Trecho do São Francisco próximo à Hidrelétrica de Xingó, região do rio cogitada para abrigar primeira central nuclear nordestina (Foto: Leonardo Sakamoto) |
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) quer participar mais ativamente das discussões sobre a instalação de usinas nucleares no Nordeste do país. Luis Carlos Fontes, vice-presidente da entidade, afirma que o Comitê até o momento não foi chamado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) ou pela Eletronuclear – estatal responsável pela construção de novas usinas – para conversar.
"A entidade tem acompanhado as notícias que saem na imprensa a respeito desse tema desde o ano passado", diz Luis Carlos. "Sei que esse debate está no início, mas, por prever um tipo de utilização do rio que desperta apreensão da população, esperava-se que eles estabelecessem um diálogo", argumenta.
De acordo com declarações recentes do presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro, a construção de uma central nuclear às margens do rio São Francisco é uma das prioridades colocadas pela estatal para a retomada do programa nuclear brasileiro – que vem sendo encampada nos últimos meses por setores do governo federal. A previsão inicial é a de que a central reúna duas usinas, com potência de 1.000 megawatts cada. Elas utilizariam água do rio para refrigeração das turbinas.
O Plano Nacional de Energia 2030, divulgado pelo MME em setembro do ano passado, sugeria a construção de quatro novas usinas nucleares no Brasil até 2030, além de Angra 3. Atualmente, a Eletronuclear cogita a implantação de oito usinas, possivelmente em áreas de São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. As usinas do Nordeste – que ficariam em Sergipe ou Alagoas – seriam, contudo, as primeiras a sair do papel.
Instituída em 1997, a Política Nacional de Recursos Hídricos determina as atribuições dos comitês das bacias hidrográficas – entidades compostas por representantes governamentais e da sociedade civil. Cabe aos comitês a discussão das prioridades da utilização dos recursos hídricos em suas áreas de influência, assim como a arbitragem sobre conflitos relativos ao uso da água. De acordo com Luis Carlos, é preciso evitar a repetição do que ocorreu com a obra de transposição do rio São Francisco: debates, restrições e resoluções do Comitê foram atropeladas para que o empreendimento pudesse ser viabilizado.
"Nós não somos, por princípio, contra a usina nuclear", diz ele. "O que queremos é avaliar os riscos envolvidos, os impactos sobre o São Francisco. Mas, por falta de um comunicado oficial, fica difícil nos debruçarmos sobre o tema."
Impactos ambientais
A construção de usinas nucleares às margens do São Francisco pode se tornar mais um obstáculo à revitalização desse importante rio que nasce em Minas Gerais e corta o Nordeste do país, avalia Heitor Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador na área de energia. "Já há uma disputa muito grande pelas águas do rio", avalia. "Essa é mais uma atividade que poderia retirar água dele e afetá-lo negativamente."
Heitor destaca que uma usina nuclear de 1,3 mil megawatts (como Angra 2, por exemplo) consome, por dia, o equivalente a uma cidade de 100 mil habitantes. Além disso, ele afirma que, após utilizá-las para refrigeração das turbinas, a usina devolve as águas para o corpo d'água numa temperatura maior que a original. "Isso afeta a fauna e a flora, e pode matar espécies", alerta.
Outra desvantagem da energia nuclear, segundo o pesquisador, são os rejeitos radioativos provenientes dessas usinas, que precisam ser armazenados sob condições de extrema segurança. Ele afirma também que os acidentes associados a esse tipo de empreendimento são mais assustadores, ainda que não exista nenhum tipo de tecnologia sem riscos de acidentes. "Há saídas mais vantajosas para o investimento em geração no Nordeste, como, por exemplo, energia solar, eólica e produzida a partir do bagaço da cana-de-açúcar", acredita Heitor.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo Lula como carro-chefe do segundo mandato, prevê gastos de 274,8 bilhões de reais em infra-estrutura energética. Heitor destaca que, desse montante, apenas 17,4 bilhões seriam destinados ao desenvolvimento de energias alternativas.
A Repórter Brasil procurou a Eletronuclear para obter mais esclarecimentos sobre a proposta de instalar usinas nucleares no Nordeste do Brasil. A empresa informou, através de sua assessoria de imprensa, que não há nada de concreto nesse sentido ainda, apenas estudos. E não indicou, até o fechamento desta reportagem, nenhum representante para ser entrevistado.
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*colaborou Fabiana Vezzali