Ruralistas querem replicar modelo da ‘Agrizone’ na próxima COP, na Turquia

Setor cresce em delegados na conferência do clima da ONU, amplia articulação fora da zona oficial da cúpula e planeja exportar modelo da Agrizone para a COP31 na Turquia
Por Hélen Freitas

DE BELÉM — A força institucional do agronegócio brasileiro ganhou nova dimensão na COP30, marcada pela atuação conjunta entre a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e a estatal Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e pela presença maciça de representantes do setor. 

Lideranças ruralistas já falam inclusive em replicar o modelo da Agrizone, espaço paralelo aos pavilhões oficiais da COP30 e inteiramente dedicado ao agronegócio, na próxima conferência, na Turquia.

A confederação do agro, com 36 delegados em Belém — um aumento de 140% em relação aos 15 enviados à COP29 —, aparece entre os grupos que mais ampliaram sua presença na conferência, segundo levantamento da Repórter Brasil com informações do jornal britânico DeSmog. 

A CNA consolidou, nesta COP, uma aliança visível com a Embrapa. A empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura atuou como porta-voz científica para o agronegócio ao longo de diversos painéis.

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“A Embrapa tem que falar mais”, afirmou Daniel Carrara, diretor-geral do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem rural, ligado à CNA), durante o evento de abertura do pavilhão da confederação na Agrizone

Segundo ele, a estatal precisa levar a mensagem do agronegócio brasileiro ao mundo. “Não adianta ser o produtor rural, o Senar, tem que ser a Embrapa com a sua credibilidade e com o seu conhecimento”, disse.

A Embrapa participou de ao menos 11 painéis no pavilhão da CNA, apresentando estudos inéditos e assumindo o papel de referência técnica para o setor. Somadas, CNA e Embrapa levaram 48 representantes à COP30.

Políticos, empresários e até a rainha da Dinamarca passam pela Agrizone

A Agrizone se tornou o principal espaço de articulação do agronegócio durante a COP30, e boa parte dessa movimentação ocorreu fora das regras formais da UNFCCC, órgão da ONU que organiza a conferência.

Dos 95 painelistas do pavilhão da CNA, 56 não estavam registrados como delegados oficiais. Os dados mostram que 58,9% dos expositores não tinham acesso à zona azul, onde as negociações acontecem. Entre eles estavam grupos como a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), que não constava da lista oficial, mas utilizou o pavilhão como base de atuação política.

O espaço também recebeu corporações que não estavam credenciadas na COP, como a Mars, além de empresas e associações registradas que ampliaram sua presença ali, entre elas a UPL, PepsiCo, American Feed Industry Association e US Dairy Export Council. 

Churrasco da indústria da carne na COP30 tinha o objetivo, segundo o convite, de “destacar a excelência da carne bovina brasileira” (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Churrasco da indústria da carne na COP30 tinha o objetivo, segundo o convite, de “destacar a excelência da carne bovina brasileira” (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

A localização da Agrizone — a apenas 10 minutos da zona azul no ônibus oficial — contribuiu para que ela funcionasse como ponto de encontro constante entre lobistas, empresas e representantes internacionais.

A dinâmica atraiu autoridades e negociadores de alto nível. Segundo registros internos, passaram pelo local toda a equipe de negociadores franceses, a rainha da Dinamarca, o CEO da Nestlé Brasil, diplomatas da Holanda e do Reino Unido, além de representantes do Itamaraty, como o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30. Até 17 de novembro, o espaço já havia recebido 10.953 visitantes.

A narrativa predominante ali era unificada: “o agro tem a solução para a mudança do clima”, como registram as notas de campo da programação. A mensagem foi reforçada por dirigentes que circularam pelo espaço, incluindo parlamentares da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Segundo registros da UNFCCC, 57 deputados e senadores da bancada ruralista estavam credenciados para participar do espaço de negociação da ONU.

Em meio a esse movimento, vozes do setor internacional elogiaram o modelo brasileiro. “Posso dizer que não vi uma COP onde a agricultura fosse colocada mais no centro do que no Brasil, então isso é algo que temos que levar para a próxima”, disse Luísa Volpe, chefe de políticas da WFO (World Farmers Organization).

Nos bastidores, entidades como a CNA se preparam para discutir a exportação do formato para a COP31, prevista para ocorrer na Turquia — país com forte produção pecuária e agrícola. Dirigentes do setor consideram que replicar a Agrizone ali consolida a presença internacional do agro nas futuras negociações climáticas. 

“Nós temos um ano em que o Brasil continuará presidente da COP. Vamos pensar isso com uma agenda proativa para o agro e para a questão ambiental”, afirmou o deputado Arnaldo Jardim no painel de encerramento da CNA.

Manuel Otero Ibrahim, diretor-geral do IICA (Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola), reforçou: “Usem o papel de vocês na presidência para influenciar os outros países, os outros governos, para que não desapareça essa cultura agora que ela finalmente entrou na agenda”.

Ambientalistas questionam lobby do agronegócio sobre políticas oficiais da COP

A presença ampliada de entidades alinhadas ao agronegócio tem sido observada com atenção por especialistas da sociedade civil, que veem impacto direto na forma como os governos negociam e definem propostas dentro da conferência.

“A presença do setor privado [na COP] tem a ver com processo de lobby pesado para que os diferentes governos tenham mais restrições nas propostas que eles aceitam”, afirma Elisabetta Recine, presidenta do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). 

“Se você fechar o olho e ouvir algumas pessoas falando sobre o que precisa ser feito, como vai ser feito, quem vai participar, você acha que está tudo muito bem. Mas a questão não é o discurso, a questão é a prática”, complementa.

Ativistas protestam em frente à Agrizone na COP30 contra Bayer e Nestlé (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Ativistas protestam em frente à Agrizone na COP30 contra poluição por agrotóxicos no Brasil (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Recine afirma ser necessário “olhar por trás dos discursos” para entender o que de fato se entrega, ressaltando a urgência de ampliar participação e transparência. “Há uma urgência de que as pautas sejam abertas, que os processos sejam abertos e que a participação seja muito mais ampliada e representativa”, afirma.

O enviado especial da agricultura familiar para a COP30, Paulo Petersen, também aponta assimetrias. Ele afirma que a forma como o mercado se estruturou empurra pequenas agricultoras e agricultores para uma lógica que não corresponde ao seu modo de vida. 

“A gente está perdendo uma cultura que organiza uma outra economia, que é a agricultura familiar. E essa agricultura familiar está sendo empurrada para funcionar como o agronegócio”, argumenta.

Segundo Petersen, as soluções apresentadas por grandes empresas se baseiam na lógica de mercado e tecnologia, enquanto a agricultura familiar opera sob outro paradigma, construindo seus próprios circuitos econômicos. 

Para ele, o agronegócio busca no curto prazo maximizar taxas de lucro, enquanto a agricultura familiar representa uma economia “que tem embutida uma concepção de sustentabilidade”, porque precisa preservar o território para as próximas gerações.

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Entrada da Agrizone, espaço de discussões sobre o agronegócio na COP30, em Belém do Pará (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
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