DE BELÉM (PA) – Ao esperar pelas malas no Aeroporto Val-de-Cans, quem chega à capital paraense para participar da COP30 se depara com as boas-vindas de mineradoras com passivo socioambiental recente: a norueguesa Hydro e a brasileira Vale.
No saguão, a propaganda da Vale convida os visitantes a “ver e viver as Amazônias”. A empresa também adesivou a esteira de bagagens com a frase: “Onde tem cultura, a Vale está”. Em um trecho em que o adesivo se descola, é possível ler o aviso de segurança original, encoberto pela peça publicitária.
No mesmo espaço, um painel luminoso da Hydro exibe a imagem da cantora paraense Fafá de Belém sorrindo diante de um fundo de floresta tropical. Ao lado, em letras grandes, lê-se: “Na COP30, o Brasil tem a cara do Pará. E, no Brasil, a Hydro tem a cara do Pará.”
Na Praça da Bandeira, a empresa também montou uma estrutura em conjunto com a ABAL (Associação Brasileira de Alumínio), em parceria com os governos municipal, estadual e federal. A instalação traz a inscrição: “O fantástico mundo do alumínio.”
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A Hydro tem histórico de impactos ambientais em Barcarena (PA), onde opera a refinaria Alunorte. Em fevereiro de 2018, após fortes chuvas, moradores denunciaram o vazamento de lama vermelha e efluentes industriais das bacias de rejeitos da empresa.
Estudos do Instituto Evandro Chagas, vinculado ao Ministério da Saúde, identificaram níveis elevados de alumínio, ferro, cobre, arsênio, mercúrio e chumbo no rio Murucupi, que abastece comunidades ribeirinhas e quilombolas. Pesquisas da Universidade Federal do Pará já haviam apontado contaminação na água de poços artesianos da região, com substâncias em níveis acima do permitido pela legislação brasileira.
A refinaria Alunorte, controlada pela mineradora norueguesa, responde também a ações judiciais no Brasil e no exterior por danos socioambientais acumulados. Desde 2002, diversos episódios de poluição foram registrados: derramamento de coque no rio Pará, vazamentos de lama vermelha e soda cáustica e emissão de fuligem em Vila do Conde.
Em 2025, a Justiça holandesa iniciou o julgamento de uma ação movida pela Associação Cainquiama, que representa cerca de 11 mil moradores de Barcarena e Abaetetuba, por contaminação e violação de direitos humanos associadas às operações da empresa.

Já a Vale é alvo de uma ação civil pública do MPF (Ministério Público Federal) pela contaminação por metais pesados dos indígenas Xikrin da Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté, no sudeste paraense. O MPF sustenta que o problema foi causado pela mina de níquel Onça Puma, administrada por uma subsidiária da Vale na região da Serra dos Carajás, e licenciada pelo governo estadual.
Um estudo citado na ação, realizado pela UFPA (Universidade Federal do Pará), analisou o organismo de 720 indígenas, cerca de 40% da população da TI. A pesquisa constatou que 98,5% dos indivíduos investigados estavam contaminados com metais perigosos acima dos limites seguros.
A presença de metais está associada a diversas doenças crônicas e malformações congênitas e ao agravamento das condições sanitárias da comunidade indígena. Nos últimos anos, a Repórter Brasil e a Finnwatch, organização da sociedade civil finlandesa, publicaram investigações conjuntas sobre os impactos socioambientais do empreendimento sobre os Xikrin.
Após a divulgação, a siderúrgica Outokumpu, cujo maior acionista é o governo finlandês, deixou de comprar níquel da mina Onça Puma.
Na ação, o MPF destaca relatórios que evidenciam “a necessidade de ações concretas e eficazes” da Vale para despoluir o rio Cateté.
Em fevereiro, quando a ação foi ajuizada, a Vale negou a relação de suas operações com a contaminação do rio Cateté e declarou para a Repórter Brasil que o tema já foi “amplamente analisado” pela Vara Federal de Redenção (PA).
“Estudos conduzidos por peritos judiciais independentes concluíram que as operações da Vale não são a fonte de contaminação do Cateté. Os documentos são públicos e estão disponíveis para consulta. Além disso, a Vale monitora regularmente as condições da água no entorno dos seus empreendimentos para resguardar as comunidades locais. Por fim, a companhia lembra que há inúmeras atividades de garimpo ilegal na região”, disse a mineradora.

Outros dois desastres recentes tiveram o envolvimento da Vale. Em 2019, a barragem da empresa em Brumadinho (MG) rompeu e matou 272 pessoas, além de contaminar o rio Paraopeba. Há dez anos, em Mariana (MG), a barragem do Fundão, da Samarco (cuja Vale era proprietária de metade das ações), rompeu e matou 19 pessoas, além de provocar o colapso da bacia do Rio Doce.
“É uma vergonha muito grande e uma falta de respeito, que menospreza as populações indígenas e os povos originais”, afirma Marivelton Baré, líder indígena e ex-coordenador da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro).
Para ele, os mesmos atores que depredam e mineram os territórios indígenas são os mesmos que os governos buscam para patrocinar espaços públicos. “É hora de dar um basta nisso”, afirma Baré, que atualmente é assessor técnico da Apiam (Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas).
A Vale e a Hydro foram procuradas pela Repórter Brasil e seus posicionamentos serão publicados assim que recebidos.
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