Governo Lula recua e exonera familiar de senador bolsonarista após pressão Kayapó

Familiar do senador Zequinha Marinha (Podemos-PA), Casimiro Marinho foi exonerado do comando de órgão de saúde indígena no Sul do Pará após pressão de indígenas, incluindo vídeo do cacique Raoni pedindo ao presidente para “corrigir o erro”
Por Daniel Camargos | Edição Carlos Juliano Barros
 07/10/2025

O GOVERNO LULA recuou e determinou, nesta terça-feira (7), a exoneração de Casimiro Marinho do comando do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Kayapó do Pará, unidade do Ministério da Saúde responsável por coordenar o atendimento médico em dezenas de aldeias no sul do estado. A decisão foi assinada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e publicada no Diário Oficial da União.

A medida atende à reivindicação do povo Kayapó, que protestava há dez dias contra a nomeação de Casimiro. O movimento incluiu a ocupação da sede do DSEI em Redenção (PA), pressão política em Brasília e um vídeo do cacique Raoni Metuktire, uma das maiores lideranças indígenas do país, pedindo que Lula “corrigisse o erro”.

Casimiro Marinho é parente do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e assumiu o cargo com apoio de setores políticos ligados ao parlamentar, que foi derrotado na última eleição para o governo do Pará, em 2022, com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Casimiro disse à Repórter Brasil que sua nomeação resultou de “um processo amplo”, com abaixo-assinados de comunidades. Ele afirmou não ser bolsonarista, como alegam as lideranças contrárias ao seu nome, e se apresentou como advogado do PT em Redenção, de esquerda e filiado ao partido. Reconheceu o parentesco com o senador, mas disse que “cada um constrói sua história”.

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O governo comunicou o recuo na tarde de segunda-feira (6), em reunião na SRI (Secretaria de Relações Institucionais), em Brasília. Quatro representantes Kayapó — Akjaboro, Ireô, Kapranpoi e Kokokay — participaram do encontro, junto com oito representantes do MPI (Ministério dos Povos Indígenas), da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e da Fepipa (Federação Estadual dos Povos Indígenas do Pará). 

Segundo os presentes, chegou durante a reunião uma mensagem do presidente Lula determinando a exoneração de Casimiro e o atendimento à escolha das comunidades. O nome de Kokokay Kayapó, indicado em assembleia nas aldeias, foi confirmado como consenso entre as lideranças, e o ministro Padilha assinou o ato de dispensa logo em seguida. 

A nomeação de Kokokay ainda não foi publicada, mas deve sair nos próximos dias, segundo representantes Kayapó.

Após a reunião, os indígenas deixaram o ministério cantando e marchando, de braços dados,  pela Esplanada. Em Redenção, os dezenas de Kayapó que ocupavam o DSEI também  celebraram com dança e música.

Pressão indígena leva governo a rever nomeação para cargo na saúde

Os protestos começaram em 25 de setembro, com a nomeação de Casimiro. No dia seguinte, lideranças Kayapó ocuparam a sede do DSEI, afirmando que o governo havia descumprido o direito de consulta prévia previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que obriga o Estado a ouvir os povos indígenas em decisões que os afetam diretamente.

Mulheres Kayapó ocupam Distrito Sanitário Especial Indígena em Redenção, no Sul do Pará, contra nomeação de novo chefe do órgão (Foto: Arquivo Pessoal)
Mulheres Kayapó ocupam Distrito Sanitário Especial Indígena em Redenção, no Sul do Pará
(Foto: Divulgação / Kayapó)

As comunidades também defenderam que a coordenação da saúde indígena deve ser exercida por lideranças indicadas pelo próprio povo, de acordo com os protocolos de consulta do povo Mẽbêngôkre (Kayapó).

As lideranças Kayapó contestaram a versão e lembraram que o irmão de Casimiro, Lázaro Marinho, já havia chefiado o DSEI entre 2017 e 2020, quando foi exonerado após protestos indígenas. A presença da mesma família no comando do órgão reacendeu críticas antigas. “Os caciques não aceitam a família Marinho na gestão indígena”, disse Baju Kayapó, presidente do Instituto Nhak, que reúne 35 caciques da região. “Nossa saúde não pode ser usada como moeda política”, completou.

