Mineradoras com passivo socioambiental dão ‘boas-vindas’ em Belém, na COP30

Enquanto exibem campanhas de marketing sustentável na COP30, Vale e Hydro são alvo de denúncias por contaminação e desastres ambientais na Amazônia e outras partes do Brasil
Por Daniel Camargos, Helen Freitas e Isabel Harari

DE BELÉM (PA) – Ao esperar pelas malas no Aeroporto Val-de-Cans, quem chega à capital paraense para participar da COP30 se depara com as boas-vindas de mineradoras com passivo socioambiental recente: a norueguesa Hydro e a brasileira Vale.

No saguão, a propaganda da Vale convida os visitantes a “ver e viver as Amazônias”. A empresa também adesivou a esteira de bagagens com a frase: “Onde tem cultura, a Vale está”. Em um trecho em que o adesivo se descola, é possível ler o aviso de segurança original, encoberto pela peça publicitária.

No mesmo espaço, um painel luminoso da Hydro exibe a imagem da cantora paraense Fafá de Belém sorrindo diante de um fundo de floresta tropical. Ao lado, em letras grandes, lê-se: “Na COP30, o Brasil tem a cara do Pará. E, no Brasil, a Hydro tem a cara do Pará.”

Na Praça da Bandeira, a empresa também montou uma estrutura em conjunto com a ABAL (Associação Brasileira de Alumínio), em parceria com os governos municipal, estadual e federal. A instalação traz a inscrição: “O fantástico mundo do alumínio.”

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Movimentos sociais e ambientalistas afirmam que a Hydro tem histórico de impactos ambientais em Barcarena (PA), onde opera a refinaria Alunorte. Em fevereiro de 2018, após fortes chuvas, moradores denunciaram o vazamento de lama vermelha e efluentes industriais das bacias de rejeitos da empresa. 

Estudos do Instituto Evandro Chagas, vinculado ao Ministério da Saúde, identificaram níveis elevados de alumínio, ferro, cobre, arsênio, mercúrio e chumbo no rio Murucupi, que abastece comunidades ribeirinhas e quilombolas. Pesquisas da Universidade Federal do Pará já haviam apontado contaminação na água de poços artesianos da região, com substâncias em níveis acima do permitido pela legislação brasileira.

A refinaria Alunorte, controlada pela mineradora norueguesa, responde também a ações judiciais no Brasil e no exterior por danos socioambientais acumulados. Desde 2002, diversos episódios de poluição foram registrados: derramamento de coque no rio Pará, vazamentos de lama vermelha e soda cáustica e emissão de fuligem em Vila do Conde. 

Em nota encaminhada à reportagem, a Hydro nega transbordamento das áreas de armazenamento de resíduos de bauxita da Alunorte, “conforme confirmado pelas autoridades competentes em mais de 90 inspeções no local”. A empresa também afirma que as operações da Alunorte não causaram aumento de metais pesados na região de Barcarena, “uma vez que esses produtos químicos não são adicionados no processo de produção”.

Em 2025, a Justiça holandesa iniciou o julgamento de uma ação movida pela Associação Cainquiama, que representa cerca de 11 mil moradores de Barcarena e Abaetetuba, por contaminação e violação de direitos humanos associadas às operações da empresa.

“Durante o processo, a Hydro solicitou ao tribunal que julgasse improcedente o caso com base em evidências, apoiadas por relatórios de técnicos baseados em extensos dados públicos, demonstrando que as alegações feitas pelos demandantes são infundadas”. A Justiça holandesa considerou improcedentes as reclamações contra a empresa (leia a manifestação na íntegra).

Propaganda da Hydro no aeroporto de Belém (Foto: Hélen Freitas/Repórter Brasil)
Propaganda da Hydro no aeroporto de Belém (Foto: Hélen Freitas/Repórter Brasil)

Já a Vale é alvo de uma ação civil pública do MPF (Ministério Público Federal) pela contaminação por metais pesados dos indígenas Xikrin da Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté, no sudeste paraense. O MPF sustenta que o problema foi causado pela mina de níquel Onça Puma, administrada por uma subsidiária da Vale na região da Serra dos Carajás, e licenciada pelo governo estadual. 

Um estudo citado na ação, realizado pela UFPA (Universidade Federal do Pará), analisou o organismo de 720 indígenas, cerca de 40% da população da TI. A pesquisa constatou que 98,5% dos indivíduos investigados estavam contaminados com metais perigosos acima dos limites seguros.

A presença de metais está associada a diversas doenças crônicas e malformações congênitas e ao agravamento das condições sanitárias da comunidade indígena. Nos últimos anos, a Repórter Brasil e a Finnwatch, organização da sociedade civil finlandesa, publicaram investigações conjuntas sobre os impactos socioambientais do empreendimento sobre os Xikrin.

Após a divulgação, a siderúrgica Outokumpu, cujo maior acionista é o governo finlandês, deixou de comprar níquel da mina Onça Puma.

Na ação, o MPF destaca relatórios que evidenciam “a necessidade de ações concretas e eficazes” da Vale para despoluir o rio Cateté.

Em fevereiro, quando a ação foi ajuizada, a Vale negou a relação de suas operações com a contaminação do rio Cateté e declarou para a Repórter Brasil que o tema já foi “amplamente analisado” pela Vara Federal de Redenção (PA). 

“Estudos conduzidos por peritos judiciais independentes concluíram que as operações da Vale não são a fonte de contaminação do Cateté. Os documentos são públicos e estão disponíveis para consulta. Além disso, a Vale monitora regularmente as condições da água no entorno dos seus empreendimentos para resguardar as comunidades locais. Por fim, a companhia lembra que há inúmeras atividades de garimpo ilegal na região”, disse a mineradora.

Propaganda da Vale no aeroporto internacional de Belém (Foto: Daniel Camargos/Repórter Brasil)
Propaganda da Vale no aeroporto internacional de Belém (Foto: Daniel Camargos/Repórter Brasil)

Outros dois desastres recentes tiveram o envolvimento da Vale. Em 2019, a barragem da empresa em Brumadinho (MG) rompeu e matou 272 pessoas, além de contaminar o rio Paraopeba. Há dez anos, em Mariana (MG), a barragem do Fundão, da Samarco (cuja Vale era proprietária de metade das ações), rompeu e matou 19 pessoas, além de provocar o colapso da bacia do Rio Doce.

“É uma vergonha muito grande e uma falta de respeito, que menospreza  as populações indígenas e os povos originais”, afirma Marivelton Baré, líder indígena e ex-coordenador da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro). 

Para ele, os mesmos atores que depredam e mineram os territórios indígenas são os mesmos que os governos buscam para patrocinar espaços públicos. “É hora de dar um basta nisso”, afirma Baré, que atualmente é assessor técnico da Apiam (Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas).

Em nota, a Vale diz estar presente há 40 anos na Amazônia, “com uma atuação pautada pelo compromisso de ajudar a proteger a floresta e promover formas sustentáveis de viver e conviver na região”. A empresa afirma contribuir para a proteção de cerca de 1,1 milhão de hectares de florestas, “sendo 800 mil hectares localizados na Amazônia, em parceria com o ICMBio, o equivalente a sete vezes a cidade de Belém (PA)”.

Ainda segundo a mineradora, a empresa é hoje o maior patrocinador privado da cultura no Brasil. “Campanhas publicitárias sobre a atuação da empresa no âmbito cultural, como a que pode ser vista no aeroporto de Belém, fazem referência a este fato”.

Nota da redação: Esta matéria foi atualizada às 14h07 do dia 14 de novembro para incluir os posicionamentos da Hydro e da Vale.

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