Fornecedor de Bunge e Cargill arrenda área em fazenda com desmatamento no Piauí

Produtora de grãos SLC, que adotou uma política de desmatamento zero em 2021, afirma que opera apenas na parte da propriedade sem perda recente de vegetação nativa; especialistas defendem que a avaliação de política antidesmatamento deve considerar todo o imóvel rural
Por Murilo Pajolla e Daniele Penha | Edição Bruna Borges

DE GILBUÉS, BAIXA GRANDE DO RIBEIRO E SANTA FILOMENA (PI) – No sul do Piauí, a Fazenda Cosmos teve desmates recentes em áreas vizinhas a partes da propriedade onde ocorrem conflitos fundiários com comunidades tradicionais, enquanto a outra metade da fazenda, sem passivos ambientais, é arrendada pela SLC Agrícola, uma das maiores produtoras de soja, milho e algodão do país.

Essa investigação foi feita pela Repórter Brasil, em parceria com O Joio e o Trigo e o The Bureau of Investigative Journalism.

Fornecedora de gigantes do agronegócio como Bunge e Cargill, a SLC adota uma política de desmatamento zero desde 2021, inclusive para áreas arrendadas e supressões de vegetação autorizadas. Mas a empresa restringe sua aplicação às terras sob controle direto. 

Para organizações que monitoram cadeias produtivas de commodities, a arrendatária não pode ignorar o contexto do imóvel como um todo. “Uma empresa que faz isso acaba beneficiando um desmatador e acaba até financiando que porventura haja mais desmatamento nessa área ou em outra”, avaliou João Gonçalves, da organização ambientalista Mighty Earth. 

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Premiada por práticas sustentáveis, a SLC Agrícola participa da COP30, conferência mundial do clima em Belém (PA). Em um painel sobre agricultura regenerativa, a companhia listada na B3 destacou a implementação de reciclagem em algumas de suas 27 fazendas espalhadas pela Amazônia e pelo Cerrado. 

Um laudo da plataforma MapBiomas sobre a propriedade arrendada, localizada em Santa Filomena (PI), identificou o desmate de 3,7 mil hectares no local entre julho de 2024 e fevereiro deste ano. O documento aponta que parte da supressão teria ocorrido dentro da Reserva Legal da fazenda, onde, segundo a legislação, é obrigatória a manutenção da vegetação nativa. O arrendamento de partes da Fazenda Cosmos pela SLC foi anunciado em agosto de 2024.

A pedido da Repórter Brasil, a organização holandesa AidEnvironment analisou imagens de satélite da área e identificou, além do desmatamento, indícios de uso de fogo em porções da fazenda. “Políticas corporativas não significam muita coisa se forem contornadas por arranjos que deixam em dúvida a responsabilidade das empresas”, avalia Marco Túlio Garcia, pesquisador da organização.

O perímetro desmatado é próximo ao território ocupado pela comunidade tradicional de Melancias, que trava há mais de dez anos disputa judicial com os proprietários da Fazenda Cosmos. Membros da comunidade afirmam que os donos da Cosmos promoveram grilagem de terras para incorporar ao perímetro da fazenda áreas tradicionalmente ocupadas pelas famílias do grupo. A reportagem esteve na região para conversar com os moradores da comunidade e contou com o apoio da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e o Coletivo de Povos e Comunidades.

Procurada pela reportagem, a SLC sustenta que o desmate e o conflito fundiário estão fora da área arrendada e não têm relação com sua operação. “Nos termos contratuais de arrendamento, a SLC Agrícola assume a posse somente da poligonal arrendada. O restante do imóvel segue de posse e responsabilidade do proprietário da terra”, afirma a empresa, que ressalta ainda manter 35,9% de suas terras com mata nativa — um índice superior ao exigido pela legislação para o bioma Cerrado. Confira a manifestação da SLC aqui

A Fazenda Cosmos pertence aos empresários Ricardo Tombini e Eduardo Dall’Magro. Ela recebeu, em 2024, uma autorização do governo estadual para que 6 mil hectares dentro da propriedade fossem desmatados.

A Repórter Brasil enviou questionamentos aos advogados de ambos os empresários, que não foram respondidos por escrito. Mas, em conversa por telefone com a reportagem, Tombini ressaltou que obteve autorização para o desmate, além de refutar as acusações de grilagem e alegar que é a comunidade de Melancias quem está invadindo o perímetro da fazenda.

Silos da Bunge em Santa Filomena (PI); a empresa é cliente da SLC Agrícola, que opera fazenda de soja na região (Foto: Mariana Greif/Repórter Brasil)

Clientes preveem avaliação de propriedade rural

Bunge e Cargill são os principais clientes da SLC Agrícola, respondendo por 43% das vendas da empresa no segundo trimestre de 2025, de acordo com documentos corporativos acessados pela Repórter Brasil.

Ambas as multinacionais se comprometem a eliminar, até 2025, o desmatamento de suas áreas de fornecimento de soja no Cerrado, bioma fortemente afetado pelo avanço da fronteira agrícola. O compromisso – que engloba a região onde está a Fazenda Cosmos – inclui desmates ilegais e supressões de vegetação autorizadas.

Procurada, a Bunge não esclareceu se adquire ou não matérias-primas da Cosmos. Disse, no entanto, que seu compromisso de estar livre de desmatamento em regiões prioritárias  “é uma parte central da estratégia de negócios e do planejamento da empresa”. Leia a resposta completa aqui.

A Cargill não respondeu aos questionamentos encaminhados. O espaço segue disponível para futuras manifestações.

Para a Mighty Earth, não basta que compradores monitorem talhões isolados em propriedades fragmentadas em “áreas limpas” e “áreas sujas”. “O processo de devida diligência dos traders deve considerar a área dos seus fornecedores como um todo”, defende Gonçalves. 

Esta reportagem foi apoiada pela Brighter Green.

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Placa de fazenda de soja operada pela SLC agrícola em Santa Filomena (PI) (Foto: Mariana Greif/Repórter Brasil)
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