COMO EMPRESA DE CAPITAL ABERTO listada na B3, a SLC Agrícola tinha 44,1% de suas ações em posse de investidores em setembro de 2025. Além de algumas das maiores gestoras do mundo, como Black Rock e Vanguard, a empresa tem no seu histórico de acionistas importantes fundos de pensão estrangeiros como o fundo de funcionários da ONU (Organização das Nações Unidas) e o CalPERS (California Public Employees’ Retirement System), considerado o maior fundo de pensão público dos EUA.
Os fundos são mencionados na lista de acionistas participantes da última Assembleia Geral da SLC, realizada em abril de 2025. Esses acionistas têm direito a voto na assembleia, acesso a informações sobre transações relevantes da empresa e participação na distribuição de lucros, conforme mostra essa investigação da Repórter Brasil, em parceria com O Joio e o Trigo e o The Bureau of Investigative Journalism.
Em agosto de 2024, a SLC comunicou a seus acionistas o arrendamento de uma área de 14,5 mil hectares da Fazenda Cosmos, propriedade dos empresários Ricardo Tombini e Eduardo Dall’Magro, para produção de soja e algodão. A área foi anexada à Fazenda Parnaguá, operada pela companhia em Santa Filomena (PI).
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Um alerta do MapBiomas e análise da organização holandesa AidEnvironment identificaram desmatamento recente na propriedade. Além disso, Tombini e Dall’Magro são acusados de grilagem por moradores da comunidade tradicional de Melancias e são alvos de ação judicial do Interpi (Instituto de Terras do Piauí), que pede a devolução de 2,8 mil hectares da fazenda. Documentos da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e do Interpi apontam ainda sobreposição da propriedade a territórios do povo indígena Akroá Gamella.
Questionada, a SLC Agrícola informou que a área arrendada dentro do imóvel não tem sobreposições com o perímetro da fazenda onde ocorrem os conflitos fundiários, e nem com a parte desmatada entre 2024 e 2025. Em sua “Política de Desmatamento Zero”, a empresa se compromete a não operar em imóveis com supressão de mata nativa após agosto de 2021. A SLC afirma que o caso da Fazenda Cosmos não fere a política justamente porque as áreas arrendadas excluem o perímetro desmatado recentemente.
“Cabe ressaltar que a companhia mantém uma relação de transparência com seus acionistas, a partir de divulgações frequentes de Fatos Relevantes e Relatórios de Administração”, informou a companhia. Confira a resposta completa aqui.
Em conversa por telefone com a reportagem, Ricardo Tombini, um dos proprietários da Fazenda Cosmos, ressaltou que obteve autorização para o desmate realizado – fato confirmado pela reportagem -. Ele refutou as acusações de grilagem e alegou que é a comunidade de Melancias quem está invadindo o perímetro da fazenda. O empresário e seu sócio, no entanto, não responderam a questões específicas por email enviadas ao advogado de ambos.
Investimentos na berlinda
“A empresa arrendar uma área que está em conflito, sobre a qual há dúvidas de propriedade, é totalmente irregular. Isso não deveria receber investimentos”, afirma Carlos Augusto Ramos, engenheiro florestal e mentor de Crédito Socioambiental do Instituto Conexsus.
“Uma empresa desse porte jamais deveria fazer qualquer negócio com uma área em litígio. Isso é um fato fácil de comprovar através de certidões cartoriais e processos do judiciário. Esses investidores podem até acionar essa empresa. Porque eles não cumpriram o compliance”, analisa Ademiro Vian, ex-diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e consultor em finanças do agronegócio.
Para Vian, investidores precisam verificar o uso sustentável da destinação dos recursos. “Principalmente quando são fundos institucionais, que representam uma pessoa ou um coletivo”, ele defende.
O UNJSPF (United Nations Joint Staff Pension Fund), formado por servidores internacionais ativos e aposentados da ONU, detinha US$ 105,1 bilhões sob gestão em setembro de 2025. Ele divulga políticas de investimento sustentável, pautadas pelos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, com enfoque em Direitos Humanos. No relatório de temas mobilizados pelo fundo junto às empresas em 2023, uma seção fala especificamente sobre povos indígenas e a importância de um relacionamento respeitoso entre comunidades e instituições empresariais.
Questionado sobre sua participação na SLC, o UNJSPF respondeu que não divulga informações sobre aportes específicos. “Nossa abordagem de investimento se baseia na convicção de que, como investidores globais, estamos em uma posição privilegiada para aplicar capital e gerar resultados positivos concretos”, informou Robert van der Zee, representante interino do secretário-geral para o investimento dos ativos do UNJSPF.
“A ONU é uma entidade que tem como princípio respeitar as leis dos países. Nós temos a Constituição e a Função Social da Terra. A ONU não pode jogar recursos em algo que não está respeitando esses dois itens básicos”, analisa Ramos.
O CalPERS, maior fundo de pensão público dos Estados Unidos com US$ 556,2 bilhões de ativos sob gestão, concentra funcionários estaduais e municipais da Califórnia e também consta como acionista da SLC Agrícola na última Assembleia Geral. Além de divulgar políticas socioambientais, o fundo tem atuação em movimentos como Climate Action 100+, grupo de investidores criado para pressionar empresas sobre o aquecimento global. O fundo mantém plano de ação climática de US$ 100 bilhões até 2030 para reduzir a intensidade de carbono e financiar soluções climáticas entre seus investimentos.
Nas diretrizes do plano, o CalPERS defende “respeitar os direitos humanos das pessoas afetadas por suas atividades de investimento e buscar confirmar que os investimentos não fluem para empresas que violem tais direitos”. Questionado, o CalPERS respondeu que “não tem nada específico a comentar sobre a SLC”, mas informou que “trabalha para reunir os fatos relevantes e buscar soluções quando problemas são identificados”. Leia a resposta na íntegra aqui.
A SLC também está listada entre os investimentos do CalSTRS (California State Teachers’ Retirement System), que se descreve como o maior fundo de pensão pública exclusivo para educadores do mundo. Sua política ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e de Governança) identifica como risco o investimento em propriedades que desrespeitam direitos de propriedade e territórios de comunidades.
Procurado pela reportagem, o fundo respondeu que não dispunha de informações específicas sobre a SLC e afirmou que está “comprometido com práticas comerciais sustentáveis que levam ao crescimento econômico e à prosperidade”. E complementou: “Monitoramos nossos investimentos, interagimos com as empresas e colaboramos com os sócios-gerentes para identificar e abordar os riscos em nosso portfólio, além de desenvolver e implementar planos de ação para mitigá-los”.
Outro investidor da empresa citado na Assembleia Geral da SLC é o Legal & General, que divulga políticas socioambientais e de ESG para seus investimentos. O fundo estabelece critérios de exclusão de empresas que não cumpram as diretrizes propostas, como o Pacto Global da ONU (UNGC), com menções específicas a comunidades indígenas, e mantém uma agenda de ações alinhadas ao Acordo Global de Biodiversidade. O investidor não respondeu aos questionamentos da reportagem. O texto será atualizado em caso de manifestações futuras.
‘Maiores do mundo’ também estão na lista
O informe sobre os acionistas da SLC cita ainda alguns dos maiores gestores de recursos do mundo, como Black Rock, que atingiu US$ 13,46 trilhões em ativos no terceiro trimestre deste ano. A gestora divulga políticas socioambientais, porém em janeiro deste ano deixou a iniciativa Net Zero Asset Managers (Nzami), pela qual se comprometia apoiar a meta de emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050 e, em fevereiro, reduziu sua participação no Climate Action 100+, grupo de investidores criado para pressionar empresas sobre o aquecimento global.
A Vanguard e JP Morgan também estavam listadas como investidoras da companhia agrícola. Questionadas as duas gestoras de investimentos e a Black Rock, as instituições não comentaram seus investimentos na SLC.
Esta reportagem foi apoiada pela Brighter Green.
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