DE BELÉM — As multinacionais Bayer e Nestlé são alvo de um protesto organizado por ambientalistas na manhã desta quinta-feira (20) na Agrizone, espaço dedicado ao agronegócio na COP30. O ato denuncia a contaminação por agrotóxicos no Cerrado brasileiro.
Gigantes da alimentação e dos agrotóxicos — como Bayer, Nestlé e PepsiCo — vêm usando a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) para promover mensagens sobre saúde e sustentabilidade.
“Precisamos tornar os alimentos mais acessíveis para todos”, afirmou Suelma Rosa, vice-presidente da PepsiCo para América Latina, durante um painel no sábado (15). Quatro dias antes, um representante da Nestlé seguiu raciocínio parecido em outro debate.
A retórica das empresas é criticada por organizações da sociedade civil. “A principal motivação por trás desses discursos não é a sustentabilidade ou a saúde, mas sim a sobrevivência corporativa e a obrigação financeira”, contesta Paula Johns, diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde. Em sua avaliação, essas corporações “não vendem comida de verdade”.
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Em um relatório sobre suas atividades em 2024, a Nestlé suíça afirma ter fornecido 132 bilhões de porções de alimentos fortificados com micronutrientes acessíveis, como cereais infantis “Apoiar recém-nascidos e bebês é crucial para estabelecer as bases para um crescimento e desenvolvimento saudáveis”, diz a publicação.
O documento explica também que alimentos ricos em nutrientes durante a primeira infância são vitais.“Estômagos pequenos têm dificuldade para acomodar grandes volumes de alimentos; portanto, cereais infantis fortificados e fórmulas lácteas desempenham um papel fundamental no fornecimento de nutrientes essenciais, como o ferro”, continua o relatório.
Voltados a crianças, produtos como Mucilon têm como segundo ingrediente principal, depois da farinha, o açúcar. Além disso, são altamente industrializados, especialmente para crianças a partir de seis meses.
As características desses produtos estão em desacordo com as orientações do Guia Alimentar para População Brasileira, do Ministério da Saúde, que preconiza alimentos in natura ou minimamente processados para bebês.
Estudos científicos associam o consumo de ultraprocessados — como bolachas recheadas, salgadinhos de pacote e sucos de caixinha — a 57 mil mortes precoces por ano no Brasil e ao desenvolvimento de 32 doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como câncer, diabetes e obesidade. O guia alimentar recomenda que a população evite o consumo de alimentos ultraprocessados, priorizando a comida de verdade.

Líder na produção de agrotóxicos, Bayer também está na conferência da ONU
A multinacional de origem alemã Bayer também marca presença na COP30. “É por isso que nós dizemos: saúde para todos, fome para ninguém”, afirmou Felipe Albuquerque, diretor de sustentabilidade da empresa, citando o slogan da empresa em um painel da COP30.
A Bayer é uma das líderes mundiais na venda de agrotóxicos, incluindo o Roundup, produto feito a partir do glifosato. Amplamente usada no controle de ervas daninhas em lavouras, a substância é considerada “provavelmente cancerígena” em humanos pela Iarc, agência ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde). Algumas agências reguladoras, como a Anvisa (Brasil) e a EPA (Estados Unidos), não consideram o produto nocivo, desde que aplicado da forma correta.
O glifosato é tema de mais de mil ações judiciais no Brasil por danos à saúde de trabalhadores e comunidades vizinhas a plantações, segundo levantamento da Repórter Brasil. Embora a Bayer responda no país a apenas seis processos (0,6% do total), nos Estados Unidos a empresa já desembolsou mais de 11 bilhões de dólares (R$ 59 bilhões) para encerrar cerca de 100 mil ações relacionadas ao glifosato. Outras 61 mil estão pendentes de solução.
Para Paula Johns, o discurso da Bayer na COP30 é contraditório, “Primeiro, eles vendem agrotóxicos e depois vendem remédios”, critica.
A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) aponta que o atual sistema alimentar, baseado no uso intensivo de pesticidas e na produção de ultraprocessados, estaria impulsionando uma epidemia global de doenças.
Segundo a agência da ONU, os custos ocultos já somariam cerca de 12 trilhões de dólares globalmente. Desse total, 70% dos custos são atribuídos a problemas de saúde causados pelo consumo de ultraprocessados.
Poluição por plástico também está associada à indústria de alimentos
Presentes na COP30, a PepsiCo e a Nestlé, assim como outras 200 empresas, fazem parte da Business Coalition for a Global Plastics Treaty. A iniciativa defende o conceito de “economia circular”, prevendo a reutilização e reciclagem dos plásticos, mas sem restringir a fabricação desse material.
O tema da poluição por plásticos não vem sendo debatido na COP30. Um tratado global puxado pela ONU vem sendo discutido por centenas de países, sem consenso até o momento.
Em 2023, a organização Break Free From Plastic apontou que, das dez empresas mais poluidoras de plástico, sete eram fabricantes de bebidas e alimentos ultraprocessados. Entre as três primeiras, estavam Coca-Cola, PepsiCo e Nestlé.
“Temos que fechar o tratado do plástico o quanto antes, com metas ambiciosas”, afirmou a vice-presidente da PepsiCo, Suelma Rosa. No painel, ela também defendeu o uso do material, afirmando se tratar de uma das melhores soluções para a segurança sanitária dos alimentos.
“Chamar essas empresas para serem a solução para os problemas alimentares é como chamar o ladrão para cuidar da sua casa. Elas estão lucrando com um modelo que não é bom para a saúde, nem para o meio ambiente”, conclui Paula Johns.
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