A JUSTIÇA DO PARÁ decidiu nesta quinta-feira (18) manter a ordem de reintegração de posse contra trabalhadores sem-terra acampados, desde 2022, em uma área reivindicada pela mineradora canadense Belo Sun no município de Senador José Porfírio (PA), sobreposta a um assentamento da reforma agrária.
A empresa pretende implementar no local o Projeto Volta Grande, que pode se tornar a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil. O empreendimento, previsto para ser instalado à beira do rio Xingu, é criticado pelos potenciais impactos socioambientais e pela forma como a empresa obteve terras da União para implantá-lo. A região já sofre os efeitos da usina hidrelétrica de Belo Monte, em operação desde 2016.
Em 2021, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a Belo Sun e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) firmaram um Contrato de Concessão de Uso em que a autarquia federal cedeu à mineradora 2.428 hectares de terras da União — 1.439 dentro do PA (Projeto de Assentamento) Ressaca e outros 989 sobrepostos à gleba federal Ituna.
ASSINE NOSSA NEWSLETTER
Porém, antes do acordo com o governo federal, a DPE-PA (Defensoria Pública Estadual do Pará) e a DPU (Defensoria Pública da União) já tinham protocolado ação civil pública contra a Belo Sun, na qual apontaram indícios de ilegalidades na aquisição das terras federais pela mineradora. Segundo a ação, antes mesmo de receber os terrenos do Incra em 2021, a Belo Sun já havia comprado lotes de reforma agrária no PA Ressaca, entre 2012 e 2016, o que é proibido por lei.
Em 2022, a DPE-PA e a DPU moveram outra ação civil pública, dessa vez pedindo a anulação do contrato de concessão sob a alegação de que a mineradora não somente adquiriu ilegalmente terras públicas destinadas à reforma agrária, como também áreas da gleba federal Ituna. O acordo foi anulado em novembro de 2024 pela Justiça Federal em Altamira (PA), mas ainda cabe recurso.
O contrato de concessão firmado entre Incra e Belo Sun, além disso, foi o que motivou a ocupação de parte do terreno por movimentos sociais em 2022. Os trabalhadores rurais reivindicam o assentamento das famílias acampadas pelo governo federal e a revogação do acordo.
A Belo Sun foi à Justiça pedir a prisão de 40 manifestantes e membros de organizações ambientais contrários ao projeto. Em maio deste ano, a Justiça paraense rejeitou o pedido.
:: LEIA MAIS: Mineradora Belo Sun sofre derrota em projeto de megamina de ouro no Pará
Processo de reintegração retomado
Na decisão de quinta-feira, o juiz Rafael Henrique de Barros Lins Silva, da Vara Única da Comarca de Senador José Porfírio, rejeitou o pedido feito em 8 de setembro pelo MP-PA (Ministério Público do Pará), para que o processo de reintegração de posse fosse enviado à Justiça federal.
O órgão havia solicitado também que a ordem de despejo dos trabalhadores sem-terra acampados fosse suspensa até que não houvesse mais possibilidade de recurso à sentença de novembro de 2024 que anulou o acordo entre Belo Sun e Incra. Segundo a decisão da Justiça Federal, a alteração da destinação da área para mineração não seguiu o procedimento adequado.
Como consequência do pedido do MP-PA, o TJ-PA (Tribunal de Justiça do Pará) cancelou uma visita de conciliação ao acampamento que seria realizada em 15 de setembro. Com a decisão desta quinta, o processo será retomado.

Em nota enviada à Repórter Brasil, a Belo Sun afirma que o acordo de concessão seguiu requisitos legais e regulatórios. “A empresa não concorda com a decisão que declarou a sua nulidade, e nos autos apresenta sua controvérsia sob análise do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.”
Também procurado pela reportagem, o Incra afirma considerar que, ao contrário do entendimento da Justiça Federal, o próprio contrato de concessão de uso formalizou a alteração da destinação da área para mineração. “Por esta razão, o Incra apresentou recurso de apelação em face da sentença, que será apreciada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região”, diz o texto. (Leia aqui as respostas na íntegra)
Segundo o juiz Rafael Henrique de Barros Lins Silva, não há conexão entre o processo de reintegração de posse contra os acampados no PA Ressaca e a sentença de primeira instância que anulou o acordo de concessão. “Cumpre destacar que a presente ação tem por objeto a posse, que se encontra consolidada pela autora [Belo Sun] há anos, de forma mansa e pacífica”, escreve.
“A gente sabe que na Justiça o processo é lento para nós e muito rápido para as grandes empresas. Nós enfrentamos isso desde o início da construção de Belo Monte, e agora estamos enfrentando com a Belo Sun”, lamenta Ana Laíde Soares Barbosa, integrante do Movimento Xingu Vivo para Sempre. “A Justiça é o único meio que temos para defender nossos direitos, e o que a gente vê nesse processo é o inverso. Então, em quem acreditar? É o que os agricultores acampados e nós do movimento ficamos nos perguntando”, completa.
Comissão do TJ-PA deve buscar acordo antes da reintegração
O magistrado determinou também que a Comissão de Soluções Fundiárias do TJ-PA remarque a visita técnica ao acampamento e que, posteriormente, elabore um relatório sobre a situação no local, o perfil das famílias ocupadas, as benfeitorias existentes “e outros elementos relevantes para a compreensão do conflito”.
O grupo deve, ainda, promover reuniões de mediação para buscar soluções consensuais, apresentar propostas para a resolução do conflito e, em caso de um acordo ser impossível, “sugestões para a execução segura e ordenada da liminar de reintegração de posse”.
“Tendo em vista que a área objeto da ação é um assentamento da reforma agrária, obrigatoriamente o Incra e o MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar] participarão das sessões de mediação, visto que cabe a esses entes a execução da política de reforma agrária e o assentamento das famílias que se encontram acampadas no PA Ressaca”, pontua Diogo Cabral, advogado dos acampados.
Leia também