BELÉM (PA) — Desde as 5h da manhã, dezenas de indígenas do povo Munduruku de aldeias próximas a Itaituba e Jacareacanga, no Pará, protestam diante do portão fechado da Blue Zone da COP30, em Belém. O ato bloqueia a entrada do principal pavilhão da conferência climática da ONU (Organização das Nações Unidas).
As lideranças cobram reunião urgente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afirmam que só vão permitir o ingresso de trabalhadores e participantes no evento se forem atendidos por alguma autoridade. Os Munduruku afirmam que o governo permite o avanço de uma série de projetos sem consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas sobre os impactos desses empreendimentos.
As queixas recaem sobre hidrovias e portos privados, além de projetos de crédito de carbono, de agronegócio e da Ferrogrão — estrada de ferro que liga municípios produtores de grãos no Mato Grosso a terminais fluviais de cargas no Pará.

O ato é articulado pelo Movimento Munduruku Ipereg Ayu. “Presidente Lula, estamos aqui na frente da COP porque queremos que o senhor nos escute”, diz a nota do movimento. “Revogue o Decreto 12.600. Cancele a Ferrogrão. Demarque nossas terras. Fora crédito de carbono. Nossa floresta não está à venda”
O grupo saiu da Aldeia COP e caminhou até a entrada da área restrita da ONU. Ao chegarem, encontraram o acesso trancado e policiais da Força Nacional posicionados na entrada do Parque da Cidade. Uma liderança afirmou: “Se o portão está fechado, ninguém entra e ninguém sai”. Mais policiais seguem chegando ao local.
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Hidrovias são o principal foco do protesto
O Decreto 12.600/2025, que instituiu o Plano Nacional de Hidrovias, é o principal alvo do protesto. O texto estabelece o Tapajós, o Madeira e o Tocantins como eixos prioritários de navegação de cargas. Para os Munduruku, o decreto abre caminho para novas dragagens e para o derrocamento de pedrais sagrados. “Transforma o rio em estrada de soja”, criticou uma liderança.
Os Munduruku também são um dos povos mais afetados pela contaminação por mercúrio decorrente do garimpo de ouro em suas terras.
As lideranças rejeitam projetos de crédito de carbono e mecanismos de REDD+ jurisdicional discutidos na COP30. Para o movimento, esses mecanismos permitem a entrada de empresas nos territórios e não enfrentam os problemas causados pelo desmatamento industrial, pelo garimpo e pelas hidrovias.

Dados do Inesc apontam que 68% do investimento federal em infraestrutura na Amazônia, entre 2010 e 2022, foram destinados a corredores de exportação. Em 2023, 47% da soja brasileira saiu pelo Arco Norte. A movimentação de cargas no Tapajós passou de 4 mil toneladas em 2019 para 167 mil toneladas em 2022. As lideranças relatam redução da pesca, contaminação da água, restrição de circulação e impactos de dragagens recentes no rio.
O movimento cobra também o cancelamento definitivo da Ferrogrão. O projeto prevê o transporte de grãos de Sinop (MT) até Miritituba (PA). Estudos do Ministério dos Transportes indicam que o volume transportado pelo Tapajós pode multiplicar por seis até 2049. Para os Munduruku, isso amplia a instalação de portos nos municípios de Miritituba, Itaituba e Trairão, e intensifica dragagens e pressões sobre o território.
As lideranças também pedem a aceleração das demarcações de terras indígenas. Os processos estão parados no Ministério da Justiça e na Casa Civil. O movimento relaciona o aumento de conflitos na região ao avanço da soja.
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