Carvão ligado a empresas flagradas com trabalho escravo abasteceu siderúrgicas

Empresas como Duferco, Stemcor e Sinobras compraram ferro-gusa de produtoras ligadas a carvoaria abastecida por fazenda em que houve resgates
Por Murilo Pajolla | Edição Bruna Borges

DE MOJU (PA) – Multinacionais da siderurgia, como a Duferco e a Stemcor, compraram ferro-gusa de empresas brasileiras abastecidas com carvão vegetal ligado a flagrantes de trabalho escravo na Amazônia, de acordo com dados de guias florestais acessados pela Repórter Brasil.

Em junho de 2023, uma fiscalização do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) resgatou 33 trabalhadores em condições análogas à escravidão nas fazendas Sipasa e Citag, localizadas na região de Moju (PA). 

A Fazenda Citag vendeu madeira para produção de carvão vegetal à carvoaria Carvalho Carbonização em 2023 e 2024, de acordo com guias florestais do estado do Pará acessadas pela reportagem. A empresa de carvão também possuía, à época do flagrante, um contrato para adquirir madeira da Fazenda Sipasa, segundo uma nota técnica da Semas-PA (Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará) acessada pela reportagem.

Diferentes propriedades na região registradas em nome de Wilson Fabricio Campos de Sá, que forneceu madeira por meio da Fazenda Citag, e de Márcio Roberto Pinto Lisboa Pinheiro, um dos sócios da companhia dona da Fazenda Sipasa, ou de empresas nas quais os empresários figuram como sócios respondem por quase todo o fornecimento de lenha para a Carvalho Carbonização nos últimos três anos, segundo dados de guias florestais da carvoaria obtidos pela reportagem.

Campos de Sá também forneceu madeira à carvoaria a partir de outra área, a Fazenda Seringal Maísa, entre março de 2024 e maio de 2025. Já Pinheiro é o responsável pela exploração florestal da Fazenda Água Clara, que abasteceu a carvoaria em 2024. Além disso, ele também é sócio de outra empresa na região, dona da Fazenda Magesa, que vendeu toras à Carvalho Carbonização em 2025.

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O contratante dos trabalhadores da Fazenda Citag e a Sipasa Seringa Industrial do Pará S/A foram inseridos em abril de 2025 na Lista Suja do trabalho escravo, cadastro federal de empregadores flagrados explorando mão de obra análoga à escravidão. Após a inclusão no cadastro, não há registro de novas compras da Carvalho Carbonização diretamente dos empregadores autuados. A companhia, no entanto, continuou comprando matéria-prima da Fazenda Magesa, propriedade ligada a Pinheiro.

Pinheiro negou haver relação operacional entre as propriedades Magesa e Sipasa, mas reconheceu ter responsabilidade solidária como tomador de serviço no caso de trabalho escravo fiscalizado pelo governo federal. Ele disse ter adotado medidas corretivas e preventivas após a fiscalização. A resposta completa pode ser lida aqui.

Campos de Sá e a Carvalho Carbonização não responderam até a publicação da reportagem. O espaço está disponível para manifestações futuras.

Cadeia do ferro-gusa

A Carvalho Carbonização forneceu carvão vegetal para a siderúrgica de Marabá (PA) Âncora Siderurgia Norte em 2025, segundo guias florestais. A empresa utiliza o insumo para produzir ferro-gusa, uma matéria-prima utilizada na fabricação do aço. Procurada, a siderúrgica não respondeu até a publicação.

Guias florestais também mostram que a siderúrgica abasteceu multinacionais com ferro-gusa. A suíça Duferco, uma das maiores tradings globais do setor, comprou o insumo da Âncora Siderúrgica Norte também em 2025. A companhia tem presença em 22 países, mais de 3.000 funcionários e fechou o ano de 2024 com receita de US$ 18,4 bilhões. 

Em seu site, a Duferco apresenta diretrizes de compliance que exigem respeito a normas trabalhistas e ambientais, e afirma realizar processos de triagem e auditoria de fornecedores. O descumprimento pode acarretar sanções ou o rompimento do contrato, segundo seu código de ética. A reportagem procurou a companhia suíça, mas não obteve resposta até esta publicação.

Carvão vegetal é usado na produção de ferro-gusa, uma matéria-prima utilizada na fabricação do aço (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Outra multinacional do setor, a Stemcor, que comercializa e distribui aço em 30 locais no mundo, também recebeu ferro-gusa da Âncora Siderúrgica Norte no ano de 2025. É uma empresa de origem inglesa, que atualmente pertence ao grupo chinês Guangzhou Aerotropolis. 

A Stemcor declara em seu site que cumpre “todas as leis e regulamentações relevantes” sobre o tema do trabalho, “inclusive [as normas] internacionais” sobre escravidão moderna nas regiões em que opera e que está “comprometida em garantir” que não haja mais a prática. Também afirma que possui “sistemas para auxiliar na gestão de cadeias de suprimentos, incluindo processos de integração de contrapartes”. Procurada, a empresa não respondeu até a publicação. 

A reportagem será atualizada em caso de manifestações futuras das companhias consultadas. 

Carvoaria também abasteceu grande siderúrgica nacional

Entre 2023 e 2025, a Carvoaria Carvalho forneceu carvão 294 vezes à Sinobras, de acordo com as guias florestais. Foram 104 entregas em 2023, 170 em 2024 e 20 em 2025 — todas entre os resgates de trabalhadores e a inclusão das fazendas na Lista Suja.

A Sinobras fabrica telhas, tubos e vergalhões e produz 850 mil toneladas de aço por ano. A empresa afirma ser signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo desde 2012. Pertence ao Grupo Aço Cearense. Esse conglomerado empresarial projeta um faturamento em 2025 de mais de R$ 7 bilhões e ocupa o 12º lugar no setor siderúrgico segundo o ranking Valor 1000, que classifica as maiores companhias nacionais.

Em nota, o Grupo Aço Cearense afirmou que, durante o fornecimento pela carvoaria, “a fornecedora apresentou documentação ambiental válida e passou por fiscalizações internas da Sinobras, in loco, sem que fossem constatadas irregularidades” e que no período “não havia registros em cadastros oficiais que impedissem as operações da fornecedora”. Também afirmou que o contrato com a Carvalho foi encerrado antes da inclusão da propriedade com resgate de trabalho escravo entrar na Lista Suja, mas não respondeu se o encerramento está relacionado à inclusão no cadastro. “Não há perspectiva de que volte a figurar nos nossos quadros de fornecedores”, disse a empresa, que ressaltou não compactuar com violações da legislação trabalhista. A resposta completa pode ser lida aqui.

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