Violência policial

OEA aceita denúncia contra Operação Castelinho

Comissão Interamericana de Direitos Humanos aceitou pedido de responsabilização do governo brasileiro pelo assassinato de 12 pessoas, eliminadas em 2002, durante uma operação policial forjada na Rodovia Castelo Branco, no interior de São Paulo
Bia Barbosa
 08/06/2007

Em 2001, agentes policiais e autoridades do Executivo e Judiciário do Estado de São Paulo passaram a recrutar presos nas penitenciárias para atuar como agentes infiltrados em organizações criminosas. No dia 5 de março de 2002, na Rodovia Castelo Branco, nas proximidades da cidade de Sorocaba, no interior do estado, uma das ações deste grupo resultou na morte de 12 supostos integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) que viajavam num ônibus, segundo a polícia, para praticar um assalto a um avião pagador ou resgatar presos. Segundo organizações de defesa dos direitos humanos, a atuação da polícia militar foi uma cilada para executar os integrantes do ônibus, para causar, com sua eliminação, uma sensação de segurança na sociedade paulistana e recuperar a confiança na polícia e na política de segurança pública que estava desacreditada.

Na semana passada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu aceitar e julgar internacionalmente o chamado “Caso Castelinho”. Segundo a CIDH, a denúncia foi admitida em função da violação do direito à vida, do direito a garantias judiciais e à proteção judicial, configuradas em relação ao caso.

Segundo a Fundação Interamericana de Direitos Humanos (FIDh), organização que apresentou a denúncia à Comissão, há um demora injustificada na adoção das medidas necessárias para o afastamento e punição dos responsáveis pelo crime realizado em 2002. Além disso, as investigações sobre o envolvimento das autoridades estaduais estariam sendo realizadas por policiais sob o comando de alguns desses suspeitos e a representação promovida perante a Corregedoria Geral de Justiça ainda não teria apresentado resultado.

“O processo criminal que corre na comarca de Itu também não inclui o comandante da polícia à época e, de sete ações de indenização movidas pelas famílias das vítimas, duas já tiveram decisão em primeira instância negando a indenização civil”, explica o jurista Hélio Bicudo, presidente da FIDh, que lembra que os processos correm em segredo de justiça, o que impede o acompanhamento formal de sua realização, comprometendo a transparência necessária para realização de um mecanismo de justiça eficiente. Para ele, portanto, os recursos internos, da Justiça brasileira, disponíveis para a responsabilização dos envolvidos já estariam esgotados, o que justificou a denúncia a uma instância internacional.

Quando um caso chega à esfera internacional, é o Estado brasileiro que responde pelo fato. Antes de anunciar a admissão do caso, a Comissão Interamericana ouviu, então, o Estado brasileiro. Na opinião dos advogados da União, ainda existem recursos idôneos e eficazes a serem esgotados no processo criminal em curso. Em um processo em que 55 pessoas são acusadas de homicídio triplamente qualificado de outras 12 pessoas, o prazo de pouco mais de um ano e meio – entre a abertura do caso pela polícia brasileira e a denúncia feita pela FIDh à OEA – não constituiria atraso injustificado.

Participaram da operação cerca de 100 policiais militares. O tiroteio deflagrado em suposto revide à resistência do grupo que viajava no ônibus resultou no disparo de mais de 700 tiros. Uma das vítimas apresentou perfurações de 11 projéteis em seu corpo, resultando em uma média de 5 tiros por vítima. Pela análise procedida, verificou-se que quase todos os mortos foram atingidos por disparos efetuados de forma perpendicular; 9 apresentavam ferimentos em membros superiores, caracterizando posição de defesa. Apenas um policial foi ferido de raspão. Em seguida ao evento, a polícia desfez o cenário do crime, impossibilitando a atuação dos peritos criminológicos.

O entendimento da Comissão Interamericana foi diferente, no entanto, da justificativa do Estado. O documento encaminhado na semana passada à FIDh afirma que “mais de quatro anos decorreram desde que aconteceram os fatos denunciados. A ação penal contra os acusados foi instaurada em dezembro de 2003. Desde então, passaram-se mais de três anos”. Segundo a Comissão – e tal fato foi reconhecido pelo próprio Estado brasileiro –, até outubro do ano passado, quando houve uma audiência entre as partes para um detalhamento da denúncia, o processo penal em curso havia interrogado apenas dois co-réus que supostamente operavam como colaboradores da polícia. Nenhum dos acusados teria sido ouvido pelo fato de serem policiais militares e serem constantemente transferidos de localidade. Ou seja, sequer a fase de instrução foi superada.

“Essa afirmação reforça a convicção da Comissão de que […] a explicação dada pela representação estatal não é convincente ou justifique que, decorridos três anos do início do processo penal, nem sequer se haja tomado o depoimento daqueles que aparecem como supostos responsáveis pelos fatos acontecidos”, diz a decisão do órgão. Para a CIDH, “se a tramitação dos recursos internos sofrer demora injustificada, é possível deduzir que estes perderam sua eficácia para produzir o resultado para o qual foram estabelecidos”.

A decisão da Comissão afirma ainda que, embora o Estado alegue que existem vários recursos a interpor contra as decisões que venham a ser ditadas no decorrer do processo, a realidade indica que o processo está praticamente paralisado.

“Pela experiência que tenho, a decisão da Comissão pela admissibilidade do caso é contrária às informações dadas pelo Estado brasileiro e indica, portanto, que o julgamento do mérito também será desfavorável”, acredita Hélio Bicudo. “A questão depois será como sair deste impasse. Teremos 60 dias, as duas partes, para nos pronunciarmos. Mas foi aberto um espaço para uma solução amistosa; e estamos dispostos a isso”, completa.

A solução amistosa diz respeito apenas à questão das indenizações a que o Estado está obrigado a pagar aos familiares das vítimas. Caso julgue o Estado brasileiro responsável, a Comissão da OEA fará ao país uma série de recomendações que, se não forem adotadas, poderão levar o Brasil a responder pelo caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Enquanto isso, os processos criminais correm normalmente perante a Justiça brasileira.

Bia Barbosa é membro da ONG Repórter Brasil.

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