DE BELÉM (PA) — O cacique Raoni Metuktire e outras lideranças indígenas da Amazônia criticaram nesta terça-feira (11) o apoio do presidente Lula à exploração de petróleo na Margem Equatorial, região litorânea que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, incluindo a foz do rio Amazonas.
“Estou sabendo que querem perfurar petróleo, eu sei que Lula está falando sobre isso, mas quero dizer que não podemos permitir que isso aconteça”, disse o líder indígena de mais de 90 anos, durante evento organizado pelo MPF (Ministério Público Federal) na Zona Verde da COP30, em Belém (PA). Ícone da causa indígena, Raoni participou da cerimônia de posse no novo mandato do presidente em 2023, subindo a rampa do Palácio do Planalto ao lado de Lula.
O alerta fez coro a protestos de outros indígenas do Pará e do Amapá presentes no encontro. “É triste ver o Lula defendendo isso em plena COP. O mundo não pode mais continuar com a exploração de petróleo”, disse Luene dos Santos Karipuna, coordenadora executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará.
No final de outubro, o Ibama concedeu a licença de operação para a Petrobrás iniciar a perfuração exploratória de um poço na foz da bacia amazônica, com a finalidade de pesquisa petrolífera. A concessão gerou protestos de organizações ambientalistas e da sociedade civil. De acordo com a estatal, a perfuração está prevista para começar “imediatamente”.
“O Ibama autorizou o início das pesquisas sem ouvir os indígenas, nos apagando completamente do lugar onde vivemos”, lamenta Luene.
Na COP, o assunto segue pautando mesas paralelas e conversas nos corredores da Zona Verde, espaço aberto ao público. Os combustíveis fósseis (como petróleo, carvão e gás natural) são a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa, como o CO2, responsáveis pelo aquecimento global.
“O presidente Lula é o que mais demarcou terras indígenas, mas a gente se entristece com ele falando de mudanças climáticas e ele falando a favor da exploração de petróleo”, concorda Edmilson Karipuna, coordenador do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque, o CCPIO. “Vamos sempre dizer não à exploração de petróleo”, reforça.
Licença do Ibama à Petrobras causa impactos no Amapá, dizem organizações
Os indígenas já relatam impactos sobre seus territórios e no município de Oiapoque (AP), a partir da licença emitida pelo Ibama, como inchaço populacional, aumento da violência e invasão nos territórios indígenas.
“Ficamos preocupados com os impactos ambientais que podem ocorrer com a exploração, mas também nos preocupamos com os impactos sociais que já estão em curso”, afirma Jenina Karipuna, cacica da aldeia Espírito Santo e presidente da AMIM (Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão).
“Não podemos continuar na Zona Verde ouvindo para nós mesmos. Deveríamos estar na Zona Azul, sentados na sala de discussão com os líderes”, ressalta Luene.
Nos corredores da Zona Azul, área das negociações oficiais e onde só entram pessoas credenciadas, o governador Helder Barbalho (MDB-PA) defendeu a exploração de petróleo. “Nós precisamos usar da riqueza da Petrobras para financiar e antecipar essa transição [energética] justa.
Hoje o Brasil não é autossuficiente de energia que possa garantir segurança energética sem o uso dos combustíveis [fósseis]”, afirmou o governador à Repórter Brasil na segunda-feira (10), quando questionado sobre como fazer a transição energética de forma justa.
A mesma pergunta foi feita para Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama que assinou a licença. “Eu não tenho dúvida que a transição energética se dará no campo dos combustíveis fósseis”, afirmou, para logo complementar que “se a gente não manter a floresta em pé, todo esse trabalho vai ser jogado fora”.
Direito a consulta foi desrespeitado, denunciam indígenas do Amapá
“Nossos direitos estão garantidos aqui”, conta o cacique Edmilson Karipuna, mostrando o protocolo de consulta dos povos indígenas do Oiapoque. “Mas estão sendo atropelados pelo governo. Estamos lutando para que a consulta aos povos indígenas aconteça”.
O protocolo de consulta dos povos indígenas do Oiapoque foi publicado em 2019 e estabelece as regras para a consulta acontecer. A oitiva deve ser feita sobre qualquer empreendimento que possa afetar os indígenas e é lei no Brasil desde 2004, quando o Brasil ratificou a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Poucos dias após a emissão da licença, o Ministério Público Federal entrou com um recurso no TRF-1 pedindo a proibição imediata de qualquer processo de licenciamento ambiental sem que haja a prévia realização de ações e estudos necessários.
“Existem falhas no licenciamento ambiental e a mais grave delas é a desconsideração total dos povos e comunidades tradicionais”, aponta Felipe Palha, procurador-chefe do MPF no Pará.