A crise se intensificou quando Raoni Metuktire divulgou um vídeo dirigido a Lula e ao ministro Padilha. “Soube que nomearam um bolsonarista no DSEI Kayapó do Pará. Ele não vai cuidar bem de nossas comunidades. Peço o apoio do ministro e o seu apoio para corrigir esse erro”, afirmou o líder. O vídeo circulou amplamente nas redes sociais e entre organizações indígenas, aumentando a pressão sobre o governo.

Raoni é um dos maiores símbolos da luta indígena no Brasil. Cacique do povo Kayapó, vive na Terra Indígena Capoto Jarina (MT) e se tornou uma das principais vozes internacionais contra o desmatamento da Amazônia. Durante a campanha de 2022, declarou apoio a Lula em entrevista à Repórter Brasil e subiu a rampa do Planalto ao lado do presidente na posse de 2023.

A pressão também veio de diversas entidades. A Fepipa e a Associação Floresta Protegida, que representa 43 aldeias Kayapó, divulgaram notas de repúdio à nomeação. 

Enquanto a crise se agravava, Kokokay Kayapó emergiu como o nome de consenso entre as comunidades. Filho do líder histórico Kubey Kayapó, ele foi escolhido em reunião interna das aldeias e apresentado ao governo como candidato legítimo.

Em vídeos gravados durante os protestos, Kokokay afirmou que a nomeação de Casimiro equivalia a “colocar um invasor para guardar a maloca”. Disse ainda que o movimento pela troca não era político, mas “uma defesa do direito de o povo decidir quem cuida da sua saúde”. No encontro de segunda-feira em Brasília, Kokokay esteve ao lado das principais lideranças da mobilização. 

Terra Indígena Kayapó foi a mais devastada pelo garimpo

O senador Zequinha Marinho, parente de Casimiro e apontado pelas lideranças indígenas como influência na nomeação, disse, em nota enviada à Repórter Brasil, que atua para “ampliar a cidadania e assegurar mais direitos aos povos indígenas”.

Citou projetos de sua autoria, como  a PEC 10/2024, que permite aos indígenas explorarem e comercializarem sua própria produção, e o PL 2973/2023, que autoriza a outorga de lavra garimpeira em áreas já mineradas. Segundo ele, as propostas fortalecem a autonomia econômica dos povos originários e promovem o desenvolvimento sustentável.

Senador Zequinha Marinho é alvo de críticas por defender a exploração econômica de terras indígenas (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

A influência de Zequinha, pastor evangélico e um dos principais nomes da bancada ruralista, sempre foi motivo de preocupação entre os Kayapó. Em dezembro, ele classificou a COP 30, que será realizada em Belém, como “ecoterrorismo ambiental”.

No caso da Terra Índigena Kayapó, a Polícia Federal aponta que políticos e policiais ligados a esquemas de garimpo ilegal tiveram em Zequinha um aliado. Em 2020, Pedro Lima dos Santos, acusado de chefiar a extração e o “esquentamento” de mais de 3 toneladas de ouro ilegais retiradas da terra indígena, relatou ter sido recebido pelo senador em Brasília e o descreveu como “solidário” à causa dos garimpeiros.

A TI Kayapó, no sul do Pará, é uma das mais afetadas pelo garimpo ilegal na Amazônia. Entre 2018 e 2022, o garimpo devastou 13,7 mil hectares de floresta, segundo dados do MapBiomas. Parte do ouro extraído dessas áreas foi rastreada pela Repórter Brasil e chegou a cadeias globais, envolvendo empresas como Apple, Google, Microsoft e Amazon.

Em 2025, o governo concluiu a primeira etapa da desintrusão no território, com 1.384 estruturas ilegais destruídas e redução de 95% no desmatamento, segundo o Ministério dos Povos Indígenas. A coordenadora regional da Funai, O-é Kaiapó Paiakan, alertou, porém, que facções criminosas seguem atuando na região e que são necessárias ações permanentes de fiscalização.

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Reunião realizada na tarde de segunda-feira (6) na Secretaria de Relações Institucionais que definiu a exoneração de Casimiro Marinho do DSEI Kayapó (Foto: Divulgação / Kayapó)
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