O GOVERNO LULA recuou e determinou, nesta terça-feira (7), a exoneração de Casimiro Marinho do comando do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Kayapó do Pará, unidade do Ministério da Saúde responsável por coordenar o atendimento médico em dezenas de aldeias no sul do estado. A decisão foi assinada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e publicada no Diário Oficial da União.
A medida atende à reivindicação do povo Kayapó, que protestava há dez dias contra a nomeação de Casimiro. O movimento incluiu a ocupação da sede do DSEI em Redenção (PA), pressão política em Brasília e um vídeo do cacique Raoni Metuktire, uma das maiores lideranças indígenas do país, pedindo que Lula “corrigisse o erro”.
Casimiro Marinho é parente do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e assumiu o cargo com apoio de setores políticos ligados ao parlamentar, que foi derrotado na última eleição para o governo do Pará, em 2022, com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Casimiro disse à Repórter Brasil que sua nomeação resultou de “um processo amplo”, com abaixo-assinados de comunidades. Ele afirmou não ser bolsonarista, como alegam as lideranças contrárias ao seu nome, e se apresentou como advogado do PT em Redenção, de esquerda e filiado ao partido. Reconheceu o parentesco com o senador, mas disse que “cada um constrói sua história”.
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O governo comunicou o recuo na tarde de segunda-feira (6), em reunião na SRI (Secretaria de Relações Institucionais), em Brasília. Quatro representantes Kayapó — Akjaboro, Ireô, Kapranpoi e Kokokay — participaram do encontro, junto com oito representantes do MPI (Ministério dos Povos Indígenas), da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e da Fepipa (Federação Estadual dos Povos Indígenas do Pará).
Segundo os presentes, chegou durante a reunião uma mensagem do presidente Lula determinando a exoneração de Casimiro e o atendimento à escolha das comunidades. O nome de Kokokay Kayapó, indicado em assembleia nas aldeias, foi confirmado como consenso entre as lideranças, e o ministro Padilha assinou o ato de dispensa logo em seguida.
A nomeação de Kokokay ainda não foi publicada, mas deve sair nos próximos dias, segundo representantes Kayapó.
Após a reunião, os indígenas deixaram o ministério cantando e marchando, de braços dados, pela Esplanada. Em Redenção, os dezenas de Kayapó que ocupavam o DSEI também celebraram com dança e música.
Pressão indígena leva governo a rever nomeação para cargo na saúde
Os protestos começaram em 25 de setembro, com a nomeação de Casimiro. No dia seguinte, lideranças Kayapó ocuparam a sede do DSEI, afirmando que o governo havia descumprido o direito de consulta prévia previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que obriga o Estado a ouvir os povos indígenas em decisões que os afetam diretamente.

(Foto: Divulgação / Kayapó)
As comunidades também defenderam que a coordenação da saúde indígena deve ser exercida por lideranças indicadas pelo próprio povo, de acordo com os protocolos de consulta do povo Mẽbêngôkre (Kayapó).
As lideranças Kayapó contestaram a versão e lembraram que o irmão de Casimiro, Lázaro Marinho, já havia chefiado o DSEI entre 2017 e 2020, quando foi exonerado após protestos indígenas. A presença da mesma família no comando do órgão reacendeu críticas antigas. “Os caciques não aceitam a família Marinho na gestão indígena”, disse Baju Kayapó, presidente do Instituto Nhak, que reúne 35 caciques da região. “Nossa saúde não pode ser usada como moeda política”, completou.
A crise se intensificou quando Raoni Metuktire divulgou um vídeo dirigido a Lula e ao ministro Padilha. “Soube que nomearam um bolsonarista no DSEI Kayapó do Pará. Ele não vai cuidar bem de nossas comunidades. Peço o apoio do ministro e o seu apoio para corrigir esse erro”, afirmou o líder. O vídeo circulou amplamente nas redes sociais e entre organizações indígenas, aumentando a pressão sobre o governo.
Raoni é um dos maiores símbolos da luta indígena no Brasil. Cacique do povo Kayapó, vive na Terra Indígena Capoto Jarina (MT) e se tornou uma das principais vozes internacionais contra o desmatamento da Amazônia. Durante a campanha de 2022, declarou apoio a Lula em entrevista à Repórter Brasil e subiu a rampa do Planalto ao lado do presidente na posse de 2023.
A pressão também veio de diversas entidades. A Fepipa e a Associação Floresta Protegida, que representa 43 aldeias Kayapó, divulgaram notas de repúdio à nomeação.
Enquanto a crise se agravava, Kokokay Kayapó emergiu como o nome de consenso entre as comunidades. Filho do líder histórico Kubey Kayapó, ele foi escolhido em reunião interna das aldeias e apresentado ao governo como candidato legítimo.
Em vídeos gravados durante os protestos, Kokokay afirmou que a nomeação de Casimiro equivalia a “colocar um invasor para guardar a maloca”. Disse ainda que o movimento pela troca não era político, mas “uma defesa do direito de o povo decidir quem cuida da sua saúde”. No encontro de segunda-feira em Brasília, Kokokay esteve ao lado das principais lideranças da mobilização.
Terra Indígena Kayapó foi a mais devastada pelo garimpo
O senador Zequinha Marinho, parente de Casimiro e apontado pelas lideranças indígenas como influência na nomeação, disse, em nota enviada à Repórter Brasil, que atua para “ampliar a cidadania e assegurar mais direitos aos povos indígenas”.
Citou projetos de sua autoria, como a PEC 10/2024, que permite aos indígenas explorarem e comercializarem sua própria produção, e o PL 2973/2023, que autoriza a outorga de lavra garimpeira em áreas já mineradas. Segundo ele, as propostas fortalecem a autonomia econômica dos povos originários e promovem o desenvolvimento sustentável.

A influência de Zequinha, pastor evangélico e um dos principais nomes da bancada ruralista, sempre foi motivo de preocupação entre os Kayapó. Em dezembro, ele classificou a COP 30, que será realizada em Belém, como “ecoterrorismo ambiental”.
No caso da Terra Índigena Kayapó, a Polícia Federal aponta que políticos e policiais ligados a esquemas de garimpo ilegal tiveram em Zequinha um aliado. Em 2020, Pedro Lima dos Santos, acusado de chefiar a extração e o “esquentamento” de mais de 3 toneladas de ouro ilegais retiradas da terra indígena, relatou ter sido recebido pelo senador em Brasília e o descreveu como “solidário” à causa dos garimpeiros.
A TI Kayapó, no sul do Pará, é uma das mais afetadas pelo garimpo ilegal na Amazônia. Entre 2018 e 2022, o garimpo devastou 13,7 mil hectares de floresta, segundo dados do MapBiomas. Parte do ouro extraído dessas áreas foi rastreada pela Repórter Brasil e chegou a cadeias globais, envolvendo empresas como Apple, Google, Microsoft e Amazon.
Em 2025, o governo concluiu a primeira etapa da desintrusão no território, com 1.384 estruturas ilegais destruídas e redução de 95% no desmatamento, segundo o Ministério dos Povos Indígenas. A coordenadora regional da Funai, O-é Kaiapó Paiakan, alertou, porém, que facções criminosas seguem atuando na região e que são necessárias ações permanentes de fiscalização.
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