DE BELÉM (PA) — A COP30 amanhece sob o impacto de dois incêndios. O primeiro foi literal, interrompendo as negociações na tarde de quinta-feira (20) e esvaziando parte do pavilhão. O segundo foi político: na madrugada desta sexta (21), a Presidência da COP30, comandada pelo embaixador André Corrêa do Lago, divulgou o rascunho do texto final sem o “mapa do caminho”, o plano que mostraria quando e de que forma os países começariam a reduzir o uso de combustíveis fósseis.
Sem esse plano, 29 países reagiram ainda na madrugada e pediram revisão imediata do texto, criticando a ausência de qualquer referência a combustíveis fósseis. Organizações da sociedade civil também se posicionaram, afirmando que o rascunho não indica como a COP30 pretende responder ao avanço do aquecimento global.
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O incêndio de fato começou por volta das 14h de quinta, atingiu parte de um dos pavilhões da Zona Azul da conferência e provocou correria. Segundo o governo do Pará, 21 pessoas foram atendidas, a maioria por inalação de fumaça e crise de ansiedade.
As chamas duraram cerca de seis minutos, mas foram suficientes para evacuar o espaço e suspender todas as reuniões por cerca de cinco horas. As delegações só retornaram no início da noite e as conversas internas se estenderam até a madrugada.
Foi após esse período de negociações emergenciais que a Presidência da COP30 divulgou a nova versão do “Mutirão de Belém”, o texto político que sintetiza o legado da conferência. O documento saiu sem menção a combustíveis fósseis e sem os mapas do caminho que apareciam nos rascunhos iniciais, com o roteiro para eliminar petróleo, gás e carvão e o plano para zerar o desmatamento.
Também não há metas, datas ou ações coletivas. O texto repete compromissos como “proteção da Amazônia”, “respeito a povos indígenas”, “adesão à ciência” e “participação social”, mas não apresenta decisões capazes de alterar a trajetória de emissões de gases de efeito estufa.
“Isso é uma traição à ciência e às pessoas, especialmente aos mais vulneráveis, além de totalmente incoerente com os objetivos reafirmados de limitar o aquecimento a 1,5°C [em comparação com a temperatura global do início da era industrial]”, declaram nesta sexta de forma conjunta um grupo de cientistas que acompanha as negociações, formado por Carlos Nobre, Fatima Denton, Johan Rockström, Marina Hirota, Paulo Artaxo, Piers Forster e Thelma Krug.
“É impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento”, continua a nota.
A retirada dos combustíveis fósseis do texto final era considerada possível desde o início da semana. Países como China, Índia, Arábia Saudita, Nigéria e Rússia rejeitaram qualquer formulação envolvendo eliminação, redução ou transição de combustíveis fósseis. Houve tentativas de negociar expressões alternativas, como “redução progressiva”, mas todos os termos foram recusados. Não houve consenso nem para a expressão utilizada na COP28 em Dubai, “transitioning away from fossil fuels”, que significa “redução da dependência de combustíveis fósseis”.
Horas depois de o rascunho se tornar público, ainda durante a madrugada, um grupo de 29 países, entre eles França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Holanda, México, Colômbia, Chile, Costa Rica e várias pequenas ilhas, enviou uma carta rejeitando o “Mutirão”. O grupo afirma que “não pode apoiar um resultado que não inclua um roteiro para combustíveis fósseis” e pede que a presidência da COP apresente uma nova versão. O documento também classifica o texto como uma proposta de “pegar ou largar”.
A reação das organizações da sociedade civil seguiu a mesma linha. A 350.org afirmou que os rascunhos “ficam muito aquém da ambição necessária” e que a ausência de combustíveis fósseis impede qualquer alinhamento com a meta de 1,5 °C. A Iniciativa Tratado de Combustíveis Fósseis também criticou o texto. Para Kumi Naidoo, presidente da entidade, o rascunho está distante “das ruas de Belém e dos corredores da COP” e não corresponde ao que foi defendido pelo próprio governo brasileiro.
O Greenpeace chamou o texto de “praticamente inútil” para reduzir a lacuna de ambição climática. A diretora-executiva da organização no Brasil, Carolina Pasquali, disse que as metas para 2035 estão muito aquém do necessário e que não há outro caminho senão devolver o texto à presidência da COP.
“Havia esperança nas propostas iniciais dos mapas do caminho para acabar com o desmatamento e com os combustíveis fósseis, mas esses mapas desapareceram e estamos novamente perdidos, tateando no escuro enquanto o tempo se esgota”, afirmou.

Divergências na equipe brasileira
O debate interno no governo brasileiro também se tornou público ao longo da semana. Segundo reportagem da Bloomberg, houve divergências dentro da equipe brasileira sobre a abordagem ao roteiro, e parte do governo temia que o tema se tornasse um novo impasse diplomático.
No mesmo período, a Colômbia lançou a “Declaração de Belém para o fim dos combustíveis fósseis”, reforçando a pressão por um compromisso claro. A proposta foi apresentada como alternativa caso a COP falhasse em entregar um acordo político robusto.
Na quarta-feira (19), antes da divulgação do rascunho, o presidente Lula veio a Belém para reforçar a defesa do mapa do caminho. A presença do chefe de Estado do país sede naquele momento é incomum, já que as negociações ainda estavam em curso e não havia texto final. Lula chegou sorrindo, brincou com fotógrafos, pegou uma câmera com lente teleobjetiva e simulou fotografar.
Enquanto aguardavam as autoridades, jornalistas receberam um copo de água servida pelo chef paraense Saulo Jennings, que contou que o almoço das autoridades naquele dia incluiu filhote grelhado, legumes e pirão de macaxeira. Jennings é um dos chefs mais reconhecidos da Amazônia e ficou mais famoso após recusar um convite para cozinhar um menu vegano para um evento do príncipe William, do Reino Unido, argumentando que excluir peixes amazônicos dos cardápios ignora a cultura alimentar da região
No discurso, Lula afirmou que a COP30 seria “a melhor de todas”, elogiou a participação indígena e disse que a conferência era “a primeira COP do povo do mundo inteiro”. Também voltou a defender o mapa do caminho, dizendo que era preciso “começar a pensar como viver sem combustível fóssil”.
Ele destacou também que nada poderia ser imposto e que o consenso é obrigatório na UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), lembrando que países ricos precisam financiar a transição energética de nações mais pobres.
Delegações latino-americanas, europeias e de países vulneráveis também afirmam que alguma referência a combustíveis fósseis é essencial para que o texto do “Mutirão” avance. Sem isso, há risco de a conferência terminar sem um acordo político capaz de refletir as promessas feitas ao longo da conferência.
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