DE BELO HORIZONTE (MG) – Apontado pela Polícia Federal como líder de um esquema criminoso na mineração em Minas Gerais, o empresário Alan Cavalcante do Nascimento comprou imóveis vizinhos aos de duas juízas responsáveis por processos que o interessavam. O gesto foi visto pelos policiais como tentativa de intimidação às magistradas, uma das razões do pedido de prisão do executivo.
Nascimento é o principal alvo da Operação Rejeito, deflagrada nesta quarta-feira (17) para investigar fraudes em licenças ambientais, propina a servidores e lavagem de dinheiro que movimentaram bilhões no setor de mineração em Minas Gerais.
O empresário levava uma vida social agitada. Ele é dono de uma mansão de três andares em Maceió (AL), com piscina, heliponto, lago artificial e carpas no jardim, onde costuma promover festas para centenas de convidados com shows de artistas famosos. Em junho de 2023, ele foi fotografado ao lado de Neymar durante um leilão beneficente do jogador, no qual arrematou um blazer, um colar e um rolex por R$ 1,2 milhão.
Segundo a Polícia Federal, entre os métodos usados por Alan Cavalcante para influenciar seu entorno estava a compra de imóveis vizinhos aos de magistradas que atuavam em processos contra seus negócios. Ele adquiriu um apartamento no mesmo prédio da juíza federal Gabriela de Alvarenga Silva Lipienski, responsável pela ação penal da Operação Poeira Vermelha, na qual ele foi investigado em 2020. Comprou também uma casa em frente à residência da juíza estadual Anna Carolina Goulart Martins e Silva.
A Justiça Federal considerou os atos como tentativa de interferência no Poder Judiciário e classificou a conduta como “intimidação institucional”. Determinou o sequestro do apartamento e o despejo imediato do imóvel, considerado um “instrumento da prática criminosa”.

Desde quarta-feira, a PF cumpriu 22 mandados de prisão preventiva e 79 de busca e apreensão. Houve bloqueio de bens, suspensão de atividades de empresas e diligências em órgãos públicos do governo estadual, inclusive na Cidade Administrativa, sede do governo mineiro.
A reportagem entrou em contato com o advogado de Alan, Sânzio Baioneta, que não quis se manifestar.
Além de Alan, foram presos servidores de alto escalão, incluindo um ex-superintendente da PF em Minas Gerais, um diretor da ANM (Agência Nacional de Mineração) e o ex-presidente da Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente).
Também foi detido Gilberto Henrique Horta de Carvalho, acusado de atuar como lobista da organização criminosa junto a órgãos públicos. Carvalho mantém relações com expoentes da extrema-direita nacional, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que o apoiou em sua candidatura ao CREA-MG em 2023, assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), conforme revelou a Repórter Brasil.
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Tentativas de convívio social com juízas e secretária de governo
As decisões judiciais ressaltam que a compra dos imóveis vizinhos às juízas fazia parte de um conjunto de ações pelo líder do esquema voltadas a dificultar a persecução penal e pressionar autoridades. A compra do apartamento de luxo, em agosto de 2023, ocorreu apenas quatro meses depois de a juíza Gabriela Lipienski receber a denúncia contra Alan e outros integrantes do grupo.
As informações foram corroboradas pelo depoimento da ex-mulher de Alan, ao qual a Repórter Brasil teve acesso. Ela disse às autoridades que a escolha do imóvel foi proposital. “Ele estava olhando o apartamento no prédio e depois eu fui saber que era ela (a juíza) que morava lá, mas ele já tinha comentado que tinha que ser no mesmo prédio da juíza”, relatou.
A decisão judicial concluiu que a aproximação visava “criar vínculo de forma a evitar a persecução penal ou como forma de intimidação da magistrada”. Em outro episódio, Alan comprou uma casa em frente à de Anna Carolina Goulart Martins e Silva, juíza da vara criminal de Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Segundo a ex-esposa, ele tentou estabelecer “relações pessoais de vizinhança com a magistrada”. A principal empresa de Alan, a Fleurs Global, operava unidades de tratamento de minério em Raposos, Nova Lima e Sabará, exatamente na jurisdição da juíza.
A PF encontrou ainda uma planilha com nomes de autoridades monitoradas, entre elas a procuradora da República Silmara Cristina Goulart e as juízas Kellen Cristini de Sales e Souza e Ana Paula Lobo Pereira de Freitas.
A ex-mulher relatou que, após a deflagração da Operação Poeira Vermelha, em 2020, Alan mandou destruir provas. Pediu a um funcionário que sumisse com livros e pastas pretas e orientou um sócio a queimar documentos.
Ela também disse que o ex-marido mantinha malas com “dez milhões de dólares” em espécie em um apartamento em Maceió e contou que foi instruída a se aproximar socialmente da secretária de Meio Ambiente de Minas Gerais
A decisão registra “diversos boletins de ocorrência lavrados em desfavor de Alan Cavalcante”, com referência a “ameaças, violência doméstica e ameaça de morte”. Os episódios, segundo as decisões judiciais, compõem o perfil intimidador do empresário e reforçam a necessidade das medidas cautelares adotadas.

Líder do esquema tomava decisões no WhatsApp
Alan é apontado pela PF como coordenador geral da organização criminosa. Ele centralizava decisões e interlocuções em um grupo de WhatsApp chamado “Três Amigos Mineração” e controlava pagamentos para viabilizar licenças e negócios..
A Fleurs Global, sua principal empresa, concentrou valores brutos superiores a R$ 4 bilhões entre 2019 e 2024; os autos indicam repasses diretos e indiretos ao investigado.
As operações de Alan alcançaram projetos como a Mina Patrimônio, em Ouro Preto, citada por envolvimento com servidores ambientais; o Projeto AIGA, que buscava se apropriar de rejeitos da Vale por meio de mudança normativa na ANM; e o Projeto Topázio Imperial, que incluía a barragem Água Fria — classificada pelo MPF como uma das de maior risco do país.
As decisões judiciais apontam que esses empreendimentos foram sustentados por repasses financeiros associados a processos de licenciamento e cessões minerárias.
O perfil descrito nos autos coincide com o já retratado pela revista piauí em outubro de 2023. A reportagem mostrou que Alan organizava festas de réveillon em sua mansão de três andares no condomínio Laguna Heliport, em Maceió, com pool parties e passeios de catamarã; em 2022, a banda Saia Rodada se apresentou para cerca de 500 convidados.
Também descreveu um aniversário em que Alan chorou durante show da dupla sertaneja César Menotti & Fabiano ao ouvir o trecho da canção Tá chorando por quê?: “Lembra de onde você veio e aonde que você chegou/Lembra de todos os livramentos que você já passou/Nem era para você estar aqui/Mas Deus falou assim:/Esse aí vou levantar/E onde colocar a mão ele vai prosperar.”
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