Delegações de empresas crescem 14% na COP30 e influenciam debate sobre clima

Levantamento da Repórter Brasil e dados do jornal britânico DeSmog revelam a expansão da influência corporativa em negociações sobre metano, ultraprocessados e políticas ambientais
Por Hélen Freitas

DE BELÉM — A COP30 termina com o agronegócio brasileiro celebrando o que considera sua maior vitória em uma conferência climática. Nos corredores e painéis, representantes da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e de grandes empresas repetiam que o setor “finalmente ocupou o centro” do debate climático. 

“Demos um passo importante para colocar o agro numa posição central nos debates da conferência”, afirmou o vice-presidente da CNA, Muni Lourenço, durante o painel de avaliação organizado pela confederação.

Dados analisados pela Repórter Brasil mostram que 237 delegados ligados ao agronegócio e à indústria de alimentos ultraprocessados circularam pela COP30. Destes, 72 estavam credenciados dentro da própria delegação oficial do Brasil, incluindo nomes da Cargill, Ambev e JBS.

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Os dados compartilhados pelos jornais britânicos DeSmog e The Guardian também reforçam o cenário global: mais de 300 lobistas de grandes empresas do setor foram credenciados para a conferência deste ano. Um aumento de 14% em relação à COP29 e de 71% frente à COP27.

O deputado Arnaldo Jardim, da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), reforçou a avaliação positiva. “Não haverá novas COPs sem protagonismo do agro”, disse.

Ao mesmo tempo que o setor comemora, especialistas que acompanharam as negociações chamam atenção para a dimensão desse movimento e seus efeitos. Eles destacam que o crescimento das delegações corporativas amplia a disputa por narrativas, especialmente em temas como sistemas alimentares e emissão de metano decorrente da digestão de bois e do manejo de dejetos animais na pecuária.

“É importante que haja um compromisso do setor empresarial, inclusive o setor do agronegócio, para ajudar na descarbonização do planeta”, afirma André Guimarães, enviado especial da sociedade civil para a COP30. 

“A única forma de você encontrar consenso é que as diversas partes, eventualmente até antagônicas, demonstrem seus interesses. Aí nós temos dados e informações em cima da mesa pra gente poder negociar”, complementa.

Nusa Urbancic, CEO da Changing Markets Foundation, faz avaliação mais crítica. “O que vemos é que grandes empresas usam essas inovações como peça de greenwashing, enquanto fazem lobby para impedir ações reais de mensuração e redução das emissões”, afirma. Ela também enfatiza que tomar medidas para conter o metano é a forma mais rápida de frear o aquecimento global.

Ambientalistas contestam “soluções técnicas” de indústria da carne para redução de metano

O metano ganhou centralidade na COP30. O Brasil é o quinto maior emissor do mundo, e mais de 75% das emissões nacionais vêm da pecuária, segundo a Changing Markets Foundation.

Embora o país tenha aderido ao Compromisso Global do Metano, não incluiu a contenção do gás proveniente da atividade agrícola na sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), medida criticada por organizações da sociedade civil. 

No pavilhão da CNA, painelistas enfatizaram ações de “eficiência produtiva” para redução de metano. Outros defenderam métricas alternativas, como o GWP* (Global Warming Potential Star). “A mudança não é um jogo só científico, é um jogo político também”, afirmou o pesquisador Fernando Flores, chefe-geral da Embrapa Pecuária Sul em outro painel, que defende a métrica.

O Brasil é o quinto maior emissor do mundo, e mais de 75% das emissões nacionais vêm da pecuária, segundo a Changing Markets Foundation
(Foto: Reprodução/Repórter Brasil)
O Brasil é o quinto maior emissor do mundo, e mais de 75% das emissões nacionais vêm da pecuária, segundo a Changing Markets Foundation (Foto: Reprodução/Repórter Brasil)

“O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já alertou que o GWP* não representa corretamente o impacto real do metano. O uso dessa métrica pode permitir que países e empresas continuem poluindo, enquanto afirmam estar fazendo sua parte”, critica Nusa Urbancic, da Changing Markets Foundation. 

Ela contesta a ideia de que soluções técnicas e de nutrição animal são insuficientes para resolver o problema climático. “Elas podem ajudar, mas não substituem a necessidade de reduzir a produção e o consumo de carne”.

Indústria de alimentos leva ao menos 70 delegados para a COP30

Além do agronegócio, empresas de alimentos e bebidas ultraprocessadas estiveram na Agrizone e na Blue Zone, espaço oficial da COP. A Repórter Brasil identificou ao menos 70 delegados ligados ao setor, sendo 21 ligados a Bayer, Nestlé e PepsiCo.

“Para as próprias empresas é importante estar na COP para apresentar soluções que elas constroem para os desastres que elas mesmas estão causando”, avalia Ana Maria Maya, pesquisadora do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores).

As multinacionais Bayer e Nestlé foram alvo de protesto organizado por ambientalistas na manhã de quinta-feira (20), denunciando contaminação por agrotóxicos no Cerrado.

Crítica semelhante é feita por Paula Johns, diretora-executiva da ACT (ACT Promoção da Saúde). “A principal motivação por trás desses discursos [das empresas] não é a sustentabilidade ou a saúde, mas sim a sobrevivência corporativa e a obrigação financeira”, afirmou à Repórter Brasil.

Impactos de cadeias produtivas de corporações do agro vêm à tona na COP30

Enquanto corporações reforçavam compromissos ambientais na COP30, investigações publicadas pela Repórter Brasil ao longo da conferência da ONU revelaram impactos ambientais associados a cadeias produtivas de grandes corporações do agro. 

Uma matéria publicada na quarta-feira (19) mostrou que um fornecedor da Bunge e da Cargill arrendou área com histórico de desmatamento no Piauí.

Um dia antes, a Repórter Brasil também expôs as pressões para alteração da Moratória da Soja, acordo firmado entre empresas, ambientalistas e autoridades para limitar a compra de grãos em áreas desmatadas na Amazônia após julho de 2008. 

Na COP30, a cacica Yuna Miriam Tembé afirma que a expansão do dendê invadiu o Vale do Acará, a 100 km da capital paraense (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Na COP30, a cacica Yuna Miriam Tembé afirma que a expansão do dendê invadiu o Vale do Acará, a 100 km da capital paraense (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

A iniciativa reduziu em 69% o desmatamento do bioma até 2022, segundo o GTS (Grupo de Trabalho da Soja). As tentativas de afrouxamento das regras do acordo — puxadas sobretudo por produtores rurais, mas já assimiladas por processadoras de grãos — ocorrem paralelamente aos discursos de empresas na COP30 sobre produção sustentável.

O setor de biocombustíveis levou 35 delegados, muitos credenciados pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), para defender a expansão do etanol, do biodiesel e do SAF (Combustível Sustentável de Aviação).

Povos indígenas vêm alertando para impactos da expansão de monoculturas sobre seus territórios. “Antes de quadruplicar o biocombustível, demarquem os nossos territórios”, protestou a cacica Yuna Miriam Tembé, do território I’xing, do Vale do Acará (PA), que também esteve na COP30.

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Delegações de empresas crescem 14% na COP30 e influenciam debate sobre clima (Foto: Hélen Freitas/Repórter Brasil)
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