Responsabilidade Social II

Mudança de comportamento do agronegócio é desafio de Pacto

Dois anos após a criação do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, governo, sociedade e organizadores do acordo debatem formas de aperfeiçoar o papel das empresas e associações de classe no combate a esse crime
Por Claudia Carmello
 17/05/2007

A principal inovação trazida pelo Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo – que terá seus resultados debatidos hoje (17) em evento em São Paulo – foi o fato de municiar a luta contra a escravidão com armas de caráter econômico.

"Quando uma grande empresa deixa de comercializar com fornecedores que fazem parte da ‘lista suja' do trabalho escravo, elas estão sinalizando para a sociedade, e acho que de forma permanente, que há um novo comportamento e uma nova prática de responsabilidade social", afirma Caio Magri, gerente de parcerias do Instituo Ethos, um dos coordenadores do Pacto.

A mudança de mentalidade entre os empresários já é um ganho, mas sua expansão é ainda um desafio citado por todos os que estão envolvidos com o tema no Brasil. Para Ruth Vilela, chefe da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – órgão que divulga a relação de fazendeiros flagrados com mao-de-obra escrava chamada de "lista suja" -, o reconhecimento do problema da escravidão no meio empresarial já é um avanço significativo. "Convivemos por muito tempo com uma negativa pura e simples da existência da escravidão no Brasil, por parte dos empresários e especialmente os do meio rural", diz. "Então é muito positiva a adesão da iniciativa privada no combate à prática".

Luís Antonio Camargo, subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), vê ainda outro horizonte. "O Pacto referenda a ‘lista suja' como base para determinar o corte do comércio com fornecedores, o que é fundamental", diz. "Mas um grande desafio é que essa consciência que avança no meio empresarial se estenda ao sistema financeiro. Queremos que os bancos também não emprestem dinheiro a quem pratica a escravidão".

Setores engajados e iniciativas individuais
A análise detalhada das medidas tomadas nestes dois anos de Pacto leva a muitos outros desafios. A atuação conjunta de setores empresariais – e não apenas de uma ou outra empresa – é um deles. Hoje, o principal setor econômico envolvido com o trabalho escravo é a pecuária (62% das propriedades da "lista suja" têm a criação de gado como atividade econômica principal), seguida pela produção de carvão (12%), soja (5,7%) e algodão (4,7%).

Para Patrícia Audi, coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da OIT Brasil (Organização Internacional do Trabalho), dentre os signatários do Pacto, apenas as siderúrgicas do Instituto Carvão Cidadão (ICC), que ficam no Pólo de Carajás, entre Pará e Maranhão, conseguiram avançar como setor. "Eles inspecionaram 1200 carvoarias, e descredenciaram 312, que agora são proibidas de vender carvão a essas siderúrgicas", diz.

Entretanto, Patrícia defende que não há eficácia na restrição comercial se o setor todo não se recusar a comprar de um fornecedor com problemas. Para ela, essas carvoarias descredenciadas do ICC não deixarão de usar trabalho degradante porque podem vender a outras siderúrgicas, não associadas ao ICC ou de outra região, como Minas Gerais. "Ou seja, ou temos um compromisso sério de todo o setor, ou vamos ficar aqui só elogiando algumas empresas", completa.

Transparência e monitoramento eficiente
Já Caio Magri, do Ethos, defende que os mecanismos mais importantes a serem aprofundados são aqueles que garantem o controle real de cada empresa sobre sua cadeia produtiva. Monitorar contratos e ser capaz de analisar previamente se um fornecedor é ou não comprometido com condições dignas de trabalho são ações fundamentais.

"E, especialmente, é preciso que essas empresas possam cortar imediatamente o contrato com um fornecedor da ‘lista suja', sem apelar para o argumento da sustentabilidade financeira, sem dizer que já investiu muito dinheiro naquele fornecedor e por isso seria complicado eliminá-lo da cadeia", afirma.

Caio, assim como Xavier Plassat, membro da coordenação nacional da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destaca ainda a necessidade de garantir que toda essa gestão de fornecedores seja pública, transparente e passível de monitoramento externo.

"Eventos como o de hoje são importantes justamente para uma avaliação pública dos efeitos dessa iniciativa", diz Xavier. "É a primeira vez que fazemos isso e deveria se tornar algo sistemático".

O produtor rural e o consumidor
Outros aspectos incipientes na ação da iniciativa privada contra a escravidão foram levantados pelos especialistas.

Na opinião de Xavier Plassat, a inércia dos produtores rurais presentes na "lista suja" ainda é preocupante. "Mesmo depois de dois anos de Pacto não percebemos por parte dos pecuaristas, os principais envolvidos, nenhum movimento de tomada de consciência, nenhuma organização de sua classe a respeito", defende. "A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária), por exemplo, continua na mesma atitude negacionista de sempre. Não estão mudando de mentalidade".

Ele também avalia que o incentivo ao consumo consciente, provavelmente, é o campo em que menos se avançou no sentido de combater o trabalho escravo com mecanismos econômicos.

Xavier considera um grande desafio fazer com que as signatárias do Pacto divulguem sua atitude ética aos consumidores. "Hoje o que acontece é que essas empresas estão decidindo no lugar do consumidor que tais produtos não devem chegar à mesa dos brasileiros porque são sujos", diz. "Mas se as pessoas fossem avisadas disso em campanhas publicitárias, se pudessem aderir à causa e cobrar de outras empresas a mesma postura, isso redobraria o impacto do movimento de combate à escravidão".

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