COP30 quer colocar oceanos no centro do debate sobre o clima

Conferência do Clima de Belém terá pela primeira vez enviada especial dedicada a mares, em busca da inclusão definitiva do tema em discussões sobre mudanças climáticas
Por Vinicius Konchinski

OCEANOS cobrem mais de 70% da superfície do planeta e são responsáveis pela absorção de cerca de 30% do carbono liberado na atmosfera, mas ainda ocupam um papel secundário nas negociações sobre o aquecimento global. A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Belém, no entanto, pretende mudar isso. 

O encontro tem, pela primeira vez, uma enviada especial para tratar dos mares em suas plenárias, a bióloga e professora brasileira Marinez Scherer. Espera-se que, com isso e com outras iniciativas, a COP30 consiga incluir definitivamente o ambiente marinho nos debates sobre as mudanças em todo o meio ambiente.

“Apesar da importância dos oceanos, a verdade é que, hoje, eles não estão em nenhuma discussão entre governos sobre metas ou financiamento de projetos contra a mudança climática”, critica Ademilson Zamboni, oceanógrafo e diretor-geral no Brasil da ONG ambientalista Oceana. “A COP30 vai tentar mudar isso.”

Zamboni está em Belém. De lá, ele conta à Repórter Brasil que o foco da COP nos oceanos não é só um mérito da conferência. Para ele, é resultado de um esforço de cientistas, sociedade civil e governos –incluindo o brasileiro– para elevar a importância dos mares nos debates sobre clima. “Desde a COP de Glasgow [COP26, de 2021], existe um pavilhão paralelo, fora da programação oficial, em que são tratadas apenas questões relacionadas aos oceanos”, lembra. “Aos poucos, essa discussão foi chegando aos governos.”

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Zamboni lembra que, em junho, o presidente Lula esteve pessoalmente em Nice, na França, para participar da 3ª Conferência das Nações Unidas sobre Oceanos, já sabendo que ali ele anteciparia seu posicionamento na COP. Lá, junto com o presidente francês Emmanuel Macron, Lula lançou as chamadas NDCs azuis [sigla, em inglês, para Contribuições Nacionalmente Determinadas especificamente focadas em oceanos].

Na mesma conferência, Lula citou a relação entre mares e mudanças climáticas. “Em apenas um ano, a temperatura média do mar elevou-se quase o mesmo que nas quatro décadas anteriores”, disse ele, em discurso.

Lula repetiu o mesmo dado numa reunião de líderes mundiais realizada em Belém na quinta-feira (6), dias antes da abertura da COP30. Segundo Scherer, foi a primeira vez que os oceanos viraram um tema de destaque na reunião.

Ainda na reunião, ela mesma cobrou dos representantes de governos ações para a proteção dos oceanos. “O oceano produz mais da metade do nosso oxigênio e absorve 90% do calor excedente das nossas emissões”, diz ela. “Ignorar isso significa comprometer o nosso futuro. E, seja no litoral, em uma fazenda, em um centro urbano, somos todos conectados ao oceano. Tudo depende dele.”

Scherer é coordenadora do Laboratório de Gestão Costeira Integrada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Também é co-líder do Centro Regional de Treinamento Cono Sur da Ocean Teachers Global Academy (OTGA). Foi uma das 29 especialistas escolhidas para servirem como interlocutoras para debates de temas ou localidades consideradas estratégicas para a COP30. Também foi a segunda a discursar para os líderes mundiais, reforçando a relevância que a conferência pretende dar aos oceanos.

Em entrevista publicada à Repórter Brasil, ela afirma ter como meta a citação oficial dos oceanos nos documentos da conferência. “O resultado ideal, e o único com que trabalhamos, é incluir o Oceano no tratado final da COP30.”

Elevação do nível do mar pode derrubar 20% do PIB de regiões costeiras

Ítalo Braga, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), acompanha a movimentação política e social para que a COP consiga pôr em pauta o tema dos oceanos. Ela considera isso uma urgência.

Segundo Braga, a própria Organização das Nações Unidas (ONU) já reconheceu que o planeta enfrenta atualmente uma tripla crise ambiental inter-relacionada: a do clima, a gerada pela poluição e a da perda da biodiversidade. Todas elas afetam diretamente os oceanos. “O aquecimento da água e o lixo dos mares comprometem a reprodução dos animais e plantas, e isso precisa ser endereçado”, afirma.

Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO- USP), acrescentou que os oceanos precisam ser considerados nas discussões sobre o clima até porque eles se apresentam como parte importante da solução para as mudanças climáticas. Ele confirmou que os mares são grandes absorvedores de gases causadores do efeito estufa, mas disse que isso só acontece quando eles estão saudáveis.

Oceanos cobrem mais de 70% da superfície do planeta e são responsáveis pela absorção de cerca de 30% do carbono liberado na atmosfera, mas ainda ocupam um papel secundário nas negociações sobre o aquecimento global (Foto: Pixnio)
Oceanos cobrem mais de 70% da superfície do planeta e são responsáveis pela absorção de cerca de 30% do carbono liberado na atmosfera, mas ainda ocupam um papel secundário nas negociações sobre o aquecimento global (Foto: Pixnio)

Turra explica que, até para a redução das emissões de carbono, os oceanos são fundamentais. É neles que estão sendo desenvolvidas tecnologias para a geração de energia elétrica limpa e renovável por meio de parques eólicos offshore ou usando a força das correntes marinhas, por exemplo. “Não dá para fazer mitigação sem oceano. O futuro da energia renovável passa por ele”, sustenta.

O professor também afirma que os oceanos são fonte de alimentos e trabalho para boa parte da humanidade. Precisam ser protegidos para o bem da população.

Segundo Scherer, mais de 3 bilhões de pessoas dependem do oceano para seu sustento, e a economia oceânica é avaliada em quase 4 trilhões de dólares por ano, o que representa até 5% do Produto Interno Bruto (PIB) global. 

Entretanto, toda essa riqueza está ameaçada pelas mudanças climáticas, de acordo com ela. “Se continuarmos no caminho atual, as regiões costeiras correm o risco de perder até 20% do seu PIB até o final do século, apenas devido à elevação do nível do mar. Este não é um problema para o futuro —são os riscos econômicos e sociais de hoje”, afirmou.

Menos de 1% do financiamento climático apoia soluções para oceanos

Scherer também afirmou que hoje menos de 1% do financiamento climático apoia soluções para os oceanos, e que isso precisa mudar. A enviada especial para os oceanos disse que trabalha para que a COP30 sirva como plataforma de lançamento do chamado Pacote Azul.

Tal pacote reúne centenas de ações e projetos já implementados ao redor do mundo e que, segundo ela, “comprovadamente trazem resultados positivos na preservação do Oceano”. A ideia de Scherer é que essas iniciativas obtenham apoio financeiro de fontes governamentais e independentes de até US$ 116 bilhões, cerca de R$ 615 bilhões.

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