Posicionamento da Repórter Brasil sobre a análise dos vetos do PL da Devastação

Confira a manifestação do Programa de Pesquisa e Impacto Social sobre a apreciação dos vetos pelo Congresso ao projeto de lei 2.159/2021, que se tornou a Lei 15.190/2025 e que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental
Por Repórter Brasil

O Brasil entra numa semana decisiva para as questões socioambientais, com a análise pelo Congresso Nacional dos vetos formulados pela presidência da República ao projeto de lei 2.159/21, que se tornou a Lei 15.190/25, e que é denominado como PL da Devastação. A primeira tentativa de análise dos vetos presidenciais aconteceu em 16 de outubro de 2025, mas foi suspensa após articulação do governo, que ganhou mais tempo para convencer os parlamentares sobre os prejuízos causados caso a proposta avance.

Agora, exatamente uma semana após o fim da COP30, o Congresso Nacional designou o dia 27 de novembro para a apreciação dos vetos, o que liga a luz de alerta, já que o contexto não se mostra favorável para impedir a flexibilização de regras tão importantes, como as de licenciamento ambiental. O PL da Devastação, como o próprio nome diz, sofre grande resistência das organizações da sociedade civil e de especialistas em questões ambientais, que entendem que se trata de uma ameaça à efetividade das regras de proteção do meio ambiente e da sociedade.

A Repórter Brasil tem acompanhado a tramitação do projeto no Congresso Nacional e tem manifestado a sua preocupação com diversos pontos da proposição, sobretudo aqueles apontados pela Frente Parlamentar Mista Ambientalista[1] e por outras organizações da sociedade civil, que defendem a manutenção integral dos vetos, e identificou, entre tantos riscos de retrocessos, os seguintes pontos de alerta:

  • Não atenção ao princípio da precaução, que exige a adoção de medidas para evitar danos ambientais graves ou irreversíveis, sempre quando há incerteza científica de uma atividade, e trata riscos de modo complacente, contrariando a emergência climática. A frente utiliza como exemplo a LAE (regulamentada pela MP 1.308/2025) que criou um “rito monofásico que condensa todas as etapas em 12 meses para empreendimentos de significativo impacto, um desenho que contraria boas práticas, pressiona a burocracia técnica e desloca o eixo do licenciamento da prevenção para a pressão política”.
  • Criação da LAE (Licença Ambiental Especial). Conforme mencionado acima a LAE foi criada por medida provisória e simplifica o processo para a sua obtenção. Para a Frente Parlamentar trata-se de um atalho perigoso. A LAE exige EIA, mas comprime audiências, análises e revisões sob um prazo único irreal. Na prática, institucionaliza “licenciamento por pressão política” e colide com a Constituição (arts. 170, VI, e 225).
  • Enfraquecimento da participação dos povos e comunidades tradicionais (PCTs). Aproteção ainda é restrita. Houve avanço parcial no PL 3.834/2025 ao reconhecer estágios anteriores de demarcação/regularização de territórios indígenas e quilombolas, mas os povos e comunidades tradicionais sequer são mencionados e a proteção continua condicionada a papéis que o próprio Estado muitas vezes não emite. A consulta livre, prévia e informada (OIT 169) não pode depender disso.
  • Possibilidade de audiência pública remota, considerada pela frente como uma forma de fragilizar o controle social e excluir populações dos espaços de participação, sobretudo aqueles com dificuldade de acesso a internet.
  •  Revogação do §2º do art. 6º da Lei 7661/1988, Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que prevê:

“Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.

[…]

§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.”

  • Licenciamento ambiental especial, licença simplificada para atividades de “baixo” impacto.  A frente considera que “a combinação LAE monofásica, LAC com análise “por amostragem” e renovação automática por autodeclaração reduz a avaliação técnica a uma lista padronizada formal, quando ela deveria guiar o projeto e ajustar condicionantes. Isso eleva a probabilidade de erros, omissões e desastres.”
  • Validade de licenças por até 10 anos para a Licença Operacional Corretiva, Licença Ambiental Única e Licença Ambiental Especial. A Frente alerta para o fato de que o alongamento do prazo para até 10 anos em licenças de instalação/ operação especiais “descola o controle do ciclo real de impactos e da incerteza climática” e defende a “redução de prazos, com revisões intermediárias obrigatórias e gatilhos de reavaliação por risco”.
  • Outro ponto de atenção destacado pela frente é a renovação automática inclusive para médio porte que, pela proposição, se daria por autodeclaração eletrônica, inclusive para pequeno ou médio porte de baixo potencial, e retiraria do órgão licenciador o papel de verificar cumprimento de condicionantes, e se daria na confiança da “boa-fé” do empreendedor — abrindo brechas para omissões e falsas declarações.
  • Exclusão da responsabilidade de instituições financeiras por danos ambientais. Segundo a nota técnica elaborada pela frente, tanto o PL vetado como o projeto enviado pelo governo excluem a responsabilidade de “bancos por danos ambientais causados por atividades financiadas quando eles tiverem solicitado a licença ambiental”. O documento destaca ainda que é um dever das instituições financeiras “verificar também autorizações para supressão de vegetação, outorgas para uso de recursos hídricos, se há autos de infração junto a órgãos ambientais federais e estaduais, se há investigações junto ao Ministério Público e processos judiciais cíveis ou criminais em matéria ambiental, bem como se há sobreposição com unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas, florestas públicas não destinadas.”
  • Necessidade de proteção da Lei 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica) a partir da manutenção integral dos vetos. Segundo a frente tal medida evitaria a abertura de brechas aptas a provocar a “supressão irregular de vegetação nativa em um dos biomas mais ameaçados do país. Esses vetos também preservam unidades de conservação e a integridade de ecossistemas frágeis, alinhando o Brasil a compromissos climáticos e de biodiversidade”.
  • Isenção de municípios. A Frente chama a atenção para o fato de que a permissão para que municípios assumam a responsabilidade pelo licenciamento de atividades de impacto local representa um equívoco, tendo em vista que essa mudança pode levar a um desmantelamento das leis ambientais, principalmente se considerarmos que esses entes estariam mais vulneráveis a pressões do agronegócio e de outros setores econômicos.
  • Ampliação do poder de Estados e Municípios. O regramento previsto no PL da devastação concede poder para esses entes da federação criarem sua própria lista de isenção de licenciamento, o que poderá fazer com que surja uma verdadeira guerra ambiental a partir da criação de leis mais frágeis e mais flexíveis para atrair investidores e projetos com potencial de impacto ambiental.

Os pontos anteriormente destacados representam apenas alguns dos retrocessos presentes na proposição legislativa, e que tem sido objeto de enfrentamento por ambientalistas, especialistas e organizações da sociedade civil, e representam uma efetiva ameaça ao processo de licenciamento ambiental, abrindo brechas para impactos imensuráveis e possivelmente irreversíveis.

Durante a COP30 o Brasil reafirmou o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030 e o desmatamento geral até 2035. Para a Repórter Brasil, é inequívoco que a derrubada dos vetos apresentados ao PL da Devastação representaria uma contradição em relação às metas estabelecidas durante a Conferência, de forma que a manutenção desses vetos é um dever do Congresso Nacional, sob pena de ofuscar ou até mesmo fazer desaparecer o protagonismo mundial do Brasil na proteção ao meio ambiente e no combate às mudanças climáticas.

Por todo o exposto, a Repórter Brasil espera que não apenas os parlamentares da Frente Parlamentar Mista Ambientalista e da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas votem pela MANUTENÇÃO dos vetos apresentados pela Presidência da República, mas sim todos os parlamentares evitando o MAIOR RETROCESSO das últimas décadas das normas que regulam o licenciamento ambiental e protegem o meio ambiente e a natureza.

Brasília, 25 de novembro de 2025.

Repórter Brasil

Programa de Pesquisa e Impacto Social

Contato: Carlos Eduardo Chaves Silva, assessor de projetos, programa de pesquisa e impacto social –  [email protected]


[1] https://www.frenteambientalista.com/posicionamentotecnicolegislativo

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