DE BELÉM (PA) — O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) é presença constante nos estandes empresariais da COP30. Sua circulação pela Zona Azul, sobretudo no espaço da CNI (Confederação Nacional da Indústria), se dá principalmente em debates sobre biocombustíveis.
Não é à toa: Jardim ocupa posições estratégicas no Congresso Nacional sobre o tema, incluindo a presidência da Comissão Especial de Transição Energética e a vice-presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária, o braço institucional da bancada ruralista.
O deputado também foi o relator da Lei do Combustível do Futuro, aprovada em 2024. A legislação aumenta a mistura obrigatória de etanol à gasolina e de biodiesel ao diesel, além de criar diretrizes para o uso de combustíveis sustentáveis de aviação, entre outras medidas.
O envolvimento de Jardim com o setor dos biocombustíveis vem desde antes de assumir o mandato. O deputado tem entre os financiadores de sua campanha de 2022 importantes empresários ligados a esse segmento, como mostram dados oficiais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) analisados pela Repórter Brasil.
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Um exemplo é Luiz Antônio Cera Ometto, com um aporte de R$ 150 mil. Ele é ligado ao grupo São Martinho, que opera usinas de açúcar e etanol e gera energia a partir do bagaço da cana. Luiz Antônio é primo de Rubens Ometto, presidente da Cosan, um dos principais conglomerados do agro e de energia renovável do país. A esposa de Rubens também colaborou com a campanha de Jardim, com R$ 150 mil.
O mesmo valor foi repassado por Antonio José Zillo, ex-CEO da Zilor e atual conselheiro da empresa, que atua na produção de açúcar, etanol e bioeletricidade. A reportagem mapeou ao menos outros três empresários do setor de biocombustíveis entre os 70 doadores pessoas físicas da campanha eleitoral de Jardim, totalizando R$ 1,4 milhão.
Ao todo, considerando os recursos do fundo partidário, a campanha do deputado recebeu R$ 3,8 milhões, o maior montante entre todos os deputados eleitos. Os valores aparecem formalmente registrados no TSE.
Em áudio enviado à Repórter Brasil, o deputado afirma ser “um representante do agro” e estar participando de eventos na COP30 “versados com o compromisso com a sustentabilidade”. Jardim diz ainda lamentar a tentativa de estabelecer “um vínculo que seria vergonhoso, ou pecaminoso, de relação de parlamentares, como eu, com o setor produtivo”.
“Minha relação é transparente, meu posicionamento é muito claro, minhas posições são públicas e eu defendo o setor produtivo, sim. Porque acho fundamental o setor produtivo que gera emprego, cria desenvolvimento, gera oportunidade para o nosso Brasil crescer com independência”, diz. Confira aqui a íntegra da resposta do deputado.
Na COP30, Jardim tem agenda recheada de eventos sobre biocombustíveis
No segundo dia da programação da conferência da ONU, Jardim esteve em um painel que discutia a transição energética na indústria automotiva. No palco estavam os CEOs da Toyota, da Scania, e da Volkswagen Caminhões e Ônibus.
Os três executivos saudaram nominalmente a presença do parlamentar, destacando seu papel nas discussões sobre política energética no Congresso Nacional. O debate tratou dos desafios para reduzir emissões em veículos médios e pesados.
Quatro dias depois, no sábado (15), o deputado abriu outro painel promovido pela Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores) no estande da CNI, batizado de “O papel dos biocombustíveis na transição energética e atingimento das metas de descarbonização”.
O mediador, Davi Bontempo, superintendente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, apresentou Jardim como “o grande responsável pela agenda do biocombustível no Congresso Nacional”. Também participaram representantes da montadora Stellantis e da Abiove, entidade representativa das maiores processadoras de grãos do país. Atualmente, ao menos 70% de todo o biodiesel do Brasil é produzido a partir da soja.
Em outro estande próximo ao da CNI, Jardim recebeu cumprimentos, conversou com visitantes e posou para fotografias. Sobre a mesa da entrada, havia pilhas de panfletos coloridos de seis páginas intitulados “Brasil, vanguarda da nova energia”. Além do nome do deputado, a publicação destacava o posto de presidente da Comissão de Transição Energética da Câmara e trazia um resumo de sua atuação legislativa.

Chamado de Brazilian Sustainable Transportation, o espaço é financiado por uma série de entidades setoriais ligadas à cadeia dos biocombustíveis, da associação das processadoras de cana-de-açúcar à das indústrias de peças automotivas .
Jardim prestigia lançamento de livro de Aldo Rebelo na Agrizone
A agenda de Jardim na COP30 também incluiu o lançamento, em 13 de novembro, do livro “Amazônia: a maldição de Tordesilhas”, do ex-deputado pelo PCdoB e ex-ministro dos governos petistas Aldo Rebelo, atualmente mais próximo do bolsonarismo.
Realizado na Agrizone, o pavilhão do agronegócio que integra a programação oficial da conferência das Nações Unidas, o evento reuniu parlamentares e empresários do setor. Durante sua fala, Rebelo criticou a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente),o Ministério Público Federal e organizações ambientalistas.
“Hoje estão falando em proibir a pecuária na Amazônia. A pecuária existe na Amazônia desde o século 18”, argumentou Rebelo. Ele também saudou a presença de Jardim, chamado de “meu querido amigo deputado” e de “uma figura importante da vida política do nosso país”.
Durante quase uma hora, Rebelo fez afirmações semelhantes às que vêm proferindo em eventos país afora, nas quais atribui a órgãos de fiscalização e entidades ambientais ações contrárias a produtores rurais. “A China não tem lugar mais onde plantar mais um pé de coentro”, disse antes de falar que “tudo aqui (no Brasil) é contido, é proibido”. Em alguns momentos, Jardim se divertia e ria, aplaudindo com toda a plateia.
Brasil quer quadruplicar uso de biocombustíveis até 2035
Uma das principais propostas apresentadas pelo Brasil na COP30 foi o Compromisso Belém 4X, que prevê quadruplicar até 2035 o uso global de “combustíveis sustentáveis”, categoria que inclui biocombustíveis, biogases, hidrogênio renovável e e-fuels.
Impulsionada por Itália e Japão, a iniciativa foi lançada em meio a divergências entre países sobre o papel dos biocombustíveis de primeira geração, produzidos a partir de cultivos comestíveis como soja, cana e palma.
Parte dos governos mantém reservas quanto à expansão desses combustíveis por causa do debate conhecido como “food vs. fuel”, que aponta o risco de competição entre produção de alimentos e energia, além da possibilidade de mudança indireta no uso da terra.
Por sua vez, o argumento da indústria nacional é que seus biocombustíveis podem reduzir emissões quando analisado o ciclo de vida completo, do cultivo até o consumo final, método conhecido como avaliação “do berço ao túmulo”.
Um boletim da Repórter Brasil, publicado em outubro, mostra que a base agrícola dos biocombustíveis mantém vínculos com desmatamento no Cerrado e na Amazônia, conflitos com povos e comunidades tradicionais e casos recentes de trabalho escravo.
Entre os exemplos estão fornecedores de soja ligados a desmate ilegal em áreas monitoradas, disputas entre empresas de dendê e povos indígenas no Vale do Acará, e libertações de trabalhadores em condições análogas à escravidão na produção de cana-de-açúcar.
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