Entre o greenwashing, Tuvalu e a fila do bandejão, começa a COP30 em Belém

A Cúpula do Clima reúne num mesmo espaço mineradoras com passivo socioambiental, ministros em reuniões, representantes de países ameaçados pela crise climática, carnaval com bichos e defensores de territórios esperando respostas. O que a COP30 vai entregar, e para quem, ainda está em disputa
Por Daniel Camargos

BELÉM (PA) — Ainda no aeroporto, quem chega para a COP30 encontra duas mensagens de boas-vindas. De um lado, a Vale convidando o visitante a “ver e viver as Amazônias”. No painel ao lado, a Hydro exibe a imagem de Fafá de Belém sorrindo diante de uma floresta tropical. As duas mineradoras, com passivos socioambientais no Pará, recepcionam quem desembarca para a conferência do clima.

No primeiro dia da COP, nos corredores da área azul, circulam ministros e delegações, dispostos a sorrir, dar boas notícias e responder às perguntas de centenas de jornalistas.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, revelou o plano do governo federal de assentar parte das 5 mil famílias do acampamento Terra e Liberdade, em Parauapebas, no sudeste do Pará, o maior do Brasil.  

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A presidente da Funai, Joenia Wapichana, posava para fotos com outros indígenas paramentados de cocares e com o corpo pintado. Questionada por este repórter, ela afirma ter expectativa de que as demarcações de terra avancem durante a COP30, mas que a decisão depende do Ministério da Justiça e da Presidência da República.

Um levantamento da Coiab, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, aponta que 29 terras indígenas estão prontas para homologação, fase final do processo de demarcação.

O jogo de empurra quase acontece também na fila do bandejão, com almoço a R$ 40. Preço bem menor que o das coxinhas vendidas a R$ 60 na semana passada durante a Cúpula dos Líderes, que causaram alvoroço.

Arroz, feijão fradinho, farinha — das “bagudas” —, berinjela, batata-doce e carne de carneiro (cheguei tarde e peguei mais osso do que carne). 

Presidente da Funai e movimento indígena espera avanço nas demarcações durante a COP30 (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Presidente da Funai e movimento indígena espera avanço nas demarcações durante a COP30 (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Um olhar panorâmico no refeitório mostra que a COP é feita por muito mais do que autoridades engravatadas e lobistas. Ali se misturam voluntários, ativistas, trabalhadores da montagem, jornalistas e participantes de países pequenos. 

Entre eles, um representante de Tuvalu, nação-ilha do Pacífico, de 11 mil habitantes, que enfrenta o desaparecimento físico de seu território por causa da elevação do nível do mar. No fim do dia, cinco tuvaluanos se reuniram em uma roda e tocaram violão no estande do país.

Nos estandes vizinhos, países disputam atenção. A Alemanha serve café, a Austrália oferece cerveja. A hospitalidade vira extensão da diplomacia, ou “soft power”, para ficar em um jargão gringo. Delegações aproveitam os espaços para encontros paralelos e anúncios técnicos. 

Um olhar panorâmico no refeitório mostra que a COP é feita muito mais por voluntários, ativistas e participantes de países pequenos do que por engravatados e lobistas (Foto: Oliver Kornblihtt/Mídia Ninja)
Um olhar panorâmico no refeitório mostra que a COP é feita muito mais por voluntários, ativistas e participantes de países pequenos do que por engravatados e lobistas (Foto: Oliver Kornblihtt/Mídia Ninja)

Mais carnaval, menos guerra

Fora das salas de reunião, a Cúpula do Clima se divide em duas zonas. A área azul, restrita aos negociadores e autoridades, concentra painéis oficiais e imprensa credenciada. A área verde é aberta ao público. 

No primeiro dia, para circular entre elas, foi preciso dar a volta por fora e enfrentar o calor abrasador ou as pancadas de chuva. Nessa travessia, vi artistas do Cordão da Bicharada, de Cametá, desembarcando do ônibus empapados de suor em suas fantasias de bichos. O grupo transforma a fauna amazônica em um bloco de carnaval e apresentou uma performance na zona verde .

Pouco antes, na abertura oficial, o presidente Lula pediu mais investimento em ações climáticas e menos em guerras. Criticou o gasto global com armamentos e defendeu que os países ricos aumentem a contribuição financeira para combater o aquecimento do planeta. Disse que é hora de derrotar os negacionistas e propôs criar um conselho global do clima ligado à ONU. 

A fala teve como contraponto a ausência do presidente norte-americano Donald Trump, que não compareceu ao evento e manteve a postura de distanciamento em relação às discussões multilaterais sobre o clima. Os Estados Unidos são os maiores emissores históricos de gás carbônico.

Em seu discurso na COP30, Lula defendeu menos investimento em armas e mais em combate à crise climática (Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)
Em seu discurso na COP30, Lula defendeu menos investimento em armas e mais em combate à crise climática (Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

Entre as decisões anunciadas no primeiro dia, a mais concreta foi a operacionalização do Fundo de Perdas e Danos, criado há dois anos para financiar projetos em países vulneráveis. A diretora da COP30, Ana Toni, destacou que é a primeira vez em quatro conferências que a agenda foi aprovada no primeiro dia. 

Outro destaque brasileiro foi o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, conhecido pela sigla em inglês TFFF, voltado à remuneração de países que preservam florestas. A China e alguns países europeus, contudo, não confirmaram que investirão na iniciativa.

Enquanto isso, governadores da Amazônia aproveitaram o evento para defender novos projetos de exploração, como mineração e perfuração de poços de petróleo na foz do rio Amazonas.

Belém reúne tudo isso num mesmo espaço: cooptação de mineradoras, ministros em reuniões, representantes de países ameaçados pela crise climática, carnaval com bichos e defensores de territórios esperando respostas. A COP30 começou, mas o que ela entrega, e para quem, ainda está em disputa.

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