 2021 mostrou que ela recebeu animais de um pecuarista multado por desmatar ilegalmente 80 hectares de floresta amazônica. Outra investigação, publicada no mesmo ano, revelou que a rede de fornecedores indiretos da unidade incluía uma fazenda onde o governo brasileiro resgatou trabalhadores em condição análoga à de escravos.
A Minerva foi procurada para falar sobre suas políticas de compra de gado e seu relacionamento comercial com a DGD. A empresa respondeu apenas que seu monitoramento ambiental não identificou passivos ambientais ou comercialização irregular em fornecimentos diretos.
Brasil vende cada vez mais sebo para EUA
Em 2022, o Brasil vendeu 63 mil toneladas de sebo ao país americano, no ano seguinte foram 202 mil toneladas e apenas nos cinco primeiros meses de 2025, o Brasil já exportou 111 mil toneladas, segundo dados compilados pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil).
O aumento coincide com a aquisição do grupo Fasa pela Darling Ingredients. Os Estados Unidos foram, no ano passado, o destino de 90% de toda a exportação de sebo do Brasil.
O sebo bovino é obtido a partir de resíduos de tecidos do boi e possui custo de produção relativamente baixo, já que é extraído a partir de partes menos nobres do animal, como a carcaça. Seu uso é considerado uma “reciclagem animal” e é comumente apontado como solução para destinação de restos dos animais após o abate do gado.
Por ser considerado um resíduo, o sebo não está sujeito às mesmas exigências de rastreabilidade aplicadas à carne bovina. Porém, para Searchinger, ele é uma mercadoria valiosa para a indústria alimentícia – é, por exemplo, bastante usado na indústria de rações. Quando é desviado para a produção de combustíveis, avalia o pesquisador, aumenta a demanda por óleos vegetais e outras gorduras para substituí-lo. “Isso, por sua vez, aumenta a pressão sobre a terra”, diz ele.
Searchinger afirma que o crescimento dos biocombustíveis só é viável por causa de subsídios públicos. Ele defende que, em vez de incentivar o setor, países ricos financiem a preservação ambiental em nações do Sul Global.
“Uma taxa de 100 dólares por tonelada de CO₂ nas passagens aéreas geraria um fundo de 100 bilhões de dólares por ano. Esse dinheiro poderia ser usado para pagar países como o Brasil para conservar suas florestas e aumentar a produtividade agropecuária em áreas já abertas”, opina Searchinger.
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