Cana

Protesto contra salário atrasado termina com prisão no MT

Lideranças locais acusam a polícia de agredir 14 trabalhadores que foram presos por atear fogo em pneus por conta de atraso de salários na Destilaria Araguaia (ex-Gameleira), em Confresa (MT); PM nega excessos
Por Iberê Thenório
 26/06/2007

Um grupo de 14 trabalhadores foi preso no último sábado (23) em Confresa, no Nordeste do Mato Grosso, quando protestava pela falta de pagamento de salários. Eles são empregados da destilaria Araguaia, antiga Gameleira, de propriedade do grupo EQM, do empresário Eduardo de Queiroz Monteiro, de Pernambuco.

Os trabalhadores estão presos em Porto Alegre do Norte, cidade vizinha de Confresa. De acordo com o padre Alex Venâncio Gonçalves, que visitou os trabalhadores na prisão, muitos deles têm escoriações nos braços, nas costas e no rosto. "Eles contaram que foram arrastados e pisados pela polícia."

A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Confresa, Aparecida Barbosa, endossa a versão: "Todos eles foram espancados. Estamos exigindo um exame de corpo de delito, que ainda não foi feito. Isso deveria ser resolvido como uma questão trabalhista, não uma questão de cadeia", reclama. O exame de corpo de delito, que é obrigatório em casos de agressão física, serve para comprovar se houve ferimentos anteriores à prisão.

O capitão da Polícia Militar de Vila Rica (MT) Cleverson Leite, que participou da ação em que os trabalhadores foram presos, nega que tenha havido excessos. "A abordagem foi de forma tranqüila, corriqueira, sem nenhum uso de violência."

Na sexta-feira (26), os trabalhadores atearam fogo em oito pneus novos para bloquear o acesso à propriedade. Eles reivindicavam o pagamento dos salários atrasados de 417 pessoas que trabalhavam no cultivo da cana. A remuneração deveria ter sido feita no dia 12 de junho. Segundo Domingos Azevedo, diretor operacional da Araguaia, parte do pagamento foi feito no próprio dia do protesto, mas metade dos trabalhadores não quis receber, com medo das represálias dos manifestantes. "No sábado, quando fomos pagar o restante das pessoas, eles voltaram armados com podão [facão utilizado para cortar cana] e ameaçaram pessoas", sustenta.

Os 14 trabalhadores que participaram da manifestação não aceitaram o pagamento dos salários atrasados, e queriam ser demitidos. A Polícia Militar foi chamada pela administração da fazenda, mas não prendeu ninguém dentro da propriedade. Os trabalhadores foram cercados e detidos mais tarde, em uma rodovia, quando se dirigiam a Confresa. De acordo com Leite, as prisões não foram efetuadas no local porque a ação policial poderia gerar tumulto.

Levados para depoimento na delegacia de Vila Rica, os trabalhadores foram enquadrados no crime nº 202 do Código Penal, que é o de "invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor".

Dois dias depois, no domingo (24), os trabalhadores presos – a maioria dos quais migrantes em regime temporário que deixaram o Maranhão em busca de trabalho – foram transferidos para a cadeia pública de Porto Alegre do Norte, onde permanecem até o momento. A distância de cerca de 140 km entre a cadeia e a delegacia de Vila Rica em que os manifestantes ficaram presos no primeiro momento dificulta o trabalho dos advogados de defesa contratados pelo STR de Confresa, que estão tentando pedir um habeas corpus, já que os réus são primários.

Para o padre Alex, não há relação entre a ação da PM e a destilaria. "O Domingos [gerente da Araguaia] pediu para que não colocassem a mão nos trabalhadores. Foi uma ação arbitrária da própria Polícia Militar."

De acordo com o procurador do Ministério Público do Trabalho Gustavo Rizzo Ricardo, que acompanhou o caso, os outros trabalhadores da Araguaia já receberam o salário atrasado. "A situação já foi contornada com o pagamento do pessoal. A única pendência é a prisão dos trabalhadores."

Trabalho escravo
A Destilaria Gameleira se tornou conhecida nacionalmente após quatro operações de fiscalização encontrarem condições degradantes de trabalho em sua fazenda de cana-de-açúcar. Em 2005, a empresa foi palco do maior resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Naquela ocasião, 1003 pessoas foram retiradas da propriedade. As reincidentes fiscalizações levaram a destilaria a ser inserida na "lista suja" do trabalho escravo, organizada e mantida pelo governo federal. Por isso, grandes distribuidoras de combustíveis signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo passaram a evitar a compra de etanol da empresa.

Em maio de 2006, a propriedade passou por uma mudança, sendo incorporada à recém-criada destilaria Araguaia. Para reverter a imagem negativa que se associou ao nome "Gameleira" depois dos escândalos, o empresário Eduardo de Queiroz Monteiro, dono do grupo EQM, comprou a parte da fazenda que pertencia a sua família, adquiriu mais terras, ampliou as instalações e trocou o nome da propriedade.

Atualmente, a destilaria emprega cerca de mil pessoas durante a colheita da cana e 600 na entressafra. As condições de trabalho, segundo Aparecida e Alex, são satisfatórias e já não correspondem às encontradas pelos fiscais do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego em 2005.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM