DE SÃO PAULO (SP) — Instituições financeiras que assinaram um pacto global de investimento responsável debateram, em um evento pré-COP30 realizado nesta semana em São Paulo (SP), boas práticas para decidir investimentos com base em critérios ambientais, sociais e de governança, conhecidos pela sigla em inglês ESG.
No entanto, para a Coalizão Florestas & Finanças, que promove o financiamento responsável, falta ambição aos participantes do encontro para que o fluxo de investimentos de fato deixe de ir para “atividades destrutivas” e seja direcionado a projetos mais sustentáveis.
“Muitos dos mesmos investidores que impulsionam o desmatamento, a perda de biodiversidade e as violações dos direitos indígenas são signatários do pacto e emitem relatórios de sustentabilidade pomposos, enquanto continuam suas práticas comerciais habituais”, questiona Merel van der Mark, coordenadora do Florestas & Finanças.
Aliança global de entidades da sociedade civil, entre elas a Repórter Brasil, a Florestas & Finanças atua para impedir que instituições financeiras aportem recursos em produtores de commodities envolvidos em violações socioambientais.
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A conferência PRI in Person deste ano, organizada pelo Principles for Responsible Investment (PRI), é considerada uma “porta de entrada dos investidores para a COP30”, a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre clima, que começa na próxima semana em Belém (PA).
Mais de 1.200 pessoas de 51 países participaram do encontro anual do PRI, realizado nesta semana no Centro de Convenções do Anhembi, na capital paulista. Além das mesas e conferências, os participantes eram incentivados a fazer contatos, em meio a estandes de bancos e gestoras de investimentos.
“Ao longo de três dias, o evento destacou a crescente liderança do Brasil e a importância dos mercados emergentes na agenda global de investimento responsável, com debates focados em soluções práticas para mobilizar capital em prol da transição sustentável”, diz a PRI, em nota enviada à Repórter Brasil.
“As discussões mostraram um forte alinhamento entre investidores, formuladores de políticas e empresas, um impulso que alimentará diretamente a COP30 e ajudará a destravar novas oportunidades de investimento sustentável no Brasil e além”, segue o texto.
Pacto global reúne instituições financeiras por ‘investimento responsável’
PRI é a sigla em inglês para Principles for Responsible Investment (Princípios para Investimento Responsável), uma espécie de pacto global, apoiado pela ONU, por meio do qual as instituições financeiras se comprometem a seguir princípios de ESG em suas decisões de investimento. Segundo o site da organização, atualmente há mais de 5 mil signatários, representando 139,6 trilhões de dólares em ativos.
O PRI in Person acontece anualmente, e o encontro de São Paulo foi a 17ª edição. No encerramento do evento, David Atkin, diretor executivo do PRI, celebrou a decisão de realizá-lo na capital paulista. “Parte da nossa estratégia é facilitar investimentos em mercados emergentes, e esta edição foi uma oportunidade memorável de se fazer contatos, aprender e entender a cultura brasileira. Agora é papel dos investidores decidirem o que fazer daqui para frente”, disse.
Segundo ele, um dos objetivos do PRI é trabalhar com o governo brasileiro e buscar influenciar nas discussões da COP30. “Vou a Belém com muita motivação e confiança. Sei que também vai haver muita frustração, mas tenho esperança de que os participantes desse encontro vão se lembrar do que aprenderam com essa conferência”, ressaltou.

Para Atkin, os “donos de ativos” deveriam liderar a agenda do investimento responsável, e o papel do PRI é atuar como facilitador. Ele avalia que um dos pontos positivos da COP30 é que o Brasil “não está interessado em discursos, mas sim na implementação de ações concretas para a transição energética”. “Teremos aqui um mercado competitivo, que dará retorno.”
A abertura do PRI in Person, na terça-feira (4), teve a presença de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e recado por vídeo de António Guterres, secretário-geral da ONU.
“Todos temos a responsabilidade de fazer que se mantenha em nosso planeta as mesmas condições de vida que nos foi dada. Vemos o esgotamento de um modelo de desenvolvimento que durante muito tempo achou que os recursos naturais são infinitos”, disse a ministra.
“Os investidores devem fazer sua parte. O capital financeiro global deve se alinhar com o desenvolvimento sustentável. Realizar investimentos concretos, e por que não, lucrativos, que sejam possibilitadores de novos ciclos de prosperidade”, pontuou.
Marina afirmou também que a proposta “mais promissora” para que isso aconteça é o TFFF (Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, na sigla em inglês), fundo global e permanente para remunerar países, povos indígenas e comunidades locais que protegem florestas tropicais, lançado esta semana pelo presidente Lula. “Para o PRI, o TFFF é uma oportunidade de retorno financeiro estável, com a natureza sendo a principal base de sustentação de nosso desenvolvimento”, defendeu.
Organizações destacam debates importantes, mas incompletos
“Durante o encontro, houve muito foco em pequenas melhorias, mas se debateu pouco sobre planos de transição abrangentes, mudanças nos modelos de negócio e alinhamento real com as metas do Acordo de Paris, do Marco Global da Biodiversidade e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, diz Merel van der Mark, coordenadora da Coalizão Florestas & Finanças.
No entanto, ela faz a ressalva de que houve discussões sobre a necessidade de estabelecer regras rígidas para garantir que investimentos não financiem atividades que violem o meio ambiente e os direitos humanos.
Na avaliação de Tollak Nylaende Bowitz, diretor de Finanças Sustentáveis da Rainforest Foundation Norway, organização que atua em defesa das florestas tropicais e seus habitantes, na conferência deste ano houve um “avanço na forma como a natureza, a biodiversidade e o desmatamento foram discutidos, em comparação com os anos anteriores”.
“Debateu-se os desafios do desmatamento e dos direitos humanos em relação à agricultura e à mineração”, continua. “Mas, embora os investidores afirmem ter grande interesse em investir em soluções baseadas na natureza e em projetos comunitários, na prática ainda precisamos ver progressos significativos na canalização de investimentos para projetos de economia florestal de pequena escala”, conclui Bowitz.
Contradição entre discurso e prática
Como um dos eventos paralelos da PRI in Person deste ano, a Coalizão Florestas & Finanças promoveu o debate “Perspectivas da sociedade civil sobre os desafios de investir na natureza”. Segundo a coordenadora do Florestas & Finanças, Merel van der Mark, o encontro tinha como objetivo “expor como os principais financiadores continuam lucrando com projetos destrutivos nos setores de agronegócio, mineração e infraestrutura, e como o conceito de ‘investir na natureza’ é frequentemente usado para financeirizar ecossistemas em vez de protegê-los”.
Na ocasião, a coalizão lançou o relatório “Bancando o colapso da biodiversidade”, no qual revela que, dez anos após o Acordo de Paris, metade dos 30 maiores bancos do mundo aumentaram seus financiamentos a setores vinculados ao desmatamento, e o volume aplicado por gestoras de investimentos em empresas ligadas à devastação florestal cresceu em 8 bilhões de dólares, em vez de diminuir.
“Esse modelo de autorregulação e compromissos voluntários não conseguiu gerar mudanças significativas”, pontua Merel.
Em nota enviada à reportagem, o PRI afirma que os seis princípios para o investimento responsável que constam do pacto global “exigem que questões sustentáveis e éticas sejam devidamente consideradas nas decisões e práticas de investimento”.
“O PRI apoia seus signatários na identificação dos riscos e oportunidades financeiras decorrentes de questões de sustentabilidade e governança, para que possam tomar decisões adequadas de acordo com suas crenças de investimento, deveres fiduciários, compromissos e políticas, e dentro dos limites das legislações nacional e internacional. O PRI também incentiva a transparência nos processos que levam a essas decisões”, completa.