Dia do Índio

Agenda Indígena paulistana quer tirar povos da invisibilidade

Lideranças indígenas, Secretaria do Trabalho da Prefeitura de São Paulo e organizações não-governamentais participaram nesta sexta-feira (13) do lançamento da programação da Agenda, que pretende ser permanente
Por Beatriz Camargo
 14/04/2007
Índio kariri-xocó dançando no evento do lançamento da Agenda Indígena (Fotos:Raoni Miranda)

A Agenda Indígena de São Paulo, lançada nesta sexta (13), no Memorial da América Latina, na capital paulista, propõe uma nova visão sobre os chamados índios urbanos, fugindo de estereótipos com temas como "Indígenas nas empresas" e "O índio da cidade e a mídia". A programação foi elaborada pela Comissão Indígena, criada para a organização da Agenda e vinculada à Secretaria do Trabalho da Prefeitura de São Paulo (SP), através da Comissão Intersecretarial para Monitoramento e Gestão de Gênero e Raça (CIM- Diversidade). O grupo reúne diversos representantes de etnias indígenas que vivem na cidade e a ONG Opção Brasil, que trabalha com índios na Grande São Paulo (SP).

A Agenda Indígena prevê eventos nas quatro regiões de São Paulo. "Queremos despertar a população para o índio que mora, trabalha ou estuda a seu lado", conta Marcos Júlio Aguiar, coordenador do projeto Índios na Cidade, da Opção Brasil e membro da Comissão Indígena. Além dos eventos da programação de abril, a Comissão prevê, pelo menos, um evento por mês no município até o próximo Dia do Índio, em 19 de abril de 2008.

Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem cerca de 35 mil indígenas vivendo na Grande São Paulo, 25 mil apenas na capital paulista. Entretanto, a experiência da Opção Brasil têm mostrados que o número é muito maior: a entidade estima que haja pelo menos 50 mil indígenas na Grande São Paulo. "Pelas nossas pesquisas, conhecemos muita gente que não foi entrevistada", explica Marcos. Outra hipótese é que os entrevistados não tenham se identificado como indígenas.

"A maior dificuldade do indío que vive na cidade é ser reconhecido como tal. Ele tem que ser identificado pelo que é e não pelo que a sociedade quer que ele seja", expõe o coordenador. Nesse sentido, ele defende ações que tirem o índio da invisibilidade e mostrem que existe, sim, uma população indígena nas grandes metrópoles e que ela necessita de políticas especiais. "Existem muitas ferramentas que ajudam a quebrar o preconceito. A mídia é um grande recurso, mas muito pontual. Outro é a educação: como representantes indígenas, podemos participar da formação de professores da rede pública", exemplifica.

Uma outra iniciativa é o índio incentivar seus parentes da área urbana a se identificarem como tal. Para o próximo Censo do IBGE, em 2010, Marcos Aguiar planeja uma campanha "Índio, mostre a sua cara". A ONG está conversando com prefeituras para realizar censos indígenas.

Desaldeados
O historiador Maurício Fonseca, membro do Fórum Permanente de Culturas Populares, considera que comunidades desaldeadas – fora de sua aldeia – merecem mais atenção porque lutam para tentar manter sua cultura numa situação adversa. "Não há espaço para plantar, para praticar os rituais". "Na cidade, a gente vive como branco e não como índio. Muitos não falam que são indígenas porque, se o fizerem, não serão aceitos no emprego, ou então ganharão menos", lamenta Marcílio da Silva, liderança da etnia atikun e estudante de engenharia. "Garanto que, se tivesse recurso na aldeia, não tinha nenhum índio morando em São Paulo".

Dimas Joaquim, liderança da etnia pankararu, que conta com uma comunidade de cerca de 116 famílias na favela do Real Parque, lembra que a migração de seu povo, de Pernambuco a São Paulo, data dos anos 50. Segundo Dimas, eles ajudaram inclusive na construção do Estádio do Morumbi. "A gente está numa capital tão rica e que não faz nada pela população indígena." "Se temos orgulho de estar na cidade é por sermos guerreiros, lutando para sobreviver e ajudar a família", desabafa.

Invisibilidade
Segundo Dojival Vieira, presidente da CIM-Diversidade e representante no evento do secretário municipal do trabalho, Geraldo Vinholi, o objetivo da Agenda é sensibilizar a sociedade civil e o Estado para o enfrentamento do preconceito. "A cidade precisa saber que existem cerca de 50 mil índios aqui, vivendo, estudando, trabalhando para que a cidade cresça", desafia. "A idéia é que a gente vá crescendo até que não possam dizer que não nos vêem."

A CIM-Diversidade propõe fazer, até o final de 2007, um mapeamento da população indígena na Grande São Paulo, que vai ajudar a estabelecer quantos são e onde estão os índios, o primeiro passo para a cobrança de políticas públicas. Outra iniciativa que o órgão quer implementar é a Casa do Indígena, uma oportunidade de afirmar a cultura fora da aldeia, além de gerar emprego e renda.

Índio pankararé e kariri-xocó dançam juntos. O evento pregou a união dos índios da cidade para reivindicar direitos ao Estado

Autonomia e união
O historiador Maurício acredita que a dívida histórica com a população indígena precisa ser resgatada, mas que isso só poderá ocorrer se houver uma organização e articulação que não dependam de mudanças de governos e políticas. O atikun Marcílio também acredita na força da união. "Espero que todas as etnias possam se fortalecer, para podermos brigar por nossos direitos". "O governo fala que os índios ‘vêm pedir' e não nos atende. Na verdade, nós vamos é exigir o que sabemos que é direito nosso, e o poder público também sabe."

Entre as pautas mais urgentes à comunidade indígena urbana, está a falta de espaços para a prática da cultura tradicional. A saúde é outra grande luta: a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) possui apenas três postos de atendimento na Grande São Paulo.

Na área da educação, muitos movimentos reivindicam que as crianças indígenas que vivem na cidade tenham acesso a escolas diferenciadas, como já existem em alguma aldeias. Para Maurício Fonseca, a escola indígena é um espa&
ccedil;o de fortalecimento da cultura, onde os índios, morando em sua aldeia ou não, podem discutir a sua sustentabilidade. Mas isso não quer dizer que a cultura indígena não deva estar nas demais escolas. "Cultura popular e indígena, baseadas na oralidade, nunca foram consideradas conhecimento. É preciso haver uma valorização desses conceitos".

Veja a programação da Agenda

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