DE BELÉM (PA) – Ao som do Hino Nacional, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) inaugurou nesta segunda-feira (10) seu pavilhão na Agrizone, área dedicada ao agronegócio na COP30, em Belém (PA). O espaço, uma das maiores estruturas do local, rapidamente se tornou ponto de encontro de lideranças do setor.
A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é a anfitriã do evento. Vinculada ao governo federal, entrou em cena quando parte do agronegócio resistia em participar da conferência do clima da ONU. O espaço é financiado por patrocínios milionários de grandes empresas e entidades de classe, entre elas CNA, Nestlé e Bayer.
Durante a cerimônia de abertura do pavilhão, Daniel Carrara, diretor-geral do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) — entidade vinculada e administrada pela CNA — disse que a parceria com a Embrapa só foi aceita sob uma condição feita à presidente da instituição, Silvia Massruha: “A Embrapa tem que falar mais”. Segundo ele, a estatal precisa levar a mensagem do agronegócio brasileiro ao mundo. “Não adianta ser o produtor rural, o Senar, tem que ser a Embrapa com a sua credibilidade e com o seu conhecimento”, afirmou.
Carrara, que integrou o Conselho de Administração da Embrapa entre 2020 e 2023, destacou o apoio financeiro e logístico do setor para que o evento ocorresse. “Ajudamos a praticamente reconstituir a Embrapa aqui em Belém, que estava com grandes dificuldades”.
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Além do pavilhão principal, que atravessa um quarteirão inteiro, a CNA montou outras três estruturas na Agrizone e na Blue Zone, esta última uma área restrita onde ocorrem as negociações oficiais entre os países.
Apesar da grandiosidade da Agrizone, o pavilhão da CNA na Blue Zone ainda estava longe de ficar pronto na manhã de segunda-feira. Mas sua localização é estratégica: fica de frente para o espaço da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), tornando-se ponto de passagem obrigatório na rota do lobby sobre agricultura e segurança alimentar.
Segundo Carrara, a programação da CNA teve um grande apoio do IPA (Instituto Pensar Agro), braço ideológico, técnico e financeiro da bancada ruralista. O Instituto é financiado por grandes entidades como Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) e Croplife, representante de multinacionais fabricantes de agrotóxicos, como Bayer e Syngenta.
Agrizone funciona como sede provisória do Ministério da Agricultura
Durante os 11 dias de COP, a Agrizone funciona simultaneamente como sede provisória do Ministério da Agricultura e Pecuária e como feira de exposições. O espaço também promove debates sobre agricultura regenerativa, pecuária de baixo carbono e bioeconomia amazônica, conceitos amplamente usados pelo setor para influenciar as negociações climáticas, embora não impliquem mudanças estruturais no modelo produtivo.
Dados divulgados pelo Seeg, do Observatório do Clima, dias antes da COP mostram que a agropecuária respondeu por 70% das emissões nacionais em 2024. Mesmo com a queda no desmatamento, as mudanças de uso da terra continuam fazendo do Brasil o quinto maior emissor do planeta. O país emite mais carbono bruto só por desmatamento do que a Arábia Saudita e o Canadá juntos — dois grandes produtores de petróleo.
Durante o evento da CNA, Carlos Xavier, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, demonstrou incômodo com as críticas internacionais de que os produtores rurais da Amazônia estariam “acabando com tudo”.
Xavier cita como exemplo a retirada de madeira na Amazônia para justificar que certas atividades fariam parte do próprio funcionamento da floresta. “Na hora que você tira aquela árvore que deixa um espaço, a outra vem e cresce. Então a manutenção da floresta Amazônica tá em cima dos projetos de manejo”, afirmou. “Nós não precisamos dizer uma vírgula de mentira [em reuniões], só contar o que é real”, completou.
Estudo da Embrapa é usado como bandeira, mas não avalia estado real da vegetação
Após o evento de lançamento do pavilhão, a Embrapa Territorial apresentou o estudo “Atribuição, ocupação e uso das terras no Brasil”. Os dados foram celebrados ao mostrar que 65,6% do território brasileiro está sob algum tipo de preservação ou conservação da vegetação nativa, sendo 29% atribuídos a áreas preservadas dentro de propriedades rurais.
Dados como esse são frequentemente usados pelo setor para afirmar que o agricultor “mais preserva do que desmata”. Mas, como explica a chefe adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Territorial Lucíola Magalhães, o estudo não avalia o estado real da vegetação, apenas contabiliza áreas que deveriam estar preservadas, segundo compromissos legais e classificações territoriais. Ou seja: não verifica se a vegetação está de pé.
Ainda assim, ela afirma que a salvação do Cerrado está nas lavouras. “O grande compromisso de preservação dos cerrados está dentro dos imóveis rurais privados do CAR [Cadastro Ambiental Rural]”.
Dados do sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que o Cerrado segue sendo o bioma mais desmatado do país, à frente da Amazônia. Maranhão (28%) e Tocantins (21%) lideram o ranking, ambos marcados pela forte expansão agropecuária.
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