Zema nomeia ex-promotor advogado de mineradoras para chefiar órgão ambiental em MG 

Aposentado do Ministério Público de Minas Gerais, Edson de Resende abriu escritório de advocacia e atuou para três mineradoras. Após PF revelar esquema de corrupção, promotor é o novo nomeado de Zema para a chefia da Feam, órgão ambiental que fiscaliza atividades minerárias
Por Daniel Camargos | Edição Carlos Juliano Barros
 15/10/2025

MENOS de um mês após a Operação Rejeito da PF (Polícia Federal) revelar um esquema de corrupção no licenciamento ambiental de mineradoras em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) nomeou Edson de Resende, promotor aposentado e dono de um escritório de advocacia com três empresas do setor de mineração como clientes, para presidir a Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente). O órgão é responsável por autorizar e fiscalizar barragens e atividades minerárias no estado.

Depois de se aposentar da carreira de promotor do MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) no ano passado, Resende fundou um escritório que leva seu nome, especializado em direito ambiental, eleitoral e gestão pública. Em seu site, a banca de advogados afirma atuar na mediação de conflitos e “soluções negociadas” com órgãos ambientais, MP e Judiciário.

Resende já foi contratado por três mineradoras. Uma delas é a Itaminas — a empresa o procurou em setembro para acompanhar uma reunião com promotores do MP sobre a Mina da Jangada, em Brumadinho (MG), no mesmo complexo minerário onde ocorreu o rompimento da barragem da Vale que deixou 272 vítimas, em janeiro de 2019. O empreendimento foi arrendado pela Vale à Itaminas. 

Um inquérito em curso no MP analisa a legalidade da retomada das operações da Mina da Jangada, paralisadas desde o desastre. Moradores de comunidades locais temem que uma eventual exploração comprometa o abastecimento de água da região.

Brumadinho, MG, 16-12-2023 - Cinco anos do rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho. Na foto: Mina Córrego do Feijão, local onde aconteceu o rompimento da barragem. ( Foto : Flavio Tavares/Repórter Brasil )
Mina Córrego do Feijão, local onde aconteceu o rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019, com 272 mortos (Foto: Flavio Tavares/Repórter Brasil)

Promotor aposentado diz que foi contratado apenas para “acompanhar reunião” no MPMG

Em entrevista à Repórter Brasil, Resende nega ter advogado para a Itaminas. O promotor aposentado afirma que foi contratado apenas para acompanhar a diretoria da empresa na reunião com os promotores, em 24 de setembro, e que o acesso ao inquérito teria sido concedido durante o encontro. 

“Me contrataram tendo em vista que eu fui promotor por 32 anos e queriam que eu acompanhasse a reunião. Durante a conversa, o inquérito foi mencionado e foi dado o acesso. Nem li o inquérito e ficou nisso”, afirmou. Questionado se prestou consultoria, respondeu: “Foi só um acompanhamento de uma reunião. Não fiz documento nenhum”.

Resende diz não ver conflito de interesse entre a atuação como advogado e a nomeação para a presidência da Feam. “Conflito haveria se eu estivesse fazendo as duas coisas e tivesse a Itaminas ou qualquer outra empresa como cliente. A minha vida em defesa do meio ambiente é de 32 anos de atuação no Ministério Público, muito maior que o período de pouco mais de um ano que advoguei no escritório”, afirma.

O novo indicado por Zema relata ainda que, além da Itaminas, já atuou para duas outras mineradoras, cujos nomes preferiu não revelar, alegando sigilo contratual. “Fiz um propósito comigo mesmo de não atuar em nada que conflitasse com o Ministério Público. Alguma coisa que fiz de mineração foi na perspectiva de solução consensual”, diz. 

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Para assumir a chefia da Feam, Resende afirma que dará baixa em seu registro na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e se desligará do escritório — segundo ele, a banca continuará sob a responsabilidade de suas duas filhas, também advogadas.

