Goiás

Fiscais resgatam 83 pessoas em fazenda fornecedora da Unilever

Fazenda Arari, localizada a 100 km de Goiânia, produzia tomate com exclusividade para a Unilever Brasil; um dos trabalhadores foi ameaçado de morte e foi incluído no serviço de proteção à testemunha
Por Beatriz Camargo
 25/07/2007

O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou, na última quinta-feira (19), 83 colhedores de tomate na Fazenda Arari, em Itaberaí (GO). O auditor-fiscal que coordenou a ação, Dercides Pires da Silva, classifica as condições dos trabalhadores de análogas à escravidão. A propriedade fica a 13 km do centro de Itaberaí e a apenas 100 km da capital Goiânia.

O grupo móvel chegou ao local um dia após receber uma denúncia. A equipe de fiscalização identificou péssimas condições de alojamento, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) inadequados e retenção de documentos. Além disso, eram efetuados descontos ilegais no salário, de itens alimentícios, ferramentas e EPIs.

Fábio Alves dos Santos, arrendatário da propriedade, tem um contrato de venda exclusiva com a Unilever Brasil, filial da multinacional inglesa de mesmo nome que produz desde artigos de limpeza até gêneros alimentícios. A empresa oferece a ele sementes, agrotóxicos e assistência técnica. Em contrapartida, o produtor deve seguir uma série de recomendações e vender toda a produção à multinacional.

A Unilever adquire tomate de cerca de 40 produtores no Estado, sempre desse modo, segundo informa sua assessoria. A empresa também declara que, entre as exigências que faz a seus fornecedores, está a assinatura da carteira de trabalho e fornecimento de EPIs, como luvas, botas e máscaras.

Em nota, a Unilever afirma ter um projeto especial para colaborar na conscientização do produtor e do trabalhador rural. Diz, no caso da fiscalização, que a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) de Goiás já liberou a continuidade do serviço na fazenda desde o dia 21, após a regularização das condições de trabalho. "A colheita de tomates nessa fazenda está sendo acompanhada de perto pelos agentes fiscalizadores daquela Delegacia e deve ser encerrada nos próximos dias. O produtor, inclusive, já se responsabilizou, junto à DRT e à Procuradoria Geral do Trabalho, pelo pagamento de eventuais direitos trabalhistas."

No sábado (21), houve uma reunião entre o grupo de fiscalização e representantes da Unilever. Segundo os coordenadores da ação, a empresa se comprometeu a arcar com os custos da rescisão contratual dos trabalhadores, repassando os valores ao produtor Fábio. O pagamento será feito na próxima sexta-feira, e totaliza cerca de R$ 162 mil.

A DRT de Goiás recebeu, no dia 18, a denúncia feita por um trabalhador paraibano que havia deixado a propriedade. No dia seguinte, ele voltou ao local com o grupo móvel e se misturou novamente aos demais colhedores, para poder receber o pagamento das rescisões de contrato pelo período trabalhado. No entanto, foi reconhecido e ameaçado de morte pelo irmão do "gato" (intermediário que contrata a mão-de-obra). Ele teve que ser retirado da fazenda pela Polícia Civil e foi incluído no Serviço de Proteção à Testemunha do Estado de Goiás.

Situação degradante
No total, cerca de 130 pessoas chegaram à fazenda para a safra de 2007, desde o dia 11 de junho, segundo depoimento do "gato" João Avelino dos Santos dado no Tribunal Regional do Trabalho nesta segunda-feira (23). No dia da chegada da equipe de fiscalização, porém, havia somente 83 trabalhadores na unidade de produção agrícola. De acordo com o que foi relatado à equipe de fiscalização, os outros tinham ido embora devido às péssimas condições de trabalho, mesmo sem receber o primeiro salário.

Para Dercides, há vários fatores encontrados que indicam trabalho escravo: o isolamento geográfico do colhedor de tomate em relação à cidade de origem, o que o torna vulnerável a uma situação de exploração. Ele também relata que havia retenção de documentos. Em muitas carteiras de trabalho vistas pelo grupo móvel, havia indícios de fraude: estava escrito "contrato de safra" e a assinatura do empregador, mas não havia a data de início do serviço.

Além disso, a fazenda realizava descontos ilegais no salário. "O ‘gato' trouxe os trabalhadores e descontou a passagem, colchão, pinga, cigarro, arroz, medicamento e EPI. A botina, por exemplo, custava R$ 22,00", relata Antônio Carlos Cavalcante, procurador do Trabalho e representante do Ministério Público do Trabalho (MPT) no grupo móvel, composto também por integrantes da Polícia Federal.

Condições de trabalho
Os libertados também enfrentavam condições ruins de trabalho, de alojamento e de alimentação. Além da cobrança ilegal, alguns EPIs eram inadequados e de má qualidade. "Quando nós chegamos lá, não havia nenhum trabalhador de luva", exemplifica Dercides. Ao lado dos trabalhadores, duas máquinas da Unilever também colhiam tomates na plantação. Segundo o depoimento dado pelo empregador Fábio dos Santos na superintendência da PF de Goiânia no dia 19, "os trabalhadores não têm o costume de usar os equipamentos de proteção e há necessidade constante de repor os equipamentos em virtude de perdas e/ou sumiços". Ele também negou que estes, ou qualquer outro artigo, fossem descontados dos colhedores.

Os safristas do tomate estavam alojados em três casas de alvenaria na cidade de Itaberaí, insuficientes para abrigar 83 pessoas. Dercides conta que uma das casas era boa, mas classifica de "deplorável" o estado das outras duas. "Os trabalhadores contaram que, quando chegaram, foram colocados todos juntos numa casa só. Reclamaram muito e, com o apoio do sindicato local, conseguiram uma situação um pouco melhor", narra. As casas não tinham tratamento de esgoto e em uma delas o vaso sanitário era um buraco no chão. Os dois ônibus que transportavam os trabalhadores diariamente até o local da colheita eram oferecidos pelo empregador, mas estavam em mau estado e foram apreendidos.

O procurador Antonio Carlos vai ajuizar ação por danos morais exigindo que o empregador pague R$ 5 mil em indenização a cada libertado e deve entrar com uma Ação Civil Pública contra o empregador Fábio dos Santos e a Unilever Brasil.

Leia na íntegra nota da Unilever

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