COP30 termina sem citar combustíveis fósseis e reacende críticas à falta de compromisso global

Decisão final da COP30 ignora a necessidade de redução do consumo de petróleo, gás e carvão; Kentebe Ebiaridor, coordenador do Oilwatch International, e Elisa Morgera, relatora da ONU para mudanças climáticas e direitos humanos, alertam para os riscos de uma economia baseada em combustíveis fósseis
Por Isabel Harari

DE BELÉM (PA) — A COP30 chegou ao fim sem aprovar o esperado “mapa do caminho” para o mundo reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. Embora o governo brasileiro tenha pautado o assunto nas negociações, especialistas e ativistas criticam a falta de compromisso dos países desenvolvidos e exportadores de petróleo, e dizem que o resultado final da conferência não protege as populações mais vulneráveis.

“Deveríamos ser capazes de unir nossos esforços e tentar alimentar o mundo, em vez de alimentar máquinas”, afirmou Kentebe Ebiaridor, ativista nigeriano e coordenador do Oilwatch International, organização que denuncia os impactos da indústria petrolífera no sul global.

“Desfossilizar a economia é um imperativo”. Kentebe Ebiaridor, ativista nigeriano, da Oilwatch International.

Ebiaridor esteve em Belém para homenagear o ativista e escritor nigeriano Ken Saro-Wiwa, que liderou um movimento pacífico contra a presença da Shell e de outras multinacionais petroleiras no território do povo Ogoni, na Nigéria. O país é o maior produtor de petróleo da África, e um dos maiores do mundo. Em 1995, meses após receber o Prêmio Goldman, considerado o “Oscar” do ambientalismo, Saro-Wiwa foi executado pelo governo do seu país.

Passados 30 anos, as reivindicações de Saro-Wiwa ressoaram em Belém. A Nigéria, contudo, foi um dos países contrários a incluir, nos documentos finais da conferência, a menção à esperada “transição para longe dos combustíveis fósseis, de maneira justa, ordenada e equitativa”, conforme relatou a InfoAmazonia

Não basta reduzir o consumo de petróleo, gás e carvão, diz Ebiaridor. “Precisamos de uma eliminação rápida.”

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A relatora da ONU para mudanças climáticas e direitos humanos, a italiana Elisa Morgera, também defendeu em Belém o fim dos combustíveis fósseis como “um imperativo” para frear os efeitos da crise climática. 

“O fato de os países não terem conseguido chegar a um consenso sequer para mencionar explicitamente os combustíveis fósseis nos resultados da COP30 indica que esta não foi uma ‘COP da Verdade’ — a verdade da ciência, do direito e das demandas legítimas de crianças, jovens e pequenos Estados insulares”, analisou Morgera ao final da conferência.

Brasil promete ‘mapas do caminho’ pelo desmatamento zero e fim dos fósseis

Sem menção aos fósseis no texto final, a alternativa apresentada pelo Brasil foi desenvolver nos próximos meses, por conta própria, dois mapas do caminho: um para zerar o desmatamento e outro para pôr fim aos combustíveis fósseis. O objetivo será reunir estudos a fim de municiar as negociações climáticas dos próximos meses. 

“Tem gosto de prêmio de consolação”, avaliou a diretora executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali, sobre a decisão “de ofício” do governo braisleiro, anunciada pelo embaixador André Corrêa do Lago, que continua como presidente da COP até a COP31, daqui a um ano, na Turquia.

“É claro que isso permitirá que o trabalho siga no ano que vem, e que o momentum criado em Belém não se perca. Mas não é o avanço que esperávamos, e que o mundo desesperadamente precisa”, declarou Pasquali.

“A ‘COP da Verdade’ revelou as verdades que, infelizmente, já sabemos: o lobby dos fósseis, dos gigantes do agro e de outros setores que seguem lucrando com a nossa destruição tem sido bem sucedido em segurar avanços e embaralhar o jogo”, criticou a diretora do Greenpeace. “Alguns países seguem não tratando urgência como urgência, ou crise como crise”, continuou.

“O Brasil, que foi o berço da Convenção do Clima, por pouco não se torna seu túmulo”, disse Claudio Angelo, Coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. “Belém entregou o que era possível num mundo radicalmente transformado para pior. Evitou a implosão do Acordo de Paris, hoje a única coisa a nos separar de um mundo 3ºC mais quente”, continuou. 

“Os resultados fracos da conferência, que precisou encontrar fora da agenda sua grande vitória política, comprovam o esgotamento do modelo das decisões por consenso e impõem a necessidade de reforma da UNFCCC e das COPs”, analisou Claudio Angelo.

Da esquerda para a direita, a jornalista Cristina Amorim, o ativista nigeriano Kentebe Ebiaridor e relatora da ONU Elisa Morgera (Foto: Isabel Harari/ Repórter Brasil)
Da esquerda para a direita, a jornalista Cristina Amorim, o ativista nigeriano Kentebe Ebiaridor e relatora da ONU Elisa Morgera (Foto: Isabel Harari/ Repórter Brasil)

Fósseis são ‘raiz de todas as crises planetárias’

Combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás natural são as principais fontes de emissões de gases de efeito estufa, como o CO2, responsáveis pelo aquecimento global. “Desfossilizar” a economia é central para garantir um planeta habitável”, defendeu Morgera, durante painel na última quinta-feira (20), ao lado do ativista nigeriano Kentebe Ebiaridor.

“Os combustíveis fósseis são, de fato, a causa raiz de todas as crises planetárias que enfrentamos: perda da natureza, poluição tóxica e desigualdade econômica”, disse Morgera.

Em seu relatório mais recente, a especialista da ONU (Organização das Nações Unidas) detalha os impactos dos combustíveis fósseis sobre o clima e os direitos humanos, “incluindo o direito à vida, autodeterminação, saúde, alimentação, água, moradia, educação, trabalho e cultura”. 

Morgera destaca que os países mais ricos têm a obrigação legal e imediata de apoiar financeiramente as nações em desenvolvimento. “Há uma obrigação clara dos países ricos de fornecer financiamento e apoiar da melhor maneira possível a ambição dos países em desenvolvimento”, afirmou. 

Porém, o texto final aprovado em Belém também ficou aquém do esperado nesse ponto. “O texto do Mutirão Global, principal documento político da COP, chega a falar em ‘triplicar’ o valor empenhado pelos países ricos aos países em desenvolvimento, mas atrela esse valor à NCQG, a decepcionante meta de financiamento aprovada em Baku em 2024, que inclui empréstimos e outros recursos privados, inadequados para políticas de adaptação”, escreveu o Observatório do Clima.

“A questão do financiamento permanece sem solução. Com a iminência de ultrapassarmos a marca de 1,5°C, triplicar o financiamento para adaptação e um programa de trabalho claro sobre financiamento climático eram pontos centrais do resultado da COP30, mas os países desenvolvidos, mais uma vez, não abriram suas carteiras”, afirmou a especialista em política climática do Greenpeace Brasil, Anna Cárcamo.

“É um imperativo de direitos humanos eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, e a Corte Internacional de Justiça esclareceu que todos os países devem adotar ações climáticas que protejam os direitos humanos das gerações presentes e futuras”, declarou a relatora da ONU Elisa Morgera.

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