Em nota enviada à reportagem, a Semad (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), pasta a que a Feam está subordinada, afirma que a nomeação de Edson Resende levou em conta sua trajetória de mais de três décadas no Ministério Público e seu “sólido conhecimento técnico-jurídico”.

O posicionamento informa ainda que Resende exerceu consultoria jurídica “por período limitado” e, nessa condição, “acompanhou a diretoria da Itaminas em visita institucional ao Ministério Público, sem ter atuado como representante formal da empresa, seja em inquérito civil ou em processo decisório correlato”.

O ex-presidente da Feam, Rodrigo Franco, é um dos presos pela Operação Rejeito da PF, por suspeita de envolvimento no esquema de fraudes em licenciamento ambiental de mineradoras.

Segundo a PF, o grupo investigado atuava para favorecer empreendimentos por meio de pagamento de vantagens indevidas a servidores de órgãos públicos, entre eles a própria Feam, a ANM (Agência Nacional de Mineração) e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). 

Ao todo, foram decretadas 22 prisões preventivas. A operação também resultou no cumprimento de 79 mandados de busca e apreensão e no bloqueio de R$ 1,5 bilhão em bens.

O que dizem Itaminas, Vale e MPMG

Em nota, a Itaminas afirma que Resende foi “convidado, de forma pontual, para acompanhar os diretores da empresa em reunião de apresentação, relacionada ao tema da Mina da Jangada”.

O texto sustenta que a participação foi em fase preliminar, sem contrato formal assinado, e “não envolveu outorga de poderes ou representação jurídica da empresa perante o Ministério Público ou qualquer órgão público”. Segundo a empresa, não há relação contratual com Resende.

Fundada em 1959, a Itaminas teve a venda negociada por Bernardo Paz (fundador do Inhotim) a um grupo de três compradores, entre eles o banqueiro Daniel Vorcaro, dono do Banco Master. Vorcaro deixou a sociedade, e os atuais representantes são Rodrigo Gontijo, do grupo AVG Mineração, e Argeu Geo.

A Vale informa, em nota, que assumiu a responsabilidade pela gestão das barragens de contenção arrendadas pela Itaminas, conforme a portaria 155 da Agência Nacional de Mineração (ANM), que estabelece responsabilidade solidária entre as partes. “A Vale não comenta procedimentos em curso e reitera o cumprimento da legislação vigente”, diz o posicionamento.

O Ministério Público de Minas Gerais sustenta que as escolhas profissionais de seus membros após a aposentadoria são de caráter pessoal e que promotores aposentados não têm benefícios institucionais.

“A atuação dos membros do MPMG em processos ou inquéritos é pautada pela independência funcional, pela ética e pelo estrito cumprimento da lei, independentemente de a parte envolvida ser pessoa pública ou ex-integrante da instituição”, afirma o MPMG em nota.

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Mina da Jangada é foco de disputa por água

Situada no distrito de Casa Branca, em Brumadinho, a Mina da Jangada é foco de disputa entre moradores e mineradoras. O empreendimento existe desde 1974 e foi controlado pela Vale até ser arrendado à Itaminas.

Em 2016, a comunidade apresentou denúncia ao Ministério Público sobre irregularidades no licenciamento da mina, que deu origem ao inquérito civil ainda em curso. Os moradores relatam que a cava e as pilhas de rejeito ficam a menos de dois quilômetros das nascentes que abastecem a comunidade. A água é captada e distribuída por um sistema comunitário gerido pelos próprios moradores.

Dezenas de associações comunitárias e ONGs — entre elas o Movimento Águas e Serras de Casa Branca, o Instituto Cordilheira, a Associação Comunitária da Jangada e a Associação Comunitária Regional de Casa Branca — afirmam que a retomada das operações, sem estudos atualizados, ameaça o abastecimento de água. Por essa razão, pedem uma avaliação ambiental independente.

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