JBS e Santa Colomba podem ser expulsas de associação que combate o trabalho escravo

Instituto que monitora o cumprimento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo abriu procedimento para apurar a conduta das empresas, associadas à entidade, após apelo ao ministro do Trabalho e Emprego para evitar inclusão na Lista Suja
Por Daniela Penha | Edição Poliana Dallabrida
 13/10/2025

A JBS e Santa Colomba Agropecuária podem ser expulsas do InPACTO (Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo), organização que atua no combate ao trabalho escravo e que tem as duas empresas como associadas. 

À Repórter Brasil, a diretora executiva do InPACTO, Marina Ferro, informou que a entidade abriu um procedimento para apurar a conduta das empresas, após elas entrarem com recursos solicitando avocação ministerial por autuações de trabalho escravo registradas contra as companhias. 

Com seus pedidos acatados pela chefia do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), que chamou para si a responsabilidade sobre a decisão das autuações (“avocar”, no termo técnico), as empresas conseguiram ficar fora do cadastro de empregadores responsabilizados por exploração de mão de obra escrava, a chamada Lista Suja do trabalho escravo. Foi a primeira vez que uma intervenção direta do ministro do Trabalho livrou a entrada de empresas no cadastro, criado em 2003.

Para a InPACTO, o recurso fere o primeiro compromisso firmado com a organização pelas empresas: “Reconhecer a legitimidade da ‘Lista Suja’ produzida pelo Ministério do Trabalho”.

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“Nós defendemos irrestritamente a Lista Suja como um grande instrumento de política pública, de transparência, reconhecido internacionalmente. Se começarmos a abrir esses precedentes, pode ser bem perigoso pela própria legitimidade desse instrumento”, afirma Marina Ferro. 

Entenda os casos

A JBS Aves, empresa do grupo JBS, com sede em Passo Fundo (RS), foi responsabilizada por submeter dez pessoas a condições análogas à escravidão em abril deste ano. Os resgatados trabalhavam na coleta de frangos em granjas fornecedoras da empresa. Segundo os auditores fiscais que realizaram o flagrante, o grupo tinha jornadas de até 16 horas diárias e comia frangos descartados por estarem fora do padrão da JBS. Alguns dos trabalhadores, segundo a fiscalização, chegaram a buscar ajuda hospitalar com sintomas de esgotamento físico.

Já a Santa Colomba Agropecuária, produtora de grãos, algodão, cacau e tabaco no oeste baiano, foi autuada em novembro de 2023. A fiscalização aconteceu após um homem denunciar à polícia ter sido despido, algemado e agredido por seguranças da Fazenda Karitel, em Cocos (BA), pólo de produção da empresa.

Decisão que pode beneficiar empresa autuada por trabalho escravo foi tomada pelo ministro do Trabalho substituto Francisco Macena da Silva, na foto ao lado do ministro titular da pasta, Luiz Marinho (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Decisão que pode beneficiar empresa autuada por trabalho escravo foi tomada pelo ministro do Trabalho substituto Francisco Macena da Silva, na foto ao lado do ministro titular da pasta, Luiz Marinho (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Após a inspeção no local e análise de documentos, como inquérito policial e laudo do exame de lesões corporais, a equipe técnica do MTE autuou a empresa pela submissão do trabalhador a condições degradantes, um dos elementos que caracterizam o trabalho escravo no Brasil. A legislação prevê que, após apurada a responsabilidade por trabalho escravo pela área técnica da Inspeção do Trabalho, seja garantido amplo contraditório e direito de defesa em duas instâncias administrativas, antes de a autuação ser confirmada e o empregador ter seus dados inseridos na Lista Suja.

Tanto a JBS Aves quanto a Santa Colomba não tiveram êxito nas duas instâncias. O próximo passo, após conclusão do processo, seria a inclusão das empresas na Lista Suja. Os processos estão agora paralisados após a avocação do ministro do Trabalho. O cadastro é atualizado semestralmente. A atualização mais recente ocorreu na última segunda-feira (6), com inclusão de 159 novos nomes.

Empresas poderão prestar esclarecimentos

Após a avocação da JBS Aves, o InPACTO publicou um posicionamento institucional se manifestando contrário à medida. “O InPACTO manifesta posição contrária a qualquer tentativa de avocação ministerial que retire a análise de caráter técnico das instâncias competentes para submetê-la a instâncias políticas, sobretudo em casos que envolvam a avaliação da inclusão de empresas na Lista Suja”, diz trecho da nota.

Criado em 2013, o instituto monitora o cumprimento dos compromissos assumidos no Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, lançado em 2005. Através dele, empresas associadas se comprometem a adotar ações para combater o crime em suas redes de negócios, incluindo restringir relações comerciais com empreendimentos inseridos na Lista Suja. Grandes empresas são associadas do InPACTO, como Vale, Nestlé, Amaggi, além da JBS e da Santa Colomba. 

Marina Ferro explica que as empresas estão sendo oficiadas a prestarem informações sobre o recurso enviado ao MTE. A JBS já foi acionada na semana passada e a Santa Colomba deverá receber o pedido de esclarecimentos nos próximos dias, segundo a diretora do instituto. 

Após os esclarecimentos, o caso será avaliado por um conselho deliberativo que poderá advertir, suspender ou excluir as instituições do órgão. “A gente abre esse diálogo, dá o direito de defesa para a empresa, para que elas possam apresentar seus argumentos. Eu faço um parecer e é submetido ao conselho de deliberação”, esclarece Ferro. 

Questionada especificamente sobre a avocação por parte do ministro Luiz Marinho, a JBS não se manifestou. Em setembro, quando o caso foi revelado pela Repórter Brasil, a companhia afirmou apenas que a Seara (marca do grupo empresarial) “suspendeu imediatamente o prestador de serviços em Passo Fundo, encerrou o contrato e bloqueou esta empresa assim que tomou conhecimento das denúncias”. O posicionamento informava ainda que “a companhia tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”. Procurada novamente, a JBS não comentou a possibilidade de exclusão do InPACTO. 

A Santa Colomba informou que não iria se manifestar sobre o procedimento do InPACTO. Em respostas enviadas à Repórter Brasil na última quarta-feira (8), a empresa afirmou acompanhar o processo administrativo no MTE e destaca que “decisões sobre o mesmo episódio tomadas pelo Ministério Público do Trabalho e pela Justiça do Trabalho, bem como as conclusões das investigações da Polícia Civil, comprovam que o caso não diz respeito a práticas de trabalho análogo à escravidão”. A Santa Colomba reafirmou seu “compromisso absoluto com direitos humanos, sustentabilidade e responsabilidade social” e disse que o caso foi uma “ocorrência pontual envolvendo um funcionário terceirizado e um trabalhador”. 

MPF pede revogação da avocação 

No dia 6 de outubro, o MPF (Ministério Público Federal) publicou uma nota técnica se posicionando contrário às vocações ministeriais, após o caso da JBS Aves. A avocação da Santa Colomba ainda não havia sido divulgada. 

O órgão pede que o MTE revogue o despacho da avocação e argumenta que o recurso enfraquece as medidas de combate ao trabalho escravo, “viola a moralidade administrativa”, privilegia “interesses particulares em detrimento do interesse público” e fere pactos internacionais firmados pelo Brasil, como a Convenção nº 81 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Vara do Trabalho de Soledade (RS) obriga JBS Aves a tomar 17 medidas contra trabalho escravo em granjas fornecedoras da companhia (Arquivo/Agência Brasil)
Vara do Trabalho de Soledade (RS) obrigou JBS Aves a tomar 17 medidas contra trabalho escravo em granjas fornecedoras da companhia (Arquivo/Agência Brasil)

“A argumentação construída para subsidiar a avocação ministerial deixa transparecer um favoritismo que viola a moralidade administrativa, preceito que exige do gestor público uma conduta ética, isonômica e pautada pelo interesse público, e não por interesses particulares de grandes corporações”, afirma a procuradora geral da república Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara e o sub-procurador Francisco de Assis Vieira Sanseverino no documento.

Barroso dá parecer favorável à ADPF 

No dia 25 de setembro, após o ministro Marinho avocar para si o caso da JBS Aves, dezenove auditores fiscais do Trabalho deixaram cargos de coordenação regional de combate ao trabalho escravo em todo o país como protesto à decisão ministerial.

O artigo 638 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) permite que o chefe do Ministério do Trabalho tenha a palavra final, mas isso bate de frente com tratados internacionais que o Brasil ratificou, segundo especialistas ouvidos pela Repórter Brasil.

Em 30 de setembro, Anafitra (Associação Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) entrou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF (Supremo Tribunal Federal) buscando declarar a inconstitucionalidade do artigo. 

Três dias depois, o ministro do STF Luís Roberto Barroso reconheceu a relevância constitucional da matéria e aplicou o rito abreviado, permitindo julgamento direto pelo plenário, segundo despacho do ministro acessado pela reportagem. 

“O julgamento da ADPF é fundamental para a continuidade das medidas de combate ao trabalho escravo no Brasil. Esse recurso nunca havia sido utilizado após a redemocratização, por nenhum ministro”, afirma Rodrigo de Carvalho, coordenador Nacional da Anafitra. “Isso é contrário a tudo o que foi feito para o combate análogo ao de escravo até então”, complementa.

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