ÁREAS DE EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO e gás afetam mais de 320 mil km² de terras indígenas na bacia amazônica, região que compreende áreas florestais de nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.
Ao todo, 567 blocos de extração de petróleo e gás impactam direta ou indiretamente uma área indígena equivalente ao estado do Maranhão.
Esse é o resultado de um levantamento feito pela equipe de monitoramento territorial da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), em parceria com a Coica (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, que reúne instituições dos nove países amazônicos), publicado nesta quarta-feira (19) em primeira mão pela Repórter Brasil.
A análise (que pode ser acessada aqui) identificou também cerca de 114 mil pedidos de mineração ativos na bacia panamazônica, que impactam mais de 2.500 terras indígenas no continente.

O estudo considera como territórios diretamente impactados aqueles sobrepostos por atividades de mineração, petróleo e gás, ou localizados em um raio de até 30 km das atividades — distância na qual os efeitos ambientais e sociais costumam se manifestar de forma imediata, de acordo com as organizações.
Já as áreas classificadas como de impacto indireto são aquelas conectadas por bacias hidrográficas, especialmente rios e igarapés que recebem sedimentos, mercúrio, esgoto industrial ou resíduos oriundos do garimpo e da exploração petrolífera. Nesses casos, mesmo sem sobreposição, o território indígena sente a contaminação e os efeitos acumulados, segundo o estudo.
“A expansão dos combustíveis fósseis segue viva na Amazônia”, afirma Vanessa Apurinã, gerente de monitoramento territorial da Coiab. “O presidente Lula tem o desejo político de se afastar do petróleo, mas os dados não mentem”, continua.
Na abertura da Cúpula dos Líderes, antes da COP30, Lula apontou a necessidade de a conferência da ONU aprovar “mapas do caminho” para “reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos.”
Além disso, na semana passada, a ministra de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, Irene Vélez Torres, declarou a porção amazônica de seu país como zona livre de petróleo. Em 2023, o presidente colombiano Gustavo Petro já havia defendido o fim da exploração de combustíveis fósseis na região.
Contudo, para as lideranças indígenas ouvidas pela Repórter Brasil, os dados divulgados hoje pela Coiab revelam as contradições nos discursos das autoridades.
“Os territórios indígenas estão ameaçados pela expansão do petróleo e pela mineração ilegal e legal”, afirma Olivia Bisa Tirko, presidente do governo territorial autônomo da nação Chapra, na Amazônia peruana.
“Para nós, povos indígenas, não existe transição energética verdadeira enquanto nossos territórios continuarem sobrepostos por blocos de petróleo e gás. O mapa do caminho não pode ser feito apenas no discurso”, acrescenta Vanessa Apurinã, da Coiab.
Os dados sobre exploração mineral e de petróleo e gás foram disponibilizados pela Earth Insight, organização que mapeia a expansão industrial em territórios críticos. As informações combinam dados da ANM (Agência Nacional de Mineração), do Instituto Geológico, Minero y Metalúrgico, do Peru, e da RAISG (Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada).

Petróleo se espalha pela bacia amazônica
A bacia amazônica abriga mais de 2,4 milhões de km² de territórios indígenas, segundo a Coiab. Do total, 320 mil km² (13%) são afetados por blocos de petróleo — o levantamento considera “áreas licitadas pelo governo de cada país para empresas explorarem e produzirem petróleo e gás natural”.
Dos 567 blocos, a maior parte está no Brasil (189), seguido por Bolívia (138) e Peru (102). Há também concentração de blocos licitados nas regiões andinas de Equador, Colômbia e Peru. Por considerar apenas a bacia do rio Amazonas, o levantamento não inclui os blocos de petróleo no litoral brasileiro.
O assunto despontou três semanas antes da COP, quando o Ibama concedeu autorização para a Petrobras iniciar a perfuração exploratória de petróleo na foz do rio Amazonas, no Amapá. “Nós precisamos usar da riqueza da Petrobras para financiar e antecipar essa transição [energética] justa”, defendeu o governador paraense Helder Barbalho, em entrevista à Repórter Brasil durante a COP.
Apesar disso, sociedade civil e organizações indígenas pedem o fim da exploração. As organizações indígenas que formam a Coica estão planejando uma ação conjunta para pedir aos governos de cada país a suspensão de todos os esforços petrolíferos na região.
“Como que o Brasil pode liderar uma agenda global contra os combustíveis fósseis se ainda mantém dezenas de blocos de petróleo dentro dos territórios indígenas? É hora de alinhar esse discurso com a prática”, afirma Vanessa.
“70% do nosso território é campo alagado, por isso ficamos muito preocupados com os impactos ambientais. A nossa principal luta é que seja feita a consulta aos povos indígenas, direito nosso que não está sendo respeitado,” conta Janina Karipuna, cacica da aldeia Espírito Santo, no Amapá, e presidente da AMIM (Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão).
Os indígenas já relatam impactos sobre seus territórios e no município de Oiapoque (AP), a partir da licença emitida pelo Ibama, como inchaço populacional, aumento da violência e invasão nos territórios indígenas.
Bisa Tirko foi até lá e contou que ficou impressionada com o discurso do governo na região: “os governos vivem dizendo que [o petróleo] vai trazer desenvolvimento. Mas, para nós, desenvolvimento é morte certa para os povos indígenas”.

Corrida por minérios acelera em toda Amazônia
Segundo o levantamento, a bacia amazônica tem cerca de 114 mil processos minerários ativos com impacto sobre 2.527 terras indígenas.
O levantamento da Coiab acende um alerta, pois 34,5 mil processos estão na etapa inicial (autorização de pesquisa ou requerimento de lavra garimpeira). Isso revela uma tendência expansão das fronteiras de mineração, aponta a organização.
Esse processo pode ser agravado pela busca por minerais críticos para a transição energética, como lítio, terras raras e cobre.
O Brasil desponta como um caso preocupante, segundo o estudo, pois mais da metade dos processos (65,7 mil) está concentrada na porção brasileira da bacia. As substâncias mais cobiçadas são ouro, cassiterita e bauxita — os dois últimos são os minerais de onde se extrai estanho e alumínio e considerados estratégicos para a transição energética.

Na COP30, empresas de mineração têm tentado emplacar o discurso de que a exploração dessas substâncias é fundamental, mas sem levar em consideração os potenciais impactos sobre povos indígenas e a floresta.
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“Esses minérios para placas solares, por exemplo, vão sair de onde? São falsas soluções”, questiona Alana Manchineri, assessora internacional da Coiab.
Ela defende a articulação dos povos indígenas da bacia Amazônica como fundamental para a proteção dos territórios. Um rio que nasce no Peru, conta, vai desaguar na terra indígena Mamoadate, onde ela vive no Brasil. Os impactos da mineração ilegal no país vizinho, portanto, atingem os indígenas do outro lado da fronteira.
“Descobrimos altos índices de mercúrio nos peixes em locais onde não há mineração. A exploração mineral no Peru afeta diretamente o meu território”, diz.
Para a peruana Bisa Tirko, é “irônico” e “hipócrita” falar de transição energética ao mesmo tempo em que se defende a expansão do petróleo e da mineração. “Não queremos ser vítimas da chamada ‘transição energética’”, alerta.
“Se realmente queremos uma transição energética justa, precisamos parar a exploração de petróleo e a mineração na Amazônia”, concorda Juan Bay, Presidente da Nacionalidade Waorani do Equador (NAWE). Em 2023, a população do Equador aprovou em plebiscito o fim da exploração de combustíveis fósseis no Parque Nacional Yasuní. Dois anos depois, no entanto, o governo ainda não encerrou as perfurações de petróleo na região.
Em coletiva de imprensa realizada na terça-feira (18), lideranças indígenas do Equador e Brasil alertaram para a “falta de compromisso” dos governos em frear a expansão do petróleo na Amazônia. Entre as principais demandas, eles exigem que a Amazônia seja declarada como uma “zona livre de todas as atividades extrativistas, em particular o petróleo, o gás e os minerais ‘convencionais’ e críticos”.
“O Brasil precisa suspender novos blocos e retirar o que já está dentro dos territórios”, diz Vanessa Apurinã, da Coiab. “Que a transição energética justa não seja feita sacrificando os povos indígenas, mas dialogando e construindo com os povos”, finaliza.
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