COP30 foca em oceanos, mas ‘esquece’ o plástico, seu maior poluidor

Conferência sobre Mudanças Climáticas de Belém não debaterá diretamente em suas plenárias oficiais restrições à indústria do plástico, material responsável por 3,4% das emissões de carbono do mundo
Por Vinicius Konchinski

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém (PA), vem dando atenção inédita aos oceanos, responsáveis por absorver 30% do carbono liberado na atmosfera do planeta. No entanto, a COP30 não discutirá durante eventos oficiais a maior causa de poluição dos mares mundo afora: o plástico, cuja produção ainda emite cerca de 3,4% dos gases causadores do efeito estufa, segundo estudo da revista Nature.

O plástico representa hoje cerca de 85% de todo lixo que chega aos oceanos. Pelo menos 10 milhões de toneladas do material param nos mares todo ano, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). A previsão é que a quantidade de resíduos triplique até o ano de 2040, comprometendo serviços de regulação climática cumpridos hoje pelo ambiente marinho.

Até 2040, a produção de plástico pode gerar até 2,8 gigatoneladas de carbono ao ano, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Neste cenário, 5% das emissões mundiais de CO2 viriam da indústria do plástico, que passaria a consumir 20% da demanda global de petróleo – matéria-prima de origem fóssil e não renovável.

Apesar disso tudo, em nenhuma das plenárias oficiais da COP30. nem naquelas promovidas pelo Brasil durante o evento, a produção do material – ou a redução dela – será objeto de discussão. Tal ausência é motivo de frustração para ambientalistas que compartilham a visão da conferência sobre a importância dos oceanos para a contenção das mudanças climáticas.

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“A COP30 reconheceu a relevância dos oceanos no debate sobre o clima, mas perdeu a oportunidade de debater o maior fator de risco à ‘saúde’ dos mares”, criticou Iran Magno, estrategista de campanhas da organização ambientalista Oceana.

Magno está em Belém acompanhando a COP30. Em entrevista à Repórter Brasil, ele comemora o fato de os oceanos terem sido tema de um discurso do presidente Lula na reunião de líderes mundiais que antecedeu a abertura da conferência. Celebra também a indicação da bióloga e professora brasileira Marinez Scherer como enviada especial para discussões sobre oceanos, algo inédito na história das COPs.

Ele reclama, entretanto, que o debate da COP30 está excessivamente focado na contenção do aquecimento global por meio da redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. Assim, escapam questões essenciais à conservação do meio ambiente.

“De fato, são poucos os eventos que vão tratar do tema plástico por aqui”, ratificou Mariana Andrade, coordenadora de campanhas de Oceano no Greenpeace Brasil, que também está em Belém para a COP30.

Marinez Scherer, enviada especial para oceanos da COP30 (Foto: Conferência dos Oceanos/Divulgação)
Marinez Scherer, enviada especial para oceanos da COP30 (Foto: Conferência dos Oceanos/Divulgação)

Fora da programação da ONU e do Brasil

A COP30 tem diferentes tipos de programação. A principal delas diz respeito à rodada de negociações entre representantes de governos sobre o clima. O calendário dessas discussões é definido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Nessa programação, há grupos de discussão sobre oceanos, economia circular, gestão de resíduos e indústria, por exemplo. Nada, porém, especificamente sobre plástico.

“A Presidência da COP30 afirma que o tema de plásticos está contemplado de forma transversal nas discussões sobre oceanos, gestão de resíduos sólidos, economia circular e descarbonização da indústria”, minimiza a organização do evento, em nota.

A organização reconhece que “a produção, o consumo e o descarte de plásticos são reconhecidos como fatores relevantes nas emissões globais de gases de efeito estufa e na poluição dos oceanos”. Entretanto, pondera que a COP não tem “mandato internacional” para pactuar a redução do uso do material. O tema é alvo de um debate específico puxado pela ONU (Organização das Nações Unidas).

Em agosto, foi realizada em Genebra, na Suíça, mais uma rodada para discussão de um Tratado Global sobre Poluição Plástica. Não houve acordo.

Resíduos plásticos na praia do Leme, no Rio de Janeiro (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Resíduos plásticos na praia do Leme, no Rio de Janeiro; Brasil despeja mais de 1 milhão de toneladas de lixo plástico no mar por ano (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

“Indiretamente, o plástico está na pauta. Mas não diretamente, porque isso não é o cerne da questão, que é a diminuição das emissões de gases do efeito estufa”, reforçou a diretora do Departamento de Oceano do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates, acrescentando que o cronograma nos principais debates da COP30, aqueles realizados entre governos, não compete ao Brasil.

