PELA PRIMEIRA VEZ, a conferência climática promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas) conta com uma enviada especial responsável por conduzir as discussões sobre os oceanos: a bióloga e professora brasileira Marinez Scherer.
Responsáveis por mais de 70% da superfície do planeta e pela absorção de cerca de 30% do carbono liberado na atmosfera, os oceanos ainda ocupam papel secundário nas negociações sobre o aquecimento global.
A expectativa de Marinez Scherer é que a COP30, em Belém, altere esse quadro. “O oceano é parte fundamental das soluções para evitar e mitigar o aquecimento global”, afirma, em entrevista exclusiva à Repórter Brasil.
Coordenadora do Laboratório de Gestão Costeira Integrada da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), ela é uma das 29 especialistas escolhidas como interlocutoras para debates de temas ou localidades consideradas estratégicas para a COP30. Também foi a segunda a discursar para os líderes mundiais, reforçando a relevância que a conferência pretende dar aos oceanos.
“O resultado ideal, e o único com que trabalhamos, é incluir o oceano no tratado final da COP30, que haja consenso sobre sua importância e que ações concretas serão tiradas do papel imediatamente e que haverá financiamento para isso. Nos nossos cálculos, que mostramos no Pacote Azul, são necessários US$116 bilhões”, complementa.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
A COP30 será como a “COP dos oceanos”. Para você, faz sentido essa alcunha?
Com certeza! Pela primeira vez, o oceano entrou de forma destacada numa Cúpula do Clima, que aconteceu nos dias 6 e 7 passados e reuniu mais de 50 chefes de Estado e líderes mundiais. Eu tive a honra de participar da abertura dessa cúpula para falar sobre a importância dos mares no combate à crise climática, já que são os principais reguladores climáticos do planeta.
Claramente é uma vitória política para quem entende que o oceano é parte fundamental das soluções para evitar e mitigar o aquecimento global. E posso garantir que ela não veio de uma hora para outra, foi –e continua sendo—resultado de um trabalho imenso e conjunto de convencimento.
Posso citar a como um passo fundamental neste caminho a realização da 3ª Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3), conhecida como a “COP dos Oceanos” realizada na França em junho de 2025, que reuniu líderes mundiais, sociedade civil e setor privado para debater a conservação dos oceanos e acelerar a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14). Nela, França e o Brasil lançaram o “Desafio das NDCs Azuis”, iniciativa para incluir os oceanos no centro do debate sobre o clima nas metas nacionais de redução de emissões (NDCs) e que já recebeu adesão de dezenas de outros países.

A presidência da COP30 também apoia essa visão, o que foi fundamental para que o oceano fosse alçado ao mesmo patamar de importância que florestas e transição energética têm neste debate. Não por menos, o presidente Luís Inácio Lula da Silva presidiu duas sessões temáticas na Cúpula do Clima: uma sobre energia e a outras, sobre florestas e oceano.
Se sim, por quê? O que essa COP sobre oceanos que outras não tiveram?
Apoio amplo e claro de lideranças em diversos níveis, espaço para discussões científicas que envolvem o oceano como parte fundamental de medidas para combater a crise climática.
E, além disso, para esta COP30 foi preparado o Pacote Azul (Blue Package), que reúne centenas de ações e projetos já implementados ao redor do mundo que comprovadamente trazem resultados positivos na preservação do Oceano.
Não precisamos reinventar a roda neste sentido, assim ganhamos tempo –algo cada vez mais precioso diante da emergência climática– e já podemos avançar com dados concretos. No Brasil, por exemplo, já temos rodando e funcionando os projetos Restauração e Proteção de manguezais e de corais; Planejamento Espacial Marinho; e Gestão Costeira.
Qual sua expectativa sobre o resultado da COP30 sobre os oceanos?
A melhor possível! Uma etapa fundamental foi concluída com sucesso: alçar o oceano como protagonista no combate à crise climática ao lado de florestas e transição energética. Como falei, foi uma vitória conquistada com muito trabalho de convencimentos, mas os dados científicos são claros e, apesar de ainda haver importantes resistências negacionistas, a maioria entende que vivemos uma emergência.
O resultado ideal, e o único com que trabalhamos, é incluir o oceano no tratado final da COP30, que haja consenso sobre sua importância e que ações concretas serão tiradas do papel imediatamente e que haverá financiamento para isso. Nos nossos cálculos, que mostramos no Pacote Azul, são necessários US$116 bilhões [por ano].

Por que os oceanos precisam ser considerados nas discussões sobre mudanças climáticas?
Por ser o principal regulador climático do planeta. O sistema costeiro absorve 90% do calor excedente do planeta, retém 25% das emissões de CO₂ e produz cerca de 50% do oxigênio que respiramos.
Proteger o oceano é proteger a vida — e incluí-lo como prioridade na COP30 é uma decisão não apenas ambiental, mas também econômica, geopolítica e humanitária.
Mais de 3 bilhões de pessoas dependem do oceano para seu sustento, e a economia oceânica é avaliada em quase US$4 trilhões de dólares por ano, o que representa até 5% do Produto Interno Bruto (PIB) global.
No entanto, a elevação do nível do mar, o aquecimento das águas, a acidificação e a falta de oxigênio estão impactando a pesca, colapsando ecossistemas e prejudicando as economias costeiras.
Se continuarmos no caminho atual, as regiões costeiras correm o risco de perder até 20% do seu PIB até o final do século, apenas devido à elevação do nível do mar. Este não é um problema para o futuro — são os riscos econômicos e sociais de hoje.
E, ainda assim, menos de 1% do financiamento climático apoia soluções para os oceanos. Isso precisa mudar.
Ao trazer o tema para o centro das discussões da COP30, o Brasil dá um passo simbólico e prático rumo à implementação daquilo que as últimas cúpulas apenas esboçaram: uma governança climática verdadeiramente integrada. Florestas, energia e oceano compõem, juntos, a tríade essencial da transição ecológica global.