DE BELÉM (PA) — Um dos mais populares estandes da Agrizone — espaço montado e financiado por empresas e entidades do agronegócio na COP30, em Belém (PA) — é o da multinacional de origem suíça Nestlé. Visitantes se aglomeram em filas para ganhar garrafas reutilizáveis, chocolates e cafés de cápsula.
Assim como a Bayer, a Nestlé é uma apoiadora nível “diamante” da Agrizone, desembolsando R$ 1 milhão em patrocínio. O aporte ajuda a financiar desde a montagem de eventos próprios até a reserva de salas para reuniões exclusivas.
A empresa veio à COP30 defender o conceito de “agricultura regenerativa”. De acordo com a Nestlé, a prática reduz o uso de agrotóxicos e recupera a biodiversidade do solo.
No entanto, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), órgão científico vinculado à ONU, considera a agricultura regenerativa uma abordagem ainda sem definição universal, cuja capacidade de mitigação de emissões de gases de efeito estufa “precisa ser mais claramente estabelecida”.
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No primeiro dia da conferência climática, a Nestlé anunciou dois convênios com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), umas das principais organizadoras da Agrizone.
Um vai testar como diferentes dietas afetam as emissões de gases por vacas leiteiras, já o outro busca desenvolver sistemas agroflorestais mais eficientes para a produção de cacau.
A pecuária é a maior fonte de emissões do Brasil, respondendo por 51% do total, somando desmatamento indireto, uso de energia e fermentação entérica (metano), de acordo com dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima. Se fosse um país, o rebanho bovino brasileiro seria o sétimo maior emissor do mundo, ligeiramente à frente do Japão.
Em outubro, a Nestlé deixou a aliança global para redução de emissões de metano. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o CEO da empresa no Brasil, Marcelo Melchior, explicou que a matriz decidiu pela saída, mas isso “não muda o que fazem para reduzir emissões”. Segundo ele, a Nestlé investe em melhorias na alimentação das vacas leiteiras.
O CEO ainda afirma que a decisão permitiu focar em outras iniciativas, como a circularidade das embalagens. “Precisamos encontrar um jeito melhor para que [as embalagens] retornem à economia”, defendeu o Melchior, ao falar sobre “economia circular”.
A medida é apoiada pela indústria do plástico e de alimentos e bebidas ultraprocessados prioriza a reciclagem, mas criticada por ambientalistas por não limitar a produção de plásticos de uso único, um dos principais vetores de poluição da atualidade.
Especialistas alertam que a reciclagem, por si só, não é capaz de resolver o problema da poluição do plástico. Em 2023, a coalizão Break Free From Plastic mostrou que sete das dez empresas que mais poluíram o planeta com plástico eram fabricantes de bebidas e ultraprocessados. Coca-Cola, PepsiCo e Nestlé lideravam o ranking.
Seja por meio de associações como a Abia, seja diretamente, a Nestlé tem atuado para influenciar a posição do governo brasileiro no Tratado Global sobre Poluição Plástica da ONU e em decisões nacionais que poderiam restringir o uso do resíduo no país. O próprio CEO reconheceu a atuação. “Nós tivemos que explicar para o governo, por exemplo, que não fazia mais sentido proibir o uso de plástico reciclado na embalagem de alimentos”, afirmou à Folha.
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