Segundo ela, o Brasil definiu só a programação dos dois Pavilhões Brasil da COP30,  mantidos pelo governo federal. Um é reservado a negociadores credenciados e outro a um público menos restrito. Juntos, os dois pavilhões vão receber 286 debates durante 12 dias. Nenhum sobre plástico.

“Um conselho formado dentro da Casa Civil olhou todos os pedidos de temas a serem discutidos nos Pavilhões Brasil. Foram mais de mil pedidos”, diz Prates, do MMA. “Haverá dois eventos sobre oceanos, em que vamos falar das nossas políticas públicas para esse ambiente, dentre elas, a Estratégia Nacional de Oceano Sem Plástico.”

A mesma estratégia será tema de um evento realizado em Belém durante a COP30, mas fora da programação oficial do evento.

“O governo realmente tem feito esforços para que os oceanos entrem definitivamente nas discussões sobre clima, mas realmente há uma falha em pautar o plástico”, avalia Ítalo Braga, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp). “O debate sobre o clima ofusca outras pautas, mas não deveria ser assim”, complementa.

Vontade na COP, mas resistência no tratado

Oitavo maior produtor mundial de lixo plástico, o Brasil despeja anualmente cerca de 1,3 milhão de toneladas desses resíduos no mar, 8% do volume global. 

O governo brasileiro tem mantido uma postura ambígua nas negociações sobre um tratado sobre a poluição plástica. O lobby das indústrias petrolífera e química, contrários a qualquer limite à produção de plástico, são apontados por organizações ambientalistas como principais causas de uma posição menos firme do país sobre o tema.

“A posição da delegação brasileira em Genebra deixou a desejar ao não se alinhar ao grupo com mais de 100 países que defendeu propostas avançadas para estancar a hecatombe plástica”, criticou a Coalizão Vida Sem Plástico, rede brasileira de organizações da sociedade civil que lutam contra a poluição plástica nos oceanos, em nota emitida logo após o término da rodada de negociação de Genebra. “A sociedade civil e a comunidade internacional esperavam muito mais do país-sede da COP30.”

O Brasil é o 8º maior poluidor de plásticos do mundo. Em 2023, o país gerou 7 milhões de toneladas de resíduos — 44% descartáveis e de uso único (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
O Brasil é o 8º maior poluidor de plásticos do mundo. Enquanto indústria foca em “economia circular” e reciclagem, ambientalistas afirmam também ser necessário reduzir a produção de certos tipos de plástico (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Realizada entre os últimos dias 5 e 15 de agosto, essa foi a sexta rodada de negociações sobre um tratado vinculante que coloque fim ao que é considerada a segunda maior ameaça ambiental global, depois da emergência climática. Ainda não se sabe se e quando um sétimo encontro irá acontecer.

Iniciado em 2022 por iniciativa da ONU, o debate tem colocado em posições opostas dois grandes grupos de países. De um lado, mais de 100 nações defendem o banimento de produtos plásticos de uso único — os “descartáveis” — e de algumas substâncias químicas nocivas usadas em sua fabricação.

De outro, estão os países produtores de petróleo, que se opõem a qualquer restrição à fabricação e propõem como solução alterações no design dos produtos, além de adequações na coleta, tratamento e reciclagem.

Ao longo das discussões, o governo brasileiro deu sinais contraditórios: ora demonstrou apoio à limitação da produção, ora resistiu ao tema sob a justificativa de que é preciso um mecanismo de financiamento à transição para os países em desenvolvimento.

O Executivo argumenta que um freio à fabricação de descartáveis pode causar perdas de emprego na indústria e queda de renda de catadores de materiais recicláveis, com impactos para as economias dessas nações. Organizações da sociedade civil, no entanto, apontam que o posicionamento do governo se deve ao forte lobby promovido pela indústria.

Para Ademilson Zamboni, oceanógrafo e diretor-geral no Brasil da Oceana, esse lobby também deve ter atuado para retirar da COP30 discussões específicas sobre o plástico. “A Indústria química certamente está nos bastidores disso”, afirma ele, sobre o assunto.

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