Luta pela terra

MST reúne 18 mil e propõe mudanças que não se limitam à reforma agrária

"O projeto para o campo brasileiro que nós defendemos só cabe dentro de um novo modelo econômico", explica Vanderlei Martini, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Por Maurício Hashizume
 13/06/2007

Brasília – O desafio de superar o modelo para além do setor agrário está impregnado no ar que os 18 mil delegados respiram durante o 5º Congresso Nacional do MST, que começou no dia 11 e vai até 15 de junho em Brasília.

"Distribuir terra já não basta", enfatiza Vanderlei Martini, integrante da coordenação nacional do MST. "O projeto para o campo brasileiro que nós defendemos só cabe dentro de um novo modelo econômico", completa. Mesmo que a reforma agrária fosse realizada com foco no atendimento a demandas sociais, superando a priorização das monoculturas de exportação, o sistema continuaria concentrando renda e excluindo pessoas, explica a liderança.

 
"Que tipo de modelo de produção nós queremos? Baseado apenas em boi, soja e minério de ferro?", questiona João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST  (foto: Marcelo Casal / Abr)

De acordo com Vanderlei, o capital financeiro entrou com mais força no meio rural por volta do ano 2000 através das empresas transnacionais do agronegócio. "Este Congresso foi convocado justamente para debater essa complexidade. Já não se trata mais de uma luta pela terra, nem de uma luta pela reforma agrária (que supõe a oferta de todas as condições necessárias para a manutenção e sobrevivência do modo de vida camponês), mas de uma luta maior", descreve.

A defesa da reforma agrária como mera desconcentração fundiária fazia mais sentido dentro do contexto da industrialização predominante até a década de 80 do século passado, pontua João Pedro Stédile, também da coordenação nacional do MST. Diante do cenário político-econômico de desindustrialização, porém, a questão agrária se tornou mais complexa. "Os problemas mudaram. O camponês, mesmo com terra, continua pobre. Por isso defendemos uma nova reforma agrária", define.

"Não há outro caminho. Toda reivindicação da reforma agrária no estilo clássico [apenas centrado na questão do pedaço de terra] acaba se tornando automaticamente uma luta de classes. O enfrentamento da concentração fundiária também é contra o capital", explica Gilmar Mauro, outro membro da coordenação nacional.

Aos milhares de delegados presentes no ginásio Nilson Nelson, Gilmar apresentou alguns meios de perpetuação e avanço da lógica do capitalismo: a destruição do valor do trabalho (por meio da manutenção de um exército de reserva de desempregados, principalmente jovens e idosos); a exploração descontrolada dos recursos naturais (para não aumentar custos de produção que implicariam na perda de competitividade no mercado global); a guerra e o imperialismo (não só para garantir recursos naturais, mas para incentivar as indústrias bélica e de construção civil) e a privatização generalizada (que transforma tudo em mercadoria). "Tudo isso mostra que, com capitalismo, não há desenvolvimento sustentável", declarou.

Na análise de Gilmar Mauro, portanto, a luta do MST – e as alianças que a organização busca estabelecer em outros setores como a juventude urbana – precisa colocar em xeque o próprio "Estado burguês".

"Fez luta contra o capital é nosso aliado. Mesmo que as lutas e a organização sejam diferentes." Ele se baseia em três máximas do trabalho de base para agregar forças na sociedade: não vale alimentar ilusões com relação ao Estado burguês, nada virá de cima para baixo e não haverá avanços resultantes de relações de compadrio. "As conquistas vêm da lutas", sintetizou.

Marina dos Santos, outra integrante da coordenação nacional, declarou a todos que o objetivo do 5º Congresso Nacional era se tornar um "marco na construção de um instrumento de luta que provoque o reascenso do movimento de massas e possibilite um projeto político, popular, revolucionário, que resolva os problemas sociais do povo brasileiro, da América Latina e do mundo".

A retomada dos movimentos de massa, portanto, permanece como pano de fundo desta nova reforma agrária difundida pelo MST. Na avaliação de João Pedro Stédile, vivemos um período de descenso dos movimentos desde 1989, quando Lula foi derrotado na disputa pela Presidência da República por Fernando Collor de Melo, hoje senador pelo PTB de Alagoas e aliado do governo.

"Essas ondas se dão por causa de movimentos maiores que não dependem exclusivamente do governo ou do MST", tergiversa João Pedro. Ele reconhece que as condições econômicas têm uma importância significativa para influenciar a movimentação desse quadro – e que as 200 maiores empresas brasileiras, responsáveis por praticamente metade do Produto Interno Bruto (PIB) e 78% das exportações nacionais, estão usufruindo de alta lucratividade. Mas não condiciona esse movimento de reorganização das massas obrigatoriamente a uma crise na economia.

De outra parte, Gilmar acredita que a estratégia do reascenso de massas da década de 70, da qual o PT é o maior expoente, tem sofrido abalos cada vez mais consistentes. "Está cada vez mais claro que não existe diferenciação entre capital financeiro e capital produtivo. Tampouco a existência de uma burguesia autóctone no Brasil interessada no desenvolvimento nacional encontra sustentação na realidade", sublinha. Para ele, esta formação de consenso tem possibilitado um gérmen de uma aliança contra o capital entre forças de esquerda.

Por ora, João Pedro Stédile se limita a apontar sinais de como o incentivo a alguns setores acaba determinando a perpetuação de um projeto de país. Maior exportador de carne bovina do mundo, o Brasil possui nada menos que 200 milhões de hectares ocupados pela pecuária. No Estado do Mato Grosso do Sul, há 52 cabeças para cada pessoa. E, com todo esse esforço, os empresários do setor obtêm uma receita de R$ 3,7 bilhões por ano.

"É o mesmo valor obtido pela Embraer, que conta apenas com 5 mil funcionários. Que tipo de modelo de produção nós queremos? Baseado apenas em boi, soja e minério de ferro?", indaga. "Nós não temos a fórmula pronta, mas sabemos que, do jeito que está, não dá